Nos anos 1960, motocicletas com motores de quatro cilindros não eram novidade: em 1912, os ingleses da Henderson produziam uma motocicleta com motor de quatro cilindros em linha instalado longitudinalmente. Mas essa moto e os outros modelos contemporâneos que tinham essa configuração não eram fáceis de serem pilotadas, pois o comprimento do motor tornava a moto muito longa. E isso foi até os anos 60, quando, em 1967, a Kawasaki iniciou o projeto N600, uma motocicleta com motor de quatro cilindros em linha, quatro-tempos, com cilindrada de 750 cm³ e duplo comando de válvulas no cabeçote. O diferenciador era a posição do motor, montado transversalmente no quadro, tornando a motocicleta especialmente compacta. O nome do projeto era “New York Steak”, uma referência ao principal mercado que a Kawasaki pretendia com sua nova motocicleta, o americano.
A motocicleta estava praticamente pronta para ser finalizada e lançada, quando uma “bomba” caiu sobre a equipe responsável pelo projeto: sem que eles desconfiassem do que estava acontecendo, a Honda apresentou a sua motocicleta, no Salão de Tóquio de 1968. Era a Honda CB 750 Four, que foi considerada, posteriormente, o “divisor de águas” da indústria motociclística. Trinta anos depois, foi eleita “a motocicleta do século”.
Mereceu? Sim, mas por ter sido lançada antes, uma vez que a moto da Kawasaki seria mais avançada, tecnologicamente. Não só a Honda CB 750 Four conquistou o mundo como também obrigou a Kawasaki a parar seu projeto e voltar atrás nas especificações. Apesar de ser mais potente, devido ao motor DOHC, sigla em inglês de duplo comando de válvulas no cabeçote (a Honda 750 tinha motor SOHC, comando único no cabeçote), a Kawasaki não poderia enfrentar a novidade com tão pouca vantagem.
Voltando às pranchetas, o objetivo agora era fazer uma motocicleta muito melhor do que a Honda, com motor maior, mais potente e mais avançado. Para tanto, a equipe de projetistas da Kawasaki tinha um prazo de apenas 24 meses para entregar o projeto, que então passou a chamar T103. Os testes dos protótipos foram feitos nas rodovias americanas, com as motos disfarçadas de Honda CB 750 Four.
O esforço foi recompensado e a Kawasaki Z1 foi oficialmente lançada no Salão de Colônia, na Alemanha, em setembro de 1972. Na Europa, a nova motocicleta ganhou o nome de Kawasaki 900 Super 4.
De uma forma um pouco diferente do que aconteceu com a sua grande rival, a Kawasaki Z1 atingiu fama e popularidade incríveis vencendo a prova de 250 milhas de Vaca Valley, na Califórnia, apenas uma semana após seu lançamento. Para enfrentar as motocicletas já consagradas em corridas, a Z1 foi para a pista com apenas um freio dianteiro duplo e radiador de óleo adicionais, itens que não equipavam a motocicleta que estava sendo vendida, mas faziam parte da lista de opcionais para o mercado americano.
A revista semanal americana Motorcycle News elegeu a Kawasaki Z1 como a Máquina do Ano, em 1973, desbancando a Honda CB 750 Four de seu confortável trono de “rainha das motocicletas”. Título merecido, mas pouco usual, já que a “Sete-Galo” é atualmente uma das motos mais famosas do mundo, enquanto que poucos conhecem a verdadeira história da Kawasaki 900.
No meu caso, as duas vieram para a minha vida no momento certo. A Honda CB 750 Four era o maior desejo do meu pai, desde que foi lançada, em 1968, e ele acabou comprando uma K2, zero-km. É claro que eu também dava minhas “roubadas” nessa moto.
Nessa mesma época, ele revendia motocicletas da Kawasaki em uma lojinha montada em seu posto de gasolina, na rua Heitor Penteado, em São Paulo. Antes da Z1, tínhamos lá as icônicas Kawasaki H1 e H2, com motores dois-tempos de três cilindros (todas “endiabradas”, a 350, a 500 e a 750), e a enorme W1 650, cópia descarada das bicilíndricas inglesas dos anos 60.
Já a Kawa Z1, eu passei a respeitar pela fama, pois, no colégio que eu estudava, o Instituto Mackenzie, ela era a motocicleta da vez. Só não vendeu mais que a grande rival porque custava muito mais. Na escola, eu ouvia as garotas elogiando, nas rodinhas da turma, o tal rapaz que tinha uma “Kawasaki 900”.
Na pista, as poucas Kawasaki 900 que se aventuravam sempre faziam bonito. Já a Honda CB 750 Four era pesadona e desengonçada, “tomando pau” no miolo de Interlagos de sua irmã menor, a Honda CB 500 Four, menos potente porém muito mais “guiável”.
A Kawasaki Z1 permaneceu sem alterações significativas até 1975, quando veio a versão Z1-B, com pequenas alterações, passando a ter o nome de Z900 em 1976 (em alguns mercados, KZ900). Em 1977, ela foi substituída pela Z1000 (ou KZ1000), que tinha a mesma aparência, mas trocava os quatro escapamentos por um quatro-em-um.
A Kawasaki Z1000 foi produzida até o início dos anos 2000, mas sem o apelo que os anos 70 proporcionava e também sem a modernidade das motocicletas do terceiro milênio. Foi quando a Kawasaki “ressuscitou” a família Z, como ela mesma se referiu à nova Z1000 de 2003, chamando a motocicleta de Super Naked. Daí em diante veio a evolução da linha como a conhecemos, até a Z1000 atual, incluindo a edição retrô Z900RS, uma naked supermoderna mas com o visual da primeira Kawasaki Z1.
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A Kawasaki Z1 original, que em 2022 completou 50 anos desde sua criação, é atualmente uma das motocicletas mais procuradas por colecionadores e restauradores de motocicletas japonesas dos anos 70.
Linha do Tempo da Kawasaki Z
1972 – Kawasaki Z1
Com tecnologia avançada, a Kawasaki Z1 redefiniu o mundo das motocicletas de alto desempenho. Durante seu desenvolvimento, seu nome-código era New York Steak. A letra Z foi escolhida porque era a última letra do alfabeto e representava o extremo, enquanto que o número 1 significava a primeira do mundo. A Kawasaki Z1 foi a primeira motocicleta esportiva de grande produção a ter motor de quatro cilindros em linha DOHC, tecnologia apenas encontrada em motocicletas oficiais de competição ou esportivas de produção limitada. Com cilindrada de 903 cm³, a Z1 não era apenas a mais veloz motocicleta de produção de sua época, sua confiança e durabilidade eram igualmente impressionantes. Quatro escapamentos acentuavam o visual esguio, sexy e suave da Z1. A Kawasaki Z1 se tornou um sucesso de vendas nos Estados Unidos e na Europa, com igual sucesso nas pistas de corrida. Isso iniciou a lenda “Z”, que continua até os dias atuais.
1978 – Kawasaki Z1300
As motocicletas da Série Z estabeleceram a popularidade do motor de quatro cilindros em linha arrefecidos a ar. No entanto, a série continuou a evoluir. A Kawasaki Z1300 foi equipada com um revolucionário motor de seis cilindros em linha arrefecido a água com cilindrada de 1.268 cm³, o maior de seu tempo. Para suportar a enorme potência desse motor, foi desenvolvido um robusto virabrequim. Esta icônica motocicleta tinha componentes estruturais, como o chassi e suspensões, da mais alta qualidade e desempenho. Apesar de seus 300 kg de peso, ela era tão ágil que vários jornalistas foram vistos fazendo wheeling (empinar a moto nas arrancadas) durante a sessão de pilotagem no evento de lançamento para a imprensa especializada. Uma motocicleta de turismo esportivo projetada para diversão, a Kawasaki Z1300 tinha tanta potência que não podia ser comercializada na Alemanha, devido às restrições de potência para motocicletas daquele país. A lenda Z estava agora fortemente estabelecida.
1977 – Kawasaki Z1-R
Durante os anos 70, as café racers com visual inspirado em modelos de competição estavam em alta. A Kawasaki Z1-R, sucessora da poderosa Z1, foi uma versão especial café racer da Z1000. A Z1-R foi projetada nos Estados Unidos, o principal mercado da Série Z. Conhecida em alguns países também como Z1000 ou KZ1000, ela teve como cor de lançamento um deslumbrante prata “libré”, em um estilo nunca antes visto em uma moto esportiva de grande cilindrada. O tanque de combustível de linhas retas acentuou o grande motor preto e a carenagem frontal anunciava o elevado desempenho do modelo R. A Kawasaki Z1-R foi também a primeira motocicleta esportiva a ter rodas de liga de alumínio. No lugar dos quatro escapamentos da Z1, a Z1-R tinha um quatro-em-um. A Kawasaki ZR-1 influenciou fortemente o futuro das motocicletas da Série Z.
1981 – Kawasaki Z1100GP
Baseada na tecnologia de superbike de competição da marca, a segunda geração da Série Z começou com a Z1100GP, em 1981. Em alguns mercados, ela levava o nome de GPz-1100. A Kawasaki Z1100GP, baseada na Z1000, tinha motor de 1.089,9 cm³ de cilindrada e oferecia conforto bastante superior. Seu farol retangular com o motor e os escapamentos pintados de preto davam uma aparência bastante esportiva à motocicleta. Ela tinha também um painel de instrumentos retangular. A Kawasaki Z1100 foi uma das primeiras motocicletas a ter injeção de combustível (K.E.F.I. – Kawasaki Electronic Fuel Injection) – tecnologia disponível na época apenas nas motocicletas de produção da Kawasaki. Comparada com os carburadores, esse sistema permitia gerenciamento mais preciso do motor, ajustando a entrega de combustível de acordo com as mudanças atmosféricas de pressão e temperatura. O resultado era mais potência e economia de combustível. Em 1982 surgiu sua sucessora, a Kawasaki Z1100GP B2 (com isso a versão anterior passou a ser chamada de B1), com muitas melhorias, tanto estéticas quanto mecânicas.
1982 – Kawasaki Z1000R
Na América do Norte, o principal mercado para motocicletas esportivas de grande cilindrada, provas de superbike usando motocicletas de produção modificadas eram mais populares do que o MotoGP e atraiu alguns dos melhores pilotos do mundo. Em 1981, Eddie Lawson venceu o campeonato pela Kawasaki com uma Z1000S de fábrica. A Z1000R foi construída para comemorar a vitória e a “Eddie Lawson réplica” foi pintada na mesma cor verde limão da moto de corrida. Como a Kawasaki Z1000S, a Z1000R tinha escapamento Kerker 4-em-1, assento escalonado e amortecedores traseiros equipados com reservatório auxiliar.
2003 – Kawasaki Z1000
A Kawasaki Z1000 de 2003 representou um retorno às raízes da família Z. Em vez de priorizar desempenho e o máximo de potência, a Z1000 voltou às virtudes tradicionais das Z-bikes, como a diversão acima da esportividade. O motor de 953 cm³ da Z1000 passou a ser arrefecido a água, derivado da esportiva Ninja ZX-9R porém calibrado para mais potência em médios e baixos regimes de rotação. As quatro ponteiras de escapamento eram reminiscências da Z1 original e o modelo passou a ser chamado de SuperNaked.
GM
Nota do editor: Matéria baseada na do autor para a revista Cultura do Automóvel, de sua propriedade, edição nº 31, janeiro de 2022.