Sobra quem desconfie que a pandemia do covid-19 já seja uma desculpa semiesfarrapada para o cancelamento de contratos, empregos e eventos. Por mais que tal justificativa seja objeto de desejo para os praticantes da teoria da conspiração, esse foi o motivo alegado para o cancelamento do Grande Prêmio do Brasil sob alegação de que o coronavírus ainda está fora de controle no País, algo que não preenche todo o formulário de respostas para essa questão. O que está em jogo neste caso são os direitos comerciais sobre o evento e uma queda de braço entre a Liberty Media e os atuais promotores da corrida, profundamente ligados a Bernie Ecclestone. De quebra, a atual detentora dos direitos comerciais sobre a F-1 explora a guerra de vaidades entre Rio e São Paulo para sediar a competição e realizar lucros maiores. Poucos se atêm às consequências, umas benéficas, outras nem tanto, que isso traz para a cidade e para o esporte.
A corrida é importante para a Liberty Media e para a cidade. Para a primeira, consolida o apelo internacional do Campeonato Mundial, alimenta uma quantidade significativa de entusiastas-consumidores, é um evento tradicional e tem grande potencial de gerar lucro. Para a segunda representa um dos maiores eventos do calendário paulistano. Afinal, movimenta uma cadeia de serviços que inclui alimentação, eventos privados e públicos, hospedagem, transporte e as indefectíveis compras de presentes e raros manufaturados que aqui ainda custam menos do que no Exterior.
Por outro lado, a preparação e as eternas reformas em Interlagos, como mostra a foto de abertura, consomem muito mais do que vultosas verbas públicas — que normalmente produzem resultados muito aquém dos orçamentos permitem esperar —, e boa parte do calendário do autódromo. Trata-se de dois fatores que atuam em detrimento de competições e eventos nacionais e regionais. Há de se frisar que o resultado financeiro do circuito não entra no vermelho caso os gastos e a receita relacionados com o GP sejam desconsiderados no balanço anual dessa instalação municipal.
É delicado discorrer sobre as vantagens de gerar muitos empregos durante um período curto do ano — as duas semanas que precedem a corrida —, e o prejuízo causado a atividades locais mais restritas, mas que se estendem durante o ano. Se muitos empregos temporários são criados naqueles 15 dias, os dois meses (ocasionalmente até mais) que o autódromo é interditado desconstrói a rotina de profissionais, especializados ou não, que tiram seu sustento do automobilismo praticado no Brasil. Não custa lembrar que no Exterior essa interdição raramente atinge 20 dias. Além disso, a mão de obra especializada e o conhecimento adquirido nessas atividades têm em comum o fato de gerar e distribuir riqueza localmente. Há anos a Argentina perdeu seu GP e nem por isso a indústria que alimenta o automobilismo local deixou de crescer: a força dessa atividade no país vizinho é reverenciada mundialmente.
Muito mais do que ser contra ou a favor de termos F-1 no Brasil, o que se deve buscar é o preço justo para um evento legítimo, mas que não prejudique tantos e concentre os lucros nas mãos de pouquíssimos.
WG