Mais uma vez, fico muito feliz de atender o pedido de um leitor. Mais uma vez, demorei mais do que gostaria, mas como dizem aquelas frases de para-choque de caminhão ou vidro de carro velho: venci.
Desta vez, a solicitação foi feita por “Fat Jack”, um dos mais fiéis leitores que tenho desde o início desta coluna. Ele pediu mais informações sobre as provas da categoria Aurora e sobre os grandes pilotos que competiram, pois houve alguns nomes notáveis. Então, vamos lá.
Algum tempo atrás, meu colega Milton Belli escreveu sobre a participação do carro da Copersucar, de Emerson Fittipaldi, na categoria neste AE. Por isso, não vou entrar nos detalhes da participação brasileira na categoria. O Milton já descreveu a história maravilhosamente.
Vamos, primeiro, fuçar a certidão de nascimento desta categoria. O campeonato Aurora AFX foi disputado entre 1978 e 1980. Interrompido em 1981, voltou em 1982, sem o patrocínio da Aurora, mas acabou naquele mesmo ano. Na foto de abertura, Bob Evans, Guy Edwards e Desiré Wilson no pódio de Thruxton em 1978.
E aqui vai minha primeira digressão: a Aurora Plastics Corporation foi fundada em 1950 e produzia moldes para injeção de plásticos, mas depois de apenas um par de anos expandiu sua linha para kits de modelos, visando o mercado de modelismo. Os primeiros itens foram aeronaves na escala 1:48 sem grandes detalhes, mas a um preço mais baixo do que o que o mercado oferecia naquela época. Em pouco tempo, expandiu sua produção para kits de carros na escala 1:32, incluindo vencedores das 500 Milhas de Indianápolis. Mas o grande sucesso comercial veio com os kits de figuras como cavaleiros, soldados com armaduras e animais.
Tempos depois, a Aurora comprou uma licença da Universal Studios e lançou a linha de monstros — sucesso instantâneo de vendas. Ironicamente, foram monstros (embora não estes) que acabaram com a empresa. Em 1969, os fundadores venderam a empresa a investidores externos, que a revenderam à Nabisco em 1971. Naquela época, foi lançada uma série de “cenas monstruosas” que incluía artefatos de tortura e bonecos de mulheres com roupas rasgadas, como se tivessem sido vítimas de violência. Sim, é nesta parte que eu digo: como alguém achou que isso poderia dar certo? Mesmo tantos anos atrás, sem falar em questões politicamente corretas, o potencial de vai dar ruim era gigantesco. E deu. A mídia e diversas entidades repudiaram os produtos e em 1978 a Nabisco vendeu a empresa à Dunbee-Combex-Marx, que fabricava o Scalextric, nosso Autorama, uma pista de corrida de carrinhos com o qual brinquei muitíssimo na minha infância e era meu sonho de consumo. A empresa que acabou falindo em 1981.
No final dos anos 1990, a Playing Mantis criou uma divisão chamada Polar Lights (uma referência direta à Aurora, pois significa aurora boreal em inglês) e relançou alguns dos modelos mais famosos de sua antecessora. Embora o retorno da Aurora tenha sido anunciado várias vezes, isto até agora não aconteceu.
Voltemos, então, às corridas. Durante os anos em que foi disputada a categoria, foi chamada de Campeonato Aurora AFX Fórmula Um, ou, ainda, Campeonato Britânico de Fórmula 1, ou, oficialmente, British Formula One Series. Assim como aconteceu uma década antes com o Campeonato Sul-Africano de Fórmula 1 (disputado entre 1960 e 1975 e que teve pilotos como Sam Tingle, Dave Charlton, John Love e Ian Scheckter, irmão mais velho de Jody Scheckter) as provas eram disputadas com carros de segunda mão, mas com alguns fabricantes de renome como Lotus e McLaren.
Por sua vez, a Aurora sucedeu o campeonato Shellsports G8 International Series, disputada de 1976 a 1977, no qual os carros de Fórmula 5000 poderiam competir com os da Fórmula Atlantic, Fórmula 2 e Fórmula 1, todos juntos na mesma prova, numa espécie de Fórmula Livre.
Apesar do nome de F-1 britânica, as provas da categoria Aurora não eram apenas dentro da Grã-Bretanha e havia algumas em outros países da Europa Ocidental — como no circuito holandês de Zandvoort. Entre pilotos esporádicos e outros mais constantes, havia nomes como David Purley (que venceu seis provas correndo com um Chevron), Divina Galica, Mike Wilds, Alan Jones, Eddie Cheever, Emilio de Villota e Lella Lombardi.
Já em 1978, primeiro ano da Fórmula Aurora, a equipe mais competitiva era a Melchester Racing, que corria com modelos McLaren M23 ou M26, dependendo da disponibilidade de chassis. O primeiro piloto era o britânico Tony Trimmer que, mesmo tendo participado de apenas nove das 12 corridas, obteve cinco vitórias e subiu oito vezes ao pódio naquele ano e se consagrou campeão. O segundo piloto da escuderia era o espanhol Emilio de Villota (pai da também piloto María de Villota, sobre quem escrevi aqui). Já ao final do campeonato, o segundo colocado foi o britânico Bob Evans (que teve uma rápida passagem pela F-1 pela BRM e Lotus) e correu num modelo Surtees TS19 e um Hesketh 308E. Entre outros competidores daquele ano estavam Divina Galica e Désirée Wilson, vinda do campeonato sul-africano e ao volante de um Ensign N175. Outro nome conhecido dos fãs da F-1 que disputou a Aurora é Elio de Angelis, que foi para a Shadow no ano seguinte.
Em 1979, o campeão da Fórmula Aurora foi o britânico Rupert Keegan, que ganhou cinco corridas mesmo participando de somente 12 das 15 provas daquela temporada. O irlandês Dave Kennedy foi vice pela equipe Theodore Racing correndo com dois modelos de carros da Wolff, o WR4 e o WR6. De Villota, pela segunda vez consecutiva, foi terceiro no campeonato, com quatro vitórias.
Entre as curiosidades daquele ano, está a equipe criada pelo piloto de motociclismo Giacomo Agostini, 15 vezes campeão mundial, 8 campeonatos dos quais na categoria mais máxima da modalidade, a da MotoGP. À frente de um par de Williams FW06 conduzidos ora por ele, ora por outro italiano como Carlo Franchi (“Gimax”) ou Lella Lombardi. Ao contrário do motociclismo, sobre quatro rodas a equipe Agostini não teve resultados significativos.
O terceiro ano da categoria, 1980, teve 12 provas e circuitos como Nogaro, Zolder e Zandvoort foram riscados do calendário — mas entrou a pista de Monza. O vencedor daquele ano foi De Villota (os americanos dizem que a terceira vez é a campeã) a bordo de um Williams FW07. O vice-campeão de 1980 corria para a equipe RAM e é um velho conhecido dos autoentusiastas brasileiros, mais lembrado pelas imagens de telecatch: sim, ele, o chileno Eliseo Salazar, que levou uns cascudos de Nélson Piquet quando este ocupava o primeiro lugar da corrida de 1982 da Alemanha e numa barbeiragem tirou o brasileiro, que era líder, da prova.
Outra curiosidade daquele ano foi que a segunda prova daquela temporada, em Brands Hatch foi vencida pela sul-africana Desiré Wilson — como já escrevi neste espaço, a primeira mulher a ganhar uma corrida de Fórmula 1 – ok, não a F-1 que conhecemos hoje, mas ainda assim, o recorde é dela;
Aquele que seria o quarto ano da Fórmula Aurora não existiu. Não houve campeonato em 1981. As escuderias não conseguiram comprar carros de efeito-solo usados nas temporadas 1979 e 1980 na F-1. Em 1982, já sem o patrocínio da Aurora, a categoria voltou a ser disputada, mas com somente cinco corridas e grid também reduzidíssimo — apenas seis a sete carros. O campeão foi o britânico Jim Crawford, da Ensign, seguido de Tony Trimmer e Joe Castellano.
A Fórmula Aurora teve vida curta, mas foi marcada pela simultaneidade de equipes que disputavam mais de uma categoria, como a Theodore Racing, RAM e Ensign. Construtores como BRM e March chegaram a produzir carros especificamente para a série — respectivamente os modelos 781 e P207 (posteriormente, evoluiu para o P230, que não chegou a competir.
Já no caso dos pilotos, alguns tiveram destaque na categoria, mas duraram pouco na F-1. É o caso do campeão de 1978 Tony Trimmer, que tentou, por seis vezes entre 1975 e 1978, se classificar para disputar provas da F-1, mas sem sucesso. Emilio de Villota, campeão da Aurora em 1980, somente conseguiu se classificar para participar de dois GPs de F-1 em 1977 — embora tenha tentado por 15 vezes, entre 1976 e 1982.
Eliseo Salazar, apesar de ter sido o terceiro no campeonato de 1980, teve uma passagem, digamos discreta na F-1 — OK, sem contar o momento “ternurinha” com o Piquet — onde correu por equipes modestas como RAM, March, Ensign e ATS sem maior brilho.
O britânico Guy Edwards, que em 1978 ficou em quarto lugar no campeonato da Formula Aurora correndo com um March, em 1979, foi para a RAM, que comprou um modelo que havia mostrado bons resultados na F-1 em 1978: era o F5A, da equipe Copersucar, dos brasileiros Wilson e Emerson Fittipaldi. Posteriormente, tornou-se especialista em corridas de longa duração e participou de Le Mans, da F-5000 e chegou a correr na F-1, mas sem resultados relevantes.
Houve também vários destaques latino-americanos na Fórmula Aurora. O peruano Jorge Koechlin alinhou ao volante de um Williams FW07 de seu próprio time, o Team Peru. Ele disputou apenas as duas últimas provas, mas conseguiu uma pole position e dois pódios. Nada mau, não? Pena que a recessão que se abateu sobre o Reino Unido em 1982 enterrou de vez a categoria, logo depois da prova de Brands Hatch.
O colombiano Ricardo Londoño participou da última prova da temporada 1980 em Silverstone. Correu com um Lotus 78 da Colin Bennett Racing. O argentino Ricardo Zunino disputou a Fórmula Aurora em 1979 e num final de semana, quando assistia como espectador a corrida do Canadá de F-1 foi tirado de sua folga para substituir ninguém menos do que Niki Lauda na Brabham quando este abandonou abruptamente o time e a F-1. Depois do GP da França de 1980, foi substituído na F-1 pelo mexicano Héctor Rebaque. Na Argentina, venceu por duas vezes o campeonato nacional de Turismo.
O fim da Fórmula 1 Britânica é um pouco espichado por algumas correntes de autoentusiastas que consideram a Thunder Sports uma sucessora “espiritual” da F-1 britânica ou Aurora. É que um dos fundadores da Aurora criou essa categoria, que chegou a ser disputada entre 1983 e 1989 com protótipos — algo parecido a uma Fórmula Livre, da qual participavam carros dos grupos C, C2, 5, S2000 e mais uma sopinha de letras e números. Pessoalmente, acho que a Fórmula Aurora terminou em 1982, mas deixou boas lembranças.
Mudando de assunto: piada ao estilo Nora+ autoentusiasta
NG