Maurice “Maus” Gatsonides (14 de fevereiro de 1911 – 29 de novembro de 1998) nasceu nas Índias Orientais Holandesas, atual Indonésia. “Maus” era engenheiro eletricista e trabalhava como engenheiro de voo da companhia aérea holandesa KLM, e entre outras coisas produziu geradores a carvão durante a Segunda Guerra Mundial, desenhou seus carros com formas aerodinâmicas, graças à sua experiência com os aviões, foi piloto de competições e, ironicamente, ajuda até hoje a multar muitos motoristas pelo mundo que andam acima da velocidade permitida. Ele próprio recebeu algumas multas geradas pelo seu Gatso…
Em 1958 ele fundou a Gatsometer BV, na Holanda, fabricante do detector de velocidade Gatso. O sistema de câmera que fotografava motoristas trafegando em excesso de velocidade é usado por várias forças policiais e ainda hoje está em ação. Mas o objetivo do equipamento era outro, “Maus” queria medir a velocidade em que fazia as curvas, para aprimorar sua pilotagem, como veremos mais adiante.
Mas antes de medir a velocidade dos outros, ele pilotou e construiu carros esportivos. Em 1938 produziu um carro, denominado “Kwik”, usando um chassi do primeiro Mercury V-8 importado para a Holanda. As formas esbeltas não ajudavam, porém, o arrefecimento do motor e o projeto não vingou. Depois da Guerra, em 1946, começou a primeira série de carros com o seu nome, inicialmente Gatford, por conta da origem dos componentes mecânicos e, logo depois, Gatso.
A ideia era construir um grã-turismo com chassi Ford, motor Mercury V-8 e cobrir essa mecânica com uma carroceria aerodinâmica e leve, para poder cruzar a Europa facilmente. Sair da Holanda e chegar em Monte Carlo ou na Itália, para disputar a Mille Miglia, ir até a França para a 24 Horas de Le Mans, entre outros eventos, tudo já estava nos seus planos. Segundo ele, “O Gatford é um esportivo rápido, confortável e acima de tudo, durável, projetado para ser dirigido por longo tempo em velocidades médias elevadas”.
Em 1946 surgiu o conversível Gatso 4000 Roadster, de formas aerodinâmicas. Os três faróis foram adotados por Gatsonides — com o terceiro farol sobre o capô — não só para melhorar a visibilidade noturna, mas para criar espaço para o radiador e o motor V-8.
Na versão 4000 Aero Coupé, que foi mostrada no Salão de Genebra de 1948, uma cobertura transparente em estilo aeronáutico protegia os quatro ocupantes do frio europeu sem estragar a aerodinâmica do carro.
A seguir surgiram os 4000 Coupé, 4000 2+2 Coupé, e o Gatso 1500 Sport, de 1949, conhecido como “Platje”. As quantidades produzidas foram mínimas, apenas os 4000 Coupé e 4000 Roadster, ambos de 1948, tiveram duas unidades produzidas. Os demais tiveram um único carro fabricado.
O Gatso 1500 Sport usava a mecânica do Fiat 1500, com o chassi encurtado. O motor de 6 cilindros teve a taxa de compressão aumentada e recebeu dois carburadores Weber de duplo corpo, com potência de 56 cv. Quis o destino que na década de 1970 o carro fosse descoberto e restaurado por Joop Bruggeman, contando com as preciosas informações do próprio “Maus”.
Mas o seu envolvimento com as competições se sobrepunha ao seu lado empresarial. Os ralis da época eram menos corridas com o pé em baixo o tempo todo, como na atualidade, e mais uma combinação de habilidade de pilotagem, preparação mecânica, navegação e logística. Para um engenheiro de voo essas eram características natas. Gatsonides competiu com carros da Ford, Aston Martin, Jaguar, Humber, Sunbeam e Jowett para poupar recursos próprios. Para ele, porque gastar o próprio dinheiro correndo com seus Gatso se podia receber pagamento para pilotar para as grandes fábricas?
O fato de Gatsonides deixar a Holanda por longos períodos para competir poderia ter acabado com a fabricação dos carros da Gatso. Na realidade por duas vezes a empresa foi à falência e na segunda vez ele estava fora, competindo no rali Liège – Roma – Liège de 1950.
Planejar, planejar e depois planejar mais uma vez era lógico para alguém com sua formação e experiência. Esse planejamento era uma das razões da sua vantagem sobre os demais competidores. Também tinha a característica de avaliar com precisão as velocidades de cada trecho. Muitos anos em ralis ensinaram a ele que só a habilidade em pilotar não era suficiente. O planejamento meticuloso das rotas era tão importante quanto a ousadia ao volante.
Maurice Gatsonides teve um dos seus grandes momentos de glória ao vencer o rali de Monte Carlo em 1953, pilotando um Ford Zephyr, em dupla com Peter Worledge. Antes dessa prova, um jornal entrevistou o lendário monegasco Louis Chiron (3 de agosto de 1899 – 22 de junho de 1979), que iria também competir no evento. Ele declarou que Gatsonides poderia ser o vencedor já que conhecia as rotas locais melhor do que todos. “Maus” havia passado um mês passeando com sua família pelas estradas montanhosas da região, inúmeras vezes num mesmo dia, estudando cada pedaço do caminho.
Naquela época os trechos dos ralis eram completados pela média de velocidade que era dada a conhecer na hora da largada. Ter praticado cada estágio em diversas médias de velocidade davam a Gatsonides enorme vantagem. Quanto ao veículo, o planejamento da preparação era tão meticuloso quanto o da pilotagem. Ele experimentava diferentes desenhos de banda de rodagem dos pneus para determinar quais eram melhores.
Os problemas com os freios do Ford Zephyr não estavam resolvidos mesmo com o trabalho da equipe. Nas descidas mais rigorosas do rali, os freios perdiam ação pelo calor do uso intensivo (fading). A solução? O pitoresco sistema de arrefecimento dos freios que ele usava (foto de abertura), quando dois grupos de membros da equipe se postavam nas curvas mais apertadas e jogavam baldes de água gelada nas rodas dianteiras enquanto ele freava na aproximação da curva. Estava inventado o sistema de arrefecimento líquido de freios…
Percorrer um trecho reto a uma velocidade determinada num tempo estipulado era simples, mas e nas partes sinuosas? Em 1958 ele começou a experimentar um sistema de medição de velocidade para ser conectado ao velocímetro dos carros para aferir mais facilmente a média de velocidade em cada estágio dos ralis. Mas ele queria mais, precisava determinar a velocidade de seus carros nas curvas. O gênio inventivo de Gatsonides testou dois tubos de borracha montados à uma pré-determinada distância numa pista, com um equipamento sobre eles que emitia pulsos elétricos, ligados a um cronômetro. O carro passava e estava determinada a velocidade naquela distância e tempo entre os dois suportes.
Como os esforços da polícia em vigiar as velocidades do trânsito já eram grandes naquela época, ele logo ofereceu seu sistema para as autoridades. O método de determinar a velocidade com cronômetros era impreciso e contestável. Então em 1964 a Gatsometer BV adicionou uma câmera fotográfica e em 1971 um RADAR (acrônimo para RAdio Detection And Ranging). Posteriormente “Maus” declarou: “Frequentemente sou apanhado pela minha própria invenção e acho multas no tapete de minha casa. Mas eu adoro velocidade”. Como dizemos, provou do próprio veneno…
AB