Conforme detalha o site da revista Autoweek, “Ferrari, o filme” estreou nos Estados Unidos neste Natal (a Diamond Films anunciou que a estreia da cinebiografia nas salas brasileiras será em 8 de fevereiro). Mas o longa-metragem não pode ser considerado como uma cinebiografia daquele que é considerado o mais importante italiano do século 20. Afinal, resumir em apenas duas horas a trajetória de vida de alguém que esteve envolvido com automóveis e competições automobilísticas por 70 anos é algo impossível.
Por isso, o diretor e o roteirista escolheram um momento tenebroso na vida de Ferrari baseados na biografia, bastante crítica, que o jornalista americano Brock Yates publicou no começo da década de 1990, com o título original “Enzo Ferrari, the man, the cars, the races, the machine”. O enredo se baseia especificamente no período entre os dias anteriores e posteriores à última e trágica edição da prova de estrada Mille Miglia, realizada em 12 de maio de 1957. A corrida é o pano de fundo para o desenrolar da dramática trama.
Como definiu o jornalista americano Mark Vaughn, em resenha publicada na Autoweek, “se o conflito é a essência do drama, Enzo Ferrari teve uma vida dramática”. Vaughn, especialista em competições, disse que gostou do filme dando destaque às cenas de corrida, que considerou das melhores já realizadas por Hollywood, como também fez menção ao enredo que mescla a paixão de Ferrari por carros e competições, em contraponto com sua vida pessoal envolvendo o relacionamento com esposa, amante, filhos e…pilotos.
A escolha da Mille Miglia como base para o roteiro deve ter sido baseada em frase encontrada no livro Yates proferida pelo jornalista belga Jacques Ickx, “uma vida inteira condensada em doze horas”. O pai do futuro piloto de Fórmula 1, Jacky Ickx, foi correspondente e cobriu as principais corridas após a Segunda Guerra Mundial estando presente em 1957 na edição da competição de 1.600 quilômetros que em menos de 12 horas fez o percurso Brescia-Roma-Brescia atravessando estradas, ruas, cidades e lugarejos à máxima velocidade possível.
Ainda, segundo Mark Vaughn, o filme reconstrói a caótica Mille Miglia com certa precisão, algo que deve ter sido bastante complicado, já que milhões de espectadores se aglomeravam em torno das ruas e estradas, sem defensas metálicas de proteção. E o enredo coloca a corrida em um redemoinho de intrigas na vida particular de Ferrari, que também é um tanto comprimida, para Vaughn, e às vezes apresentada em ordem completamente diferente do que realmente aconteceu, mas ainda consegue fazer sentido historicamente.
Mas Vaughn contesta o mote utilizado no enredo de que a Ferrari estava à beira da falência e que Enzo foi aconselhado de que precisava tentar vencer a Mille Miglia para vender mais carros. E ele tem razão. Afinal, a Ferrari já havia vencido as edições de 1948, 1949, 1950, 1953 e 1956 e, com relação à possibilidade de falência, Ferrari nunca escondeu que até o acordo de sociedade com a Fiat, em 1969, sempre precisou gerir seu negócio com muitas limitações financeiras, mas sem risco de insolvência.
O jornalista também critica subtramas desnecessários, como as manobras da Ford e Fiat pelo controle da Ferrari, o que só aconteceria alguns anos mais tarde, no final da década de 1960, e que ele define como sem nenhuma razão aparente, a não ser aumentar o drama, que já era grande. Isso porque, na ocasião, Ferrari e a esposa Laura ainda lamentavam a recente e dolorosa morte do filho Alfredo “Dino” com apenas 26 anos de idade por distrofia muscular e a relação do casal era conflituosa.
Além disso, poucas semanas antes da Mille Miglia, Eugenio Castellotti faleceu num acidente na pista de Modena. O piloto, que havia vencido a edição anterior da Mille Miglia para Ferrari, estava convocado para defender novamente a Scuderia. Para completar, outro piloto italiano da equipe, Luigi Musso, ficou doente e Ferrari teve que rearranjar a situação colocando o veterano Piero Taruffi no carro que seria de Castellotti e chamando o espanhol Alfonso de Portago para pilotar o carro de Musso.
E foi o acidente fatal ocorrido na competição, que vitimou de Portago, (é o carro da foto de abertura) seu copiloto e navegador, o americano Ed Nelson, e mais dez espectadores, inclusive cinco crianças, que fez o mundo cair sobre a cabeça de Ferrari. Segundo Mark Vaughn, a filmagem do acidente, com todos os detalhes horríveis da época e, segundo ele, talvez desnecessário, impressionou a todos os profissionais de filmagem e cinéfilos que assistiram a première organizada pelo Director’s Guild, em Hollywood.
Vaughn também destacou a preocupação dos produtores em recriar os carros de época com muita precisão. Para isso, estas recriações foram meticulosamente produzidas usando como base chassis atuais da marca de esportivos inglesa Caterham, que foram enviados para o Carrozziere Campagna, na Itália, para terem as carrocerias moldadas à mão, no tradicional sistema battilamiera, bate-chapa. Foram construídos três Ferraris 335 S, dois Ferraris 335 S, dois Maserati 450S, além de dois Ferrari 801 de Fórmula 1.
Assista ao trailer do filme:
RM