Quando o álcool combustível surgiu nas nossas vidas de automobilistas em 1977, creio não ter havido ninguém que não ficasse curioso a respeito do “novo” combustível para nossos carros. Principalmente por estarmos num cenário atípico, o mundo mergulhado numa crise de petróleo sem precedentes não por falta, mas pelo brutal aumento do preço do barril (159 litros) que em três meses passou de 2 para 12 dólares, 500%! Que refletiu no mundo todo. Era outubro de 1973.
Para o Brasil foi um desastre financeiro. Só tínhamos 20% do petróleo para atender nossas necessidades e com o aumento do preço nossas divisas se esvairiam. Como não se descobrem e se furam poços de petróleo da noite para o dia, o governo Ernesto Geisel criou quase dois anos depois uma maneira equivocada de enfrentar o problema, o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), destinado a dar estímulos financeiros e fiscais para incrementar o plantio da cana-de-açúcar e a indústria do álcool.
Por que equivocado? Nosso perfil de consumo de derivados do petróleo era predominantemente de pesados, como o diesel e o óleo combustível. Como as refinarias de então não podiam produzir apenas um derivado, do refino saíam todos os derivados. Como o combustível-mãe aqui era o diesel, a gasolina acabava sendo excedente. Isso quer dizer simplesmente que estava planejada a substituição de um combustível que… sobrava.
Era preciso continuar a importar petróleo, ou o Brasil pararia por falta de diesel, e a gasolina, a sobrar. O que tinha que ser feito, e acabou sendo feito mas em ritmo aquém da necessário, era investir pesadamente na exploração de petróleo. não no álcool. Mas, como se diz, ficou por isso mesmo e o álcool acabou vingando, mas não sem uma “ajudazinha” do governo ao determinar que fosse misturado com a gasolina inicialmente a 12%, depois indecentes 22%, não demorando a passar logo para 25%, seguindo-se 27% e, ao que tudo indica, imorais 35% para já.
Hoje o maior e mais importante país do bloco Mercosul tem uma gasolina diferente dos outros três países-membros — Argentina, Paraguai e Uruguai — algo inconcebível.
Depois desse preâmbulo, que acho importante, voltemos para onde começamos.
No segundo semestre de 1978 eu já era um “neopaulistano” e trabalhava na diretoria comercial da Fiat, em São Bernardo do Campo. Meu carro de serviço era, naturalmente, um 147 L. O álcool estava chegando aos postos, mas com venda controlada. Nenhum carro a álcool havia sido lançado ainda, mas havia uma sistemática oficial do Conselho Nacional do Petróleo (CNP) de conversão de motores por retíficas e oficinas homologadas pelo órgão e que, portanto, podiam ser abastecidos com álcool. Para isso havia até um selo para ser colocado num dos vidros próximo do bocal de abastecimento:
Curioso, deixei o tanque quase esgotar e num posto conhecido perto de casa consegui que colocassem 20 litros no 147 L. Como as misturas ar-combustível na época eram muito ricas, o motor até que funcionou razoavelmente bem. Fiquei surpreso mesmo foi com o que saía de vapor d´água pelo escapamento enquanto o motor não atingisse a temperatura normal de operação e com odor do que saía pelo escapamento. Também, era nítido o ganho de potência graças à vaporização do álcool no carburador que ocasiona queda de temperatura, aumentando a densidade do ar admitido e por conseguinte e eficiência volumétrica.
A primeira experiência, de fato, com carro a álcool foi com um 147 frente Europa, branco Alpi (igual ao da foto de abertura) que, como funcionário, comprei no final de 1981 e que, como se sabe, era 1300. Andava muito bem, potência SAE bruta 62 cv — o Brasil ainda não havia entrado na era da potência real, líquida — estimo que fosse algo como 53~54 cv “de verdade”. Nunca tive dificuldade de partida a frio mesmo quando começou a esfriar em maio/junho de 1982. Com ele e todos os carros a álcool de que falo adiante, era acionar o afogador, injetar gasolina, o motor pegar de pronto e iniciar a marcha com ele puxado e ir fechando-o gradualmente á medida que o motor fosse esquentando. Nada mais simples.
Foi com ele que viajei a Gramado em lua-de-mel do segundo casamento, viagem perfeita salvo pelo alcance reduzido, para o quê o tanque de 38 litros contribuía (assim que saiu o tanque de 53 litros, troquei). Minha mulher Patrícia ficava admirada com o pouco que se gastava para encher o tanque a cada reabastecimento. Salvo engano, o álcool estava a 50 centavos o litro e a gasolina, perto de 1 real.
Tive outra experiência com 147 a álcool que meu irmão Rony usava por ser representante Peças da Fiat para Rio de Janeiro e Espírito Santo. O difusor do carburador era Ø 21 mm. Colocamos um de Ø 24 mm do 1300 a gasolina com o giclê principal deste. O que o carro passou a andar nos impressionou. A restrição de fábrica pelo difusor certamente foi para conter consumo.
Outra experiência com álcool foi quando ingressei na Volkswagen em março de 1984 e recebi um Voyage 4-portas 1,6. Funcionamento perfeito igual, partidas a frio idem. O tanque de 55 litros não me permitia Rio-São Paulo sem reabastecer, o que eu resolvia enchendo o tanque na Fábrica Taubaté na ida e na volta. Foi esse Voyage que, por minha ordem, teve trocado o câmbio de quatro marchas pelo 3+E, que era ótimo.
Eu voltaria ter um carro a álcool em 1992, quando na revista Autoesporte, um Kadett Sl/E que comprei direto da GM, era carro de primeiro empréstimo, portanto nos chegou praticamente 0-km. Excelente também, mas tinha o “mal do alcance curto” com seu tanque de 47 litros. Câmbio era 4+E, como me apraz. Ele tinha um luz de troca de marcha notável, ela “aprendia” o uso de rotação. Era uma troca em baixa rotação e na próxima a luz acendia naquela rotação. Mesma coisa ao ir ao corte. era quando ele passava a acender que o motorista queria potência e assim funcionava enquanto se dirigisse dessa forma.
Resumindo, nada tenho contra o álcool como combustível senão o menor alcance.
BS
A coluna “O editor-chefe fala” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.