Nélson Fernandes foi um empreendedor brasileiro que desde jovem realizou muito. Em 1959, então com 28 anos, fundou na zona norte da cidade de São Paulo o Acre Clube, um clube de campo familiar com piscinas e áreas de lazer, Do qual cheguei a ser sócio. O jovem empreendedor ainda fundou um hospital, o Presidente, e, depois, um cemitério vertical em Curitiba, novidade para a época.

Na realidade, Fernandes, antes do cemitério, sonhava mesmo em produzir um carro 100% nacional, para concorrer com as marcas estrangeiras que estavam instaladas no Brasil. O modelo seria de alto luxo, para concorrer de igual para igual com Simca Chambord, Aero-Willys e FNM 2000 JK, que dominavam nosso mercado neste segmento. Para isso, em outubro de 1963, quando tinha cerca de 32 anos, ele fundou a IBAP (Indústria Brasileira de Automóveis Presidente), e esse era o primeiro passo para a realização do sonho de uma fabricante brasileira. Também estavam nos seus planos um carro popular com motor pequeno (até 500 cm³) e um utilitário.

Claro, para a execução desses sonhos, era preciso muito dinheiro. Criar uma fabricante de automóveis do zero não era uma operação barata, e muito menos fácil. O recurso utilizado pelo empreendedor foi a de produzir os primeiros protótipos e começar a venda de títulos de participação na empresa, mostrando ao consumidor como seria esse novo carro brasileiro. Assim era mais fácil convencer investidores a apostar no negócio. Um forte chamariz, já que eram realizados carreatas e desfiles com os tais protótipos por todo o país.

O IBAP Democrata, que seria comercializado nas versões cupê de duas portas e sedã com quatro portas, era totalmente baseado no revolucionário Chevrolet Corvair americano, lançado nos EUA em 1960. Ao contrário da esmagadora maioria dos carros das terras do Tio Sam, o Corvair tinha motor boxer traseiro arrefecido a ar de 2,3 litros/81 cv , em vez dos enormes V-8 na dianteira Por isso, na época, esse Chevrolet foi uma verdadeira revolução por lá.

De olho nesse produto, Fernandes o tomou por base, inclusive no design (as semelhanças entre os dois carros são bem grandes). Trouxe uma unidade dos EUA, desmontou-a e essa foi a base utilizada no Democrata. Suspensões independentes nas quatro rodas, com triângulos superpostos na dianteira e semieixos oscilantes na traseira, ambas com molas helicoidais. Uma construção relativamente fácil e que já mostrava modernismos como, por exemplo, a caixa de direção posicionada atrás do eixo dianteiro por segurança: em colisões dianteiras, o volante não se deslocaria em direção ao motorista.

Mas Fernandes pensava ainda mais longe e em vez do motor Chevrolet, optou por um V-6 Alfa Romeo de 2.5 litros acoplado ao transeixo com câmbio manual de quatro marchas. Só para que se tenha uma ideia, esse motor, que vinha importado da Itália, gerava 120 cv líquidos. No Democrata, que era bem leve por ser feito em compósito de fibra de vidro (1.150 kg), permitia aceleração de 0 a 100 km/h na casa dos 10 segundos, número estupendo para a época. Nos anos 60 os concorrentes podiam demorar o dobro.

Como prometido por Nelson, assim como tais dados, o Democrata seria o carro nacional mais rápido, sendo que ele nem tinha pretensões esportivas. Como referência, o FNM 2000 JK com motor 2-litros de quatro cilindros tinha 95 cv, e era o automóvel brasileiro mais potente e rápido que tínhamos na época. E a IBAP anunciava ainda que as médias de consumo de gasolina rondavam os 7,5 km/l, que para um modelo de luxo da época, também era excelente. Os rivais marcavam algo ao redor de 5,0 km/l.

Ou seja, o Democrata era prometido como um grande destaque, ainda mais pelo seu porte considerado grande para a década de 60: eram 4,68 m de comprimento, dimensão próxima à de um Toyota Corolla atual. No interior, luxos como bancos dianteiros separados e reclináveis com forração em couro, painel com madeira de jacarandá legítima, console pomposo também com acabamento fino e um volante esportivo de três raios.
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Apesar de considerados funcionais, os protótipos que circulavam pelo país com a missão de angariar acionistas para a empresa, não o eram totalmente. Pouco se via eles rodando, com a maioria das apresentações sendo estáticas. Esse fato começou a chamar a atenção do governo militar da época, afinal a fábrica havia sido fundada em outubro de 1963 e, em 1965, apesar de já ter vendido dezenas de milhares de ações, com um bom dinheiro em caixa, não saíam carros da linha de produção.
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As instalações da IBAP, aliás, ficavam no km 32 da Via Anchieta, 9 km à frente da Volkswagen, em São Bernardo do Campo.
(Continua na próxima semana).
DM
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