De herói cantado em prosa e verso, o automóvel se torna vilão novamente. Execrado e incluído na “lista do pecado” por nossos parlamentares às voltas com a intrincada questão dos impostos.
A Reforma Tributária está aprovada e tramitando agora no Congresso sua regulamentação. Que cria o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), um imposto único que substitui os atuais IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS aplicados sobre bens e serviços. E que deverá se situar próximo de 28%, o maior do mundo. Não bastasse, para que alguns produtos (como a cesta básica) sejam beneficiados com a redução deste percentual, outros serão “punidos” com uma sobretaxa chamada de Imposto Seletivo, automóvel entre eles. Até os elétricos entram para a “Lista do Pecado”, restrita inicialmente aos produtos que prejudicam o meio ambiente e a saúde humana: bens minerais extraídos, álcool, tabaco e refrigerante. Depois, o leão mudou de ideia e voltou-se também contra o automóvel, embarcações, aeronaves e apostas. Caminhões estariam isentos, sob o argumento de que o imposto adicional pesaria diretamente no bolso do consumidor.
Mas carro elétrico também é “pecador”? Sim, os parlamentares argumentam que o veículo não polui, mas o problema está nas baterias, pois sua produção gera emissões e seu descarte já resulta em cemitérios de carros elétricos. Neste caso, valeria a teoria “do berço ao túmulo”, ou seja, todo o prejuízo ambiental provocado desde a produção dos componentes até o sucateamento do veículo e da própria bateria.
O senador Eduardo Braga — como relator da regulamentação da reforma tributária — decidiu criar uma “escadinha” para amenizar a sobretaxação dos automóveis eletrificados. Sua ideia inicial seria retirar os elétricos da sobretaxa diante do argumento de não poluir a atmosfera. Mas decidiu pela taxação gradual de acordo com os níveis de emissões de gases poluentes. Ponderou que os elétricos poluem menos que os híbridos e estes menos que os carros a combustão. Questão que gera controvérsias, pois não é tão simples quanto parece, tantos são os fatores que interferem nas contas das emissões que prejudicam o meio ambiente.
A qual elétrico se refere o senador: o que se recarrega por fontes limpas de energia, como a brasileira, ou na tomada que recebe eletricidade de geradores diesel, a gás natural ou a carvão, como na Europa? E, para complicar ainda mais, tem o elétrico sem bateria, movido a “pilha a combustível” (fuel cell) que gera sua própria energia a partir do hidrogênio. Não é só teoria: já existem milhares destes automóveis circulando com este sistema em outros países. Eles seriam também enquadrados como pecadores?
E qual híbrido? o “leve” (MHEV), o puro (HEV), o plug-in (PHEV) ou o de gerador (GHEV- elétrico acionado por um motor a combustão)? E a qual motor a combustão ele se refere: o que queima gasolina ou diesel (combustível fóssil) ou o que funciona exclusivamente com álcool? A complexidade não termina por aí: as emissões são calculadas do “berço ao túmulo” ou da fonte à roda (“well to wheel”)?
Os parlamentares nem imaginam que, se o hibrido flex é abastecido com álcool, ele polui menos que o elétrico. E, por outro lado, a bateria pode não poluir quando o carro é sucateado, pois ela pode ter outras aplicações e até ser reciclada.
O objetivo do “Imposto do Pecado” é basicamente desestimular os produtos considerados nocivos. Mas, ao incluir o automóvel, ele é distorcido e assume mero papel arrecadador. E a tentativa de remediar a situação com a tal “escadinha” tributária vai acentuar ainda mais as distorções provocadas por esta legislação. Que deverá ser votada até novembro e entra em vigor por etapas, em 2025, 2027, 2029 e integralmente em 2033.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” ´é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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