Até o momento nada está confirmado, mas não faltam sinais claros que a proposta de quatro corridas em julho — duas na Áustria e duas na Inglaterra — para abrir o Campeonato Mundial de F-1 de 2020 deve ser levada a sério, essa nova experiência (foto de abertura) é possibilidade que analisei há duas semanas. Helmut Marko, uma das cabeças pensantes da Red Bull, proprietária do circuito austríaco, não se cansa de promover a ideia de iniciar a temporada em Spielberg e ontem voltou a defender a tese, já bem recebida por outros diretores de equipes. Também nesta segunda-feira (27/4) o site oficial da F-1 divulgou um esboço do provável calendário deste ano baseado em três fases (Europa, Eurásia/Ásia, Ásia/Américas) e uma prova final em Abu Dhabi, em dezembro. Na primeira fase as competições seriam com portões fechados ao público e restrições ao acesso da imprensa. Ontem foi anunciado o cancelamento do GP da França, marcado para 28 de junho, aumentando para 10 o número de etapas canceladas ou adiadas no calendário deste ano, que previa 22 corridas.
As maiores fontes de renda da F-1 são provenientes da venda de direitos de transmissão de TV (aproximadamente 35%) e taxas pagas pelos promotores de corrida (30%). O restante advém de publicidade nas pistas, direitos de nome junto à denominação oficial do evento, acordos com fornecedores e outros. Sem corridas, a Liberty Media, que detém os direitos comerciais da F-1, perde assim bem mais de um terço de seu faturamento. Além disso, consta que se o calendário de 22 etapas for reduzido para menos de 15, os valores cobrados deverão ser renegociados em favor das TVs. Daí as declarações consistentes de Chase Carey, chefe da Liberty, em promover um mínimo de 15 etapas.
No jogo de xadrez para contentar a tudo e a todos e minimizar prejuízos coletivos, o estudo do calendário considerou três pontos básicos: garantir a segurança sanitária de todos os que se deslocarem a cada GP, compensar promotores do prejuízo causado pelas arquibancadas vazias e as perdas do comércio local. No primeiro caso estão as cerca de duas mil pessoas diretamente ligadas às equipes, FIA e Liberty Media: esses profissionais seriam os únicos com acesso ao circuito, com a possível exceção de alguns representantes da imprensa, algo ainda em estudos.
Essa população maior que muitas cidades da região da Styria, onde fica Spielberg, chegaria até a Áustria em voos fretados que partiriam unicamente de países europeus e que pousariam possivelmente em Graz (distante cerca de 230 quilômetros) ou no aeroporto militar de Zeltweg, situado a pouco menos de três quilômetros do circuito e que já serviu de pista apara o GP austríaco nos anos 1960. Todos os profissionais autorizados a entrar no circuito terão que exibir um atestado de saúde de que estão livres do Covid-19. As corridas em Spielberg deverão ser nos dias 5 e 12 de julho.
Para que o prejuízo local provocado pela ausência de público nas arquibancadas seja amenizado o máximo possível, a Liberty Media estaria considerando o pagamento do aluguel do circuito. A disputa de duas corridas no espaço de sete dias garantiria à estrutura turística local a permanência na região de boa parte daquelas duas mil pessoas por um período de até 10 dias, condição que amenizaria significativamente o impacto financeiro sofrido por hotéis, restaurantes e supermercados.
O mesmo esquema deverá se repetir em Silverstone nos dias 19 e 27 de julho. Stuart Pringle, diretor do autódromo, já anunciou que o GP da Grã-Bretanha também será com portões fechados ao público. A embasar as duas provas em Northamptonshire está o fato que sete das dez equipes têm suas sedes a pouca distância de circuito, ou, no caso da Racing Point, dentro dessa pista construída em torno de um aeródromo da Segunda Guerra Mundial. Como o British Racing Drivers Club — proprietário de Silverstone —, sempre se queixou que o GP local era um enorme desafio financeiro, fica no ar o valor da compensação financeira que a Liberty oferecerá após uma longa e complicada renovação contratual para garantir o GP por mais alguns anos.
Compensação é assunto que também aliviou o caixa da empresa de outra forma: Carey adiantou a algumas equipes valores que serão debitados do que um dia foi chamado de prêmio de largada e que hoje é conhecido como participação nos lucros. Esta manobra certamente terá impacto em outra negociação importante entre a Liberty, FIA e os times com objetivo de estabelecer o famigerado teto de gastos anual para a categoria. Os argumentos da Ferrari e da Red Bull, que sustentam como mínimo o valor de US$ 175 milhões foi ligeiramente enfraquecido ontem por um fato não diretamente ligado à F-1: a Audi anunciou o encerramento do seu programa DTM ao final deste ano sob alegação de que pretende concentrar seu investimento esportivo na Fórmula E e no programa de assistência a clientes.
No primeiro caso está o fato de que, até 2025, a fábrica de Ingolstadt quer obter 40% de sua receita com modelos híbridos e elétricos; no segundo, o fato que o programa de competição gera cada vez mais lucros para as marcas de luxo e alto desempenho. Na semana passada, aliás, a marca lançou no Brasil seu primeiro modelo totalmente elétrico, o suve e-tron. A decisão de deixar o DTM provocou forte reação de Gerhard Berger, que é o administrador geral da categoria. O austríaco ex-piloto de F-1 se mostrou surpreendido com a forma como o assunto foi tratado e as consequências que isso traz em meio à crise gerada pelo Covid-19.
Ainda que o assunto não tenha ligação direta com a F-1, o fato é que após o primeiro episódio de reestruturação de programas esportivos se espera que outros fabricantes tomem decisões semelhantes. Em tempos atuais, o espirro do vizinho tem potencial letal sobre quem está ao lado.
WG