Mercédès, poucos sabem, era filha de Emil Jellinek (1853-1918), um judeu alemão nascido em Leipzig (Alemanha), filho de um rabino que se mudou com a família para Viena (Áustria).
Emil tornou-se diplomata, mas também um empresário de muitos negócios. Mudou-se para Nice (Sul da França), assumiu o consulado austríaco, mas estabeleceu lá uma loja que vendia carros franceses (Peugeot) e alemães (Daimler).
A cidade francesa, no final do século 19, era a capital mundial do automobilismo e sediava várias competições na Riviera Francesa, entre provas de velocidade, arrancadas e subida de montanha.
A “Era Moderna” do automóvel
Apaixonado por automóveis, Emil participava de todas as provas, muitas vencidas pelos Daimler que ele e seus clientes pilotavam. No início de 1900, Jellinek encomendou aos engenheiros Gottlieb Daimler e Wilhelm Maybach, projetista da fábrica, um novo modelo a partir de orientações do próprio Jellinek, o 35 HP (foto de abertura).
Os três sepultavam de vez a “horseless carriage” (carruagem sem cavalo) ao inovar com um carro moderno, alterando drasticamente os conceitos da época, com chassi mais longo, motor próximo ao piso, radiador integrado, baixo centro de gravidade e ignição elétrica (por centelha) Bosch (até então, era com tubo incandescente por gás).
Sete unidades do “35 HP” foram entregues a Jellinek no final de 1900 e participaram da “Nice Wee” (Semana de Nice) de 1901, um evento anual de cinco dias dedicado às competições. Exatamente, portanto, há 120 anos, entre 25 a 29 de março, foi marcada a estreia do novo carro, vitorioso em todas elas.
Corridas? Nem pensar!
Entretanto, apesar de fabricado pela Daimler, o evento de Nice estreava também uma outra marca, pois Herr Daimler não queria ver a sua associada a corridas de automóveis, já que no ano anterior foram registrados dois acidentes, um deles fatal. Ele morreu em 1900, mas a empresa manteve sua decisão de não participar de competições para não ver “prejudicada sua imagem”.
Emil Jellinek batizou então, com o nome de sua filha de dois anos, os carros mais velozes já produzidos pela Daimler. A marca se tornou famosa ao ganhar todas as principais corridas na Europa.
A imprensa destacou na época que os automóveis estavam entrando numa nova fase, a “Era Mercedes”. A marca ganhou tamanho prestigio e notoriedade que ninguém encomendava mais os Daimler: todos queriam os Mercedes…
A direção da Daimler teve que engolir em seco e substituir a marca de seus automóveis pelo nome da filha de Jellinek. E, no ano seguinte (1902), estabelecer um acordo com o pai para registrar a marca Mercedes como propriedade da DMG (Daimler Motoren Gesellschaft), ou Companhia de Motores Daimler. Em 1909, a empresa patenteou o logotipo com a estrela de três pontas. Em 1926, uniram-se as empresas de Gottlieb Daimler e Carl Benz (que nunca se conheceram) numa única chamada Daimler-Benz. E os carros, Mercedes-Benz.
A mentira do primeiro carro
Em 1886, quinze anos antes do evento em Nice, Carl Benz patenteava seu triciclo motorizado, o Benz Patent Motorwagen. Que a Daimler AG anuncia enfaticamente como o primeiro automóvel do mundo. Mas não foi.
Dois anos antes, em 1884, o francês Edouard Delamare-Debouteville já tinha construído um automóvel com quatro rodas, motor a combustão, freios, direção e bancos.
Porém, cerca de 14 anos antes (1870), outro judeu alemão, Siegfried Marcus, engenheiro que residia em Viena, construiu uma “coisa” de quatro rodas que se movimentava com um motor a combustão interna. Foi considerado o real inventor do automóvel.
Entretanto, ele cometeu dois “erros”:
- Ser judeu. Então, quando os alemães anexaram a Áustria em 1938, apagaram todo o legado de Marcus naquele país. Para completar, em maio de 1940 o regime nacional-socialista do Terceiro Reich foi solicitado — pela Daimler-Benz — a ordenar duas editoras alemãs a eliminar Marcus de suas enciclopédias como inventor do automóvel e substituí-lo pelos engenheiros alemães Carl Benz e Gottlieb Daimler;
- Assim como o francês Delamare-Debouteville, Marcus também não patenteou seu “automóvel”.
Além de não terem patenteado seus carros, produziram apenas uma unidade de cada e não deixaram portanto uma fábrica para continuar sua obra e registrar seu legado.
Assim, a Daimle-Benz se sentiu à vontade para anunciar que a história do automóvel se inicia com o Benz Patent Motorwagen.
Sem ninguém para protestar…
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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