A Anfavea (Associação Nacional do Fabricantes de Veículos Automotores) divulgou no final de setembro uma pesquisa intitulada “Avançando nos Caminhos da Descarbonização Automotiva no Brasil” que encomendou ao Boston Consulting Group (BCG) e que levou a diversos setores do governo, inclusive ao vice-presidente Geraldo Alckmin. Ela foi compilada a partir de centenas de entrevistas com fornecedores, consumidores, produtores de biocombustíveis e outros do setor.
Através deste estudo, a entidade pretende contribuir para o desenvolvimento de um ecossistema coerente com os compromissos de descarbonização assumidos pelos países nas Conferências da ONU sobre as Mudanças Climáticas (COP) e que terá lugar, em 2025, em Belém, PA.
Segundo o estudo, as emissões do setor automobilístico atingem 242 milhões de toneladas de CO2 (gás carbônico) por ano, mas que poderiam atingir 256 milhões em 2040, caso não se implantem novas tecnologias e biocombustíveis. O que exige uma combinação de esforços que envolve os setores de geração de energia, infraestrutura de recarga, fabricantes de veículos leves e pesados e biocombustíveis.
O que a pesquisa revela é que, adotadas novas tecnologias de propulsão que envolvem híbridos e elétricos, além de biocombustíveis, nos próximos 15 anos as emissões totais de CO2 poderiam ser reduzidas em 280 milhões de toneladas. E cerca de 50% adicionais caso se adotem: renovação da frota, inspeção veicular e aumento do poder calorífico dos combustíveis (álcool e diesel).
O estudo da Anfavea/BCG foi realizado de forma criteriosa, a partir de pesquisas muito abrangentes e revela um grande potencial do setor automobilístico brasileiro de reduzir significativamente o nível de emissões de CO2 caso sejam realmente aplicadas as novas tecnologias de propulsão disponíveis hoje no mercado. Mas sinaliza que a venda de veículos híbridos e elétricos pode ser maior que a de veículos a combustão até 2030. E até 90% deles em 2040. E a importância de se elevar o teor dos combustíveis. É aí que “a porca torce o rabo”.
Distorções técnicas
Da previsão de descarbonização escapam alguns detalhes técnicos e os números podem não refletir um quadro preciso do futuro do nosso mercado. Quais?
• A afirmação de que, até 2030, a venda de carros híbridos ou elétricos poderá superar a de veículos com motores a combustão é apenas parcialmente correta. Na verdade, os veículos elétricos e híbridos plug-in contribuem significativamente para a redução de emissão de CO2. Mas o ”Full-Hybrid” ou híbrido pleno (não plug-in) reduz o consumo de combustível em percentuais apenas razoáveis, contribuindo discretamente para a descarbonização. Maior distorção ainda está no “híbrido leve” (semi-híbrido): a rigor, funciona somente com o motor a combustão pois o elétrico (de baixa potência) entra apenas como participante de forma discreta. Também chamado de micro-híbrido pela Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), é mais uma resposta das fábricas às exigências de descarbonização que solução do problema. E deveria ser classificado pelo BCG como automóvel de motor a combustão. Já o PHEV (hibrido plug-in), ao contrário, pode rodar grandes quilometragens (às vezes dias ou semanas) apenas com a energia das baterias.
• Outra questão não levada em conta no estudo da Anfavea são os problemas causados pelo aumento da participação do biocombustível na gasolina e no diesel. O Projeto de Lei “Combustíveis do Futuro”, já praticamente aprovado pelo Congresso, sugere o aumento dos percentuais de álcool na gasolina e biodiesel no diesel. Mas nenhuma legislação é capaz de resolver a dificuldade técnica e os problemas que poderão prejudicar o funcionamento dos motores.
No caso do álcool, ao contrário dos flex, carros a gasolina não foram projetados para funcionar com 35% de álcool na mistura. São aqueles produzidos antes de 2003 (início da tecnologia flex) ou os importados de qualquer época.
No caso dos motores a diesel, a elevação do teor de biodiesel dos atuais 14% (B14) para 20% em 2030 (B20), pode provocar entupimento e travamento de motores de ônibus, caminhões, jipes e máquinas agrícolas. Segundo os frotistas, quase uma catástrofe. Pois o biodiesel absorve umidade provocando borra no fundo do tanque. Existem soluções para o problema, mas de custo elevado. O HVO (Hydrotreated Vegetal Oil) ou “Diesel Verde”, por exemplo, tem exatamente a mesma molécula do diesel, mas custa cerca do dobro.
No frigir dos ovos, o estudo desenvolvido pela Anfavea é pertinente, adequado e oportuno. Mas algumas questões de ordem técnica precisam ser solucionadas, pois há que se ter maior rigor na classificação dos automóveis elétricos e híbridos e no aumento da utilização do biocombustível. No caso do biodiesel, a própria Anfavea se manifestou oficialmente contra o aumento de seu teor no diesel. Em 2021, ela publicou um manifesto em conjunto com outras entidades do setor afirmando que a elevação do teor de biodiesel deveria ser precedida de uma “análise ampla e criteriosa, que garanta a viabilidade técnica e a segurança para seus produtores e usuários”.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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