No último domingo, o inglês Lewis Hamilton venceu o Grande Prêmio de Eifel, em Nürburgring — no circuito de F-1 de 5,148 km inaugurado em 1984 —, e igualou-se ao alemão Michael Schumacher como o maior vencedor da história da categoria: a partir de então os dois têm 91 vitórias. Na mesma corrida o finlandês Kimi Räikkönen alinhou pela 323ª oportunidade em uma prova oficial e tornou-se o piloto com o maior número de participações na Fórmula 1. Se não faltam aqueles que enaltecem tais conquistas, também sobram aqueles que consideram essas informações como números frios e calculistas. Radicalismo nunca foi uma prática sadia para uma raça gregária e social como a dos humanos; dito isso deixo claro que os feitos do inglês, do alemão e do finlandês são transcendentes, mas insuficientes para zerar uma discussão clássica: quem é o maior de todos os tempos.
O cenário da F-1 a cada década desde a primeira prova em 13 de maio de 1950, em Silverstone, é no máximo semelhante, mas jamais igual e seus extremos comprovam isso: na década de 1950 a média de corridas por ano era de sete provas, incluindo a 500 Milhas de Indianápolis (que fez parte do Mundial até 1960), 16 pilotos participavam regularmente da temporada (descontados os 33 que largavam na prova estadunidense) e 21 pontuavam a cada temporada. Na década 2010, o calendário tinha em média 20 provas, 24 pilotos foram inscritos a cada ano e destes 18 pontuavam. Vale uma curiosidade: apenas em 2018 todos os pilotos (20) que participam do campeonato de 21 etapas marcaram pontos.
Analisar esses números revela dados por demais interessantes, como nos anos 1950, quando o argentino Juan Manuel Fangio venceu 5 dos 10 campeonatos pilotando carros de quatro construtores diferentes (Alfa Romeo, Ferrari, Maserati (2) e Mercedes). Conquista memorável. Mas o que falar de Stirling Moss, o primeiro piloto a ser chamado de campeão sem título, cortesia de quatro vice-campeonatos (1955/56/57/58) e um terceiro lugar (1959). Outros campeões da época foram os italianos Nino Farina (1950) e Alberto Ascari (1952/53), o inglês Mike Hawthorn (1958) e o australiano Jack Brabham (1959).
Na década seguinte nenhum piloto igualou o feito de Fangio: Jack Brabham (1960/66), o inglês Graham Hill (1962/68) e o escocês Jim Clark (1963/65) foram os únicos a conquistar dois títulos nesse período em que a versatilidade foi uma marca transcendente. Clark (1965) e Hill (1966), inclusive, venceram a 500 Milhas de Indianápolis, reduto até então praticamente proibido a estrangeiros. Ao escocês coube superar um recorde de Fangio: ele venceu 25 vezes, uma a mais que o argentino. A diversidade desses tempos ficou ainda mais patente ao se notar os demais campeões: o estadunidense Phil Hill (1961), o inglês John Surtees (1964, único da história a ter sido campeão mundial de motociclismo), o neozelandês Denny Hulme (1967) e o escocês Jackie Stewart (1969). Foram anos em que as temporadas tinham em média 10 provas, 19 pilotos regulares e 20 pontuavam a cada ano. O estadunidense Dan Gurney, que venceu apenas quatro vezes em 86 largadas, era o único rival temido por Clark e se destacou por sua capacidade técnica e criar e desenvolver soluções.
Na década seguinte as temporadas ficaram mais longas 14,4 provas em média, 21 pilotos pontuavam a cada ano e 30 pilotos frequentavam as listas de inscritos. Jackie Stewart 1971/73), Emerson Fittipaldi (1972/74) e o austríaco Niki Lauda (1975/77) foram os destaques com dois títulos em um período que se conheceu sete campeões diferentes. Os demais foram o austríaco Jochen Rindt (1970), o inglês James Hunt (1976), o estadunidense Mario Andretti (1978) e o sul-africano Jody Scheckter (1979). Impossível deixar de lado o sueco Ronnie Peterson (123 GPS, 10 vitórias).
A liberdade do regulamento e o preço acessível para comprar motores Ford Cosworth, câmbios Hewland e kits de freio de diversos fornecedores facilitou uma certa banalização da categoria: a cada ano, em média, 15 equipes eram inscritas para disputar entre 17 e 18 corridas e de cada 38 pilotos cujo nomes apareciam anualmente, cerca da metade (19,5) pontuavam. A farra era tamanha que em 1989 54 nomes diferentes foram pintados nos cockpits dos carros de 20 equipes, recorde histórico. Nélson Piquet (1981/83/86) e o francês Alain Prost (1985/86/89) se destacaram frente a nomes que encerravam suas carreiras e outros que iniciavam, incluindo campeões mundiais como o australiano Alan Jones (1980), o finlandês Keke Rosberg (1982), Niki Lauda (1984) e Ayrton Senna (1988).
Cenário semelhante marcou o decênio seguinte, quando as temporadas viveram dias mais contidos: a média do número de pilotos inscritos a cada ano caiu para 34,7, as largadas baixaram para 34,7 inscritos a cada 16,2 corridas anuais e aqueles que pontuavam diminuíram para 16,2. A disputa entre Senna (campeão em 1990 e 1991), Prost (1993) as impetuosas performances do inglês Nigel Mansell (1992) e o aparecimento do alemão Michael Schumacher (1994/1995) renderam infinitas manchetes, assim como os títulos do inglês Damon Hill (primeiro nome a repetir o feito do pai, Graham, em 1996), e do canadense Jacques Villeneuve (1997). O finlandês Mika Häkkinen é um exemplo de Fênix: após um violento acidente em Adelaide em 1995, ele se recuperou para conquistar o bi em 1998 e 1999.
A primeira década do século 21 marca a expansão do calendário com a inclusão de novos autódromos e um calendário médio de 20 provas. As vagas se ornaram menos rotativas (26 a cada ano) assim como o número de pilotos que pontuaram (19). Michael Schumacher (2000/01/02/03/04) e o espanhol Fernando Alonso (2005/06) se tornaram os grandes nomes frente a outros campeões como o finlandês Kimi Räikkönen (2007) e os ingleses Lewis Hamilton (2008) e Jenson Button (2009). Rubens Barrichello, vice-campeão em 2002 e 2004 e terceiro colocado em 2001 e 2009, merece a citação na década marcada pelo período dominado pelo alemão.
O uso cada vez mais exacerbado de tecnologia fez da década de 2010 um período dos mais monótonos: o alemão Sebastian Vettel foi campeão por quatro anos consecutivos (2010/11/12/13), Lewis Hamilton (2014/15/17/18/19) e o alemão Nico Rosberg (2016) nas demais temporadas. O fato do primeiro ter usado um equipamento Red Bull-Renault e os demais, carros da Mercedes, consolidam a afirmação do início da frase. O domínio da casa alemã e do inglês seguem inabalados, em que pesem os esforços do finlandês Valtteri Bottas e o arrojo do holandês Max Verstappen.
Tenho a felicidade de ter convivido em diferentes graus de proximidade com três campeões mundiais — Emerson Fittipaldi, Nélson Piquet e Ayrton Senna —, e ter entrevistado inúmeros outros, incluindo Juan Manuel Fangio, Alain Prost e Mika Häkkinen. Da mesma forma, as várias temporadas em que acompanhei a F-1 GP a GP mundo afora me possibilitaram conhecer e até conviver com muitos vencedores, participantes e coadjuvantes. Por tudo isso sinto-me seguro para afirmar que é impossível apontar o dedo para qualquer um deles e classifica-lo como o melhor de todos os tempos.
Motivos para isso são os valores sociais e econômicos de cada época, as conquistas tecnológicas de um ou outro construtor e a felicidade de que as vantagens de tais tópicos estarem alinhadas em torno de um ou outro piloto. Não restam dúvidas deque aqueles que conquistaram um único título, têm capacidade e uma estrela maior que os que não chegaram a tanto. Não há por que tentar definir por que não repetiram a dose: Jochen Rindt, é óbvio, é o único campeão póstumo da história; Keke Rosberg venceu apenas uma corrida em 1982 e se consagrou na base da regularidade, enquanto seu filho emulou essa conquista mas foi vice em 2014 e 2015 em uma disputa direta com o mesmo Hamilton que está prestes a se tornar o maior vencedor de GPs da história.
O inglês já largou em 261 corridas desde 2007, o que significa 19 corridas por ano. Em nove temporadas Fangio alinhou em 51 corridas, número que o inglês alcança a cada duas temporadas e meia. São apenas dois exemplos, mas grandes o suficiente para enaltecer a ambos (fotos de abertura), todos os demais pilotos citados acima e lembrar que muitos outros, inclusive alguns que sequer tiveram a chance de pilotar um F-1, poderiam ter feito igual ou melhor. O caminho que cada piloto trilha para chegar à F-1 é único, não importa quantas curvas possam ter disputado em comum com seus rivais, tampouco quantos autódromos possam conhecer tão bem quanto seu companheiro de equipe. Sobreviver e vencer na categoria máxima do automobilismo exige bem mais que pura habilidade ao volante, nas negociações com chefes de equipe ou na sinceridade do sorriso estampado frente às câmeras de TV e plateias de convidados. Há se de viver intensamente o momento e desfrutar a vida com aquilo que ela lhe põe à mesa. Isto sim dá a chance de que todos nós sejamos grandes naquilo que façamos.
WG