Não deixa de ser curioso que apesar de toda a vanguarda tecnológica que envelopa a F-1, valores clássicos persistem e ocupam espaço cada vez maior. Foi assim com a criação de um campeonato de carros históricos focado nos modelos da era dos motores 3- litros como forma de aproveitar e preservar a enorme variedade de modelos produzidos NO período que durou de 1966 a 1988. A ideia deu tão certo que surgiram torneios paralelos, opções que foram rareando e deram origem a um novo mercado. Na manhã de ontem uma nova demonstração do valor desse nicho remeteu à memória de Antoine Lavoisier (1743-1794) ao universo do automobilismo de competição.
Para o francês, pai da química moderna, “na natureza nada se cria, tudo se transforma”, postulado que se aplica à notícia de que o grupo Vanwall decidiu construir uma série de seis réplicas do modelo VW5 (foto de abertura) de 1958 usado por Stirling Moss, Tony Brooks e Stuart Lewis-Evans. Esse modelo deu à marca o título da Copa de Construtores nesse ano.
Uma unidade desse lote será conservada como patrimônio do projeto de construir um museu dedicado à história da marca na F-1. Capítulo especial nessa narrativa é o VW5: seis dos dez GPS da temporada de 1958 (Indianápolis à parte) foram vencidos por esse modelo, provavelmente o último projeto de monoposto de Colin Chapman antes de lançar a equipe Lotus de F-1, em 1958. Fundada em 1948, até então a marca Lotus focava em carros de rua e em categorias menos nobres e mais acessíveis.
Em 1958 o regulamento esportivo do campeonato passou a ter 11 etapas e estipulava que a classificação final levaria em conta apenas os seis melhores resultados, um a mais que em 1957. Por outro lado, as normas técnicas passaram a exigir uso de gasolina comercial, consequência da pressão dos fabricantes do produto para explorar comercialmente os resultados das pistas. Confirmação de que o que acontece hoje não é nada novo, as equipes de F-1 descobriram uma brecha no regulamento e optaram por usar a especificação Avgas 100/130, destinada à aviação, em lugar daquelas oferecidas nas bombas de gasolina disponíveis aos automobilistas.
Esse detalhe foi um problema particularmente maior para a Vanwall e para a BRM, cujos motores usavam álcool, combustível que reduz a temperatura de funcionamento do motor. Por esse motivo nenhuma das duas equipes participou da prova de abertura da temporada, o GP da Argentina. Já ligado à Vanwall desde 1957, Stirling Moss foi liberado para competir no Autódromo de Buenos Aires ao volante do Cooper-Climax de Rob Walker e conquistou, no dia 19 de janeiro, a primeira de suas quatro vitórias do ano. As duas equipes britânicas reapareceram em Mônaco quatro meses depois e ainda sem confiabilidade suficiente para evitar que os três Vanwall e um dos dois BRM inscritos abandonassem por problemas mecânicos.
Pouco a pouco o equipamento inglês ia melhorando e na corrida seguinte, em Zanvoort, Lewis-Evans, Brooks e Moss ocuparam as três primeiras posições no grid, nessa ordem. Moss, o único a terminar o GP dos Países Baixos de 1958, foi o vencedor. Bélgica (Spa) e França (Reims) vieram a seguir e o VW5 ficou em segundo nas mãos de Lewis-Evans e Moss, respectivamente, sendo que problemas de confiabilidade ainda persistiam.
Pole em Silverstone, o eterno vice-campeão só conseguiu cruzar a bandeirada em quarto lugar, atrás de Peter Collins (Ferrari), Mike Hawthorn (Ferrari) e Roy Salvadori (Cooper-Climax). Duas semanas depois, no dia 3 de agosto, o jogo mudou: Brooks e Moss foram recheio de um sanduíche de Ferraris — Hawthorn na pole position e Collins em quarto — que ocupou a primeira fila do grid em Nürburgring. Ninguém percorreu as 15 voltas de 22,81 km mais rápido que Brooks. A partir daí as vitórias foram uma constante nas provas do Portugal (Porto), Itália (Monza) e Marrocos (Ain Diab), respectivamente com Moss, Brooks e novamente Moss. Nesse ano valiam apenas os seis melhores resultados de cada piloto e cada equipe, o que resultou em Moss como vice-campeão, um ponto atrás dos 42 somados por Mike Hawthorn (Ferrari). O título dos construtores refletiu a superioridade da marca, que venceu seis dos 10 GPs de F-1 do ano.
A marca Vanwall foi fundada por Guy Anthony Vandervell, filho de outro industrial ligado ao automóvel e famoso pela confiabilidade dúbia de seus equipamentos. Quem admira e estuda carros antigos conhece bem a história do “Espírito de Lucas”, que provoca falhas semi-incorrigíveis no sistema elétrico da empresa fundada por Charles Vandervell e hoje parte do grupo norte-americano Varity Corporation. Mais conhecido como “Tony” Vandervell, seu filho aventurou-se pelo motociclismo e automobilismo como piloto e fez fama e fortuna com as bronzinas Vanwall. Como dono de equipe desenvolveu cinco exemplares especiais a partir de um Ferrari 125 devidamente rebatizados “Thinwall Specials”. Esse carro foi construído em parceria com Raymond Mays, responsável pela equipe de competição. Do desentendimento entre os dois nasceu a equipe Vanwall. A palavra thinwall lembra o nome da família, mas é uma referência à espessura das bronzinas que ele produzia. No início de sua carreira de construtor a Rolls-Royce e a Norton eram consultoras técnicas de seus projetos.
O grande salto de qualidade da equipe de F-1 que estreou em 1954 veio dois anos mais tarde e reuniu nomes de peso como Colin Chapman, Frank Costin (o “Cos”de Cosworth”) e Harry Weslake, nome igualmente famoso como projetista de motores. Como que a provar a fama de Chapman, o projeto do VW5 mostrou certa fragilidade até ser desenvolvido e se tornar o grande carro de 1958, projeto que garantiu à Vanwall o primeiro título mundial de construtores na história da F-1. Ironicamente, um acidente fatal na última etapa dessa temporada, decretou o fim do time: no GP do Marrocos o terceiro piloto da equipe, Stuart Lewis-Evans, perdeu a vida no incêndio que provocado por um acidente na 42ª. volta dessa prova.
O balanço dessa temporada levou Tony Vanderwell a encerrar as atividades da equipe no final de 1958. Boa parte de sua fortuna foi doada para o Royal College of Surgeons, (Escola Real de Cirurgiões), através de uma complicada engenharia financeira cuja proposta principal era evitar o pagamento de impostos. Um longo processo contra as autoridades financeiras da Inglaterra e Reino Unido seguiu-se até pouco antes de sua morte aos 68 anos, em 10 de março de 1967, dois meses depois de seu casamento com Marian Moore, que então era sua secretaria particular.
Renascimento
Com base nos projetos originais e no exemplar que foi exibido na Coleção de Donnington, Rob e Rick Hall, pai e filho responsáveis pela empresa Hall and Hall, em Bourne, condado de Lincolnshire (Inglaterrra), embarcaram na proposta de Iain Sanderson e decidiram construir uma série de seis modelos VW5. Vale lembrar que durante anos a marca Vanwall foi propriedade do grupo alemão Mahle, ativo adquirido por Sanderson em 2012. Ex-funcionário da BRM, Rob Hall é um nome consagrado no negócio de restauração e conservação de carros de F-1 e outros clássicos não necessariamente de competição.
A maioria dos carros que aparece no filme “Rush”, de Ron Howard, foi construída ou restaurada pela empresa da família. O preço anunciado para cada exemplar é de aproximadamente o equivalente a R$ 11 milhões, mais impostos, valor para retirada na Inglaterra. De acordo com Andrew Garner, atual presidente do Vanwall Group e uma das lideranças da Associação de Carros Históricos de Grandes Prêmios (Historic Grand Prix Cars Association), a proposta de recriar o VW5 leva em consideração avaliar o potencial do nome Vanwall “que pode ser traduzido para um modelo em série na década de 2020”.
“Nesse (62º) aniversário achamos que é o momento certo para comemorar esta grande história britânica da F-1”, disse Garner,
WG
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