Alguns leitores aqui do site AUTOentusiastas acabam por merecer o epíteto “prata da casa” como é o caso de Nilton Luís Rodrigues na minha coluna “Falando de Fuscas & Afins”. Desta vez ele nos conta como um VW Fusca acabou por conquistar o seu coração!
O primogênito
Por: Nilton Luís Rodrigues
Meu primeiro contato com os Fuscas aconteceu por acaso na década de 90, mais precisamente em 1995 quando eu era um comerciante em Mogi Guaçu e trabalhava conjuntamente com a minha mulher. Justamente devido a isso era bastante comum um de nós ter de sair para fazer a correria junto a clientes e aos bancos (sim…, outros tempos!), mas comumente era tarefa dela.
E para facilitar acabamos decidindo ter dois veículos Na época eu tinha um Ford Escort Ghia ’86 que era tratado como diriam os mais antigos “a pão de ló” (ou seja, com o mais extremo carinho).

O segundo, de início, foi uma Mobylette adquirida de um funcionário e da qual nunca tive nenhuma queixa, mas que não me dava segurança quando minha mulher saía para as citadas tarefas.

Um colega do meu pai reside na cidade vizinha e tínhamos bastante contato. Um dia em que estávamos num evento os três juntos acidentalmente comentei da pretensão de suceder a Mobylette por algo com quatro rodas sem grandes pretensões.
Nisto ele me comentou que seu sogro tinha um Fusca 1968, vermelho Granada, do qual pretendia se desfazer e que se por um lado não estava em estado exatamente colecionável, por outro lado era usado de forma relativamente frequente e não havia virado (ainda) morada de galináceos (exemplo na foto de abertura).
Na mesma semana marcamos e eu fui ver o tal Fusquinha de ano e modelo 1968. Confesso que à primeira vista não houve assim uma “paixão incontrolável”, não por culpa do veículo (ainda que sua pintura vermelha em alguns pontos já tivesse se despedido dele). Eu é que ainda não havia contraído o vírus (benigno) do antigomobilismo na época (NR: antigomobilismo é o movimento dedicado à coleção e preservação de carros antigos).
Havia até um certo preconceito meu quanto ao porquê de ainda haver tamanho sucesso de um veículo aproximadamente das mesmas dimensões de um Ford Escort e internamente bem mais apertado que um Fiat Uno.
Apresentações feitas, saí para dirigi-lo e logo de início fiquei surpreso, pois, por baixo daquela carroceria com alguns descascados, riscos e marcas dos anos na pintura e de anos de uso estava um “meio de transporte” bem respeitável e confiável: confortável, silencioso, macio, com tudo funcionando, as portas fechavam com facilidade, enfim, um carro muito sólido.
Ainda me lembro de pará-lo em frente ao dito comércio e dar uma leve acelerada, pois o silêncio interno era tamanho que eu achei que o motor havia morrido. Ledo engano, o motorzinho estava ligado em todo seu “pequeno esplendor” de 1.285 cm³…
Para a ideia inicial, substituir a Mobylette, “dava e sobrava” além de um preço bastante camarada. Para se ter uma ideia foi pouco acima do que eu havia pago na tal Mobylette.
Compra fechada e, como não tinha o preciosismo de hoje, tratei de cometer as primeiras heresias no “Catapora” (Catapora foi o apelido do carro por um breve espaço de tempo – obviamente dado pelo meu sarrista pai), com a substituição do volante original por outro de menor diâmetro.
O rádio original (que não funcionava) da mesma forma deu lugar a outro mais moderno ainda que não exatamente de primeiríssima qualidade, serviria à sua função.
Outra, um pouco mais ortodoxa, foi a troca das rodas dianteiras pelas originais com tala fina (o carro tinha vindo com quatro rodas com miolo semelhante ao original — ou seja de 5 parafusos— só que de tala larga), isto por necessidade provocada por uma semi-heresia, a troca dos já ressecados pneus originais por outros radiais e mais largos.
Então, com as talas largas e os pneus mais largos, era comum raspar os pneus nos para-lamas dianteiros quando o volante chegava próximo do final de seu curso. Com as rodas originais mesmo os pneus mais largos já não raspavam mais nas bordas dos para-lamas dianteiros.
E, para não dizer que eu era um perfeito amaldiçoado pelos conservacionistas, encontrei, comprei e coloquei 4 calotas cromadas (as famosas “bacias”) no padrão original dando adeus às pouco belas suplentes plásticas.
Coloquei um jogo de faixas brancas postiças para os pneus. Reinstalei faróis estilo “olho de boi” originais, mas com lâmpadas halógenas tendo um resultado infinitamente melhor do que com os antecessores que tinham vindo com o carro.
Com o uso frequente não parava de me impressionar a capacidade daquele carrinho conseguir ser prazeroso de dirigir e muito mais ágil do que eu pudesse supor; de fato sua disposição era absolutamente surpreendente mesmo com o escapamento original com suas ponteiras finas.
Devido ao seu desempenho, com o tempo, ele acabou sendo utilizado para tarefas com percursos mais longos do que o circuito comércio-banco-comércio, passando a ser usado entre cidades e uso rodoviário, sem que eu me frustrasse com este uso estendido.
Mas o que realmente me agradava e chegava até a causar estranhamento era o quanto “aquela encrenca”, mesmo em uso rodoviário, andava bem permitindo tranquilamente acompanhar o limite de velocidade em 90% dos trechos rodoviários sem ter de “escavar” o assoalho com o pé direito.
Os outros 10% eram obviamente as subidas, situação na qual mesmo aquele bem esforçado motorzinho de 1.285 cm³ não conseguia operar milagres — e, mais que isso, como ele era firme mesmo acima destes limites.
Isto era, para mim, o mais surpreendente, esperava desde o início que ele fosse se tremer todo ou que me obrigasse a ficar brigando com o volante para mantê-lo na faixa, mas, mais uma vez, ledo engano.
Com o passar do tempo, mesmo tendo um carro mais moderno e mais potente, quando vínhamos do interior para a cidade de São Paulo rever nossas famílias, eu quase sempre optava por vir com o Fusca. É colegas, aquele desprezado e quase “galinheirado” veículo tinha caído de vez nas minhas graças.
As saídas com ele se tornaram cada vez mais frequentes, fossem por necessidade profissional (o que era uma constante, inclusive me obrigando a fazê-lo render meu tempo entre Mogi Mirim e Paulínia) ou por lazer mesmo, essas e outras tarefas eram executadas com maestria.
E, confesso, era muito engraçado ver a expressão na face dos motoristas ao verem aquele Fusquinha não raramente pedindo passagem na faixa da esquerda.
As reações alternavam entre incredulidade e surpresa e, honestamente era pelo menos em parte justificável pois o carro realmente andava mais do que se podia imaginar.
Vale destacar que estamos falando de um outro tempo, no qual as rodovias não eram empesteadas de radares, sendo que a SP-340 (que é a via de acesso a Mogi Mirim vindo de Campinas) era bem pouco movimentada no horário comercial.
Neste meio tempo precisei de um “reforço” na equipe da empresa e meu cunhado foi o convocado, e como ele estava sem carro nos alternávamos os três da família nosdois carros, o que acabava por me colocar no mesmo impasse que eu estava antes com um carro para duas pessoas…
Com isso acabei começando a olhar se havia algum carro que pudesse ser do interesse dele ou meu, e diante disso acabei por adquirir meu segundo Fusca, desta vez um 1967 – este brevemente apresentado pelo Alexander Gromow no causo da “Pontualidade quase Britânica”, mas cuja compra e detalhes eu revelarei num texto futuramente, caso contrário esta postagem teria de ser feita em fascículos. Indo o “Catapora” para as mãos do meu cunhado.
Verdade seja dita, nos divertimos muito com os dois Fuscas por um período superior a um ano, sendo que frequentemente viajávamos com os carros sexagenários, e para completar um cunhado meu havia adquirido um VW Brasília, o que fez em uma das viagens parecer que estávamos nos deslocando para um encontro de “air cooleds”.
O carro nos acompanhou até meados de 1997 quando em virtude de desacordos comerciais eu tive de fechar o citado comércio. Isto não sem antes (infelizmente…, mas é como dizem, se conselhos fossem bons não os dávamos, vendíamos) meu cunhado numa manobra para melhorar a estética do “Catapora” – inclusive com a pintura ao estilo “saia e blusa – mandou-o para um funileiro (“picareteiro” seria a nomenclatura correta) daquela cidade.

Este mecânico, desavisadamente, colocou o carro no Ciyborg (equipamento para esticar a lataria de carros batidos) repuxando a frente do carro e, após isso, o perfeito fechamento do capô desistiu e se foi, junto com o perfeito alinhamento entre o capô e a lateral dianteira — sem dúvida um senhor pecado.
O carro acabou sendo dado como valor de rescisão a um dos funcionários do comércio e desde então nunca mais tive notícias do querido “Catapora” que tanta alegria trouxe e que se mostrou um companheiro tão espetacular quanto improvável. Ele foi o primogênito de meus Fuscas.
Mais uma vez eu agradeço ao Nilton por mais esta participação aqui na minha coluna e que venham outras. E quem quiser conhecê-lo pode ver a sua apresentação no final da matéria “Pontualidade quase Britânica” citada acima.
AG
NOTA: Nossos leitores são convidados a dar o seu parecer, fazer suas perguntas, sugerir material e, eventualmente, correções, etc. que poderão ser incluídos em eventual revisão deste trabalho.
Em alguns casos material pesquisado na internet, portanto via de regra de domínio público, é utilizado neste trabalho com fins históricos/didáticos em conformidade com o espírito de preservação histórica que norteia este trabalho. No entanto, caso alguém se apresente como proprietário do material, independentemente de ter sido citado nos créditos ou não, e, mesmo tendo colocado à disposição num meio público, queira que créditos específicos sejam dados ou até mesmo que tal material seja retirado, solicitamos entrar em contato pelo e-mail alexander.gromow@autoentusiastas.com.br para que sejam tomadas as providências cabíveis. Não há nenhum intuito de infringir direitos ou auferir quaisquer lucros com este trabalho que não seja a função de registro histórico e sua divulgação aos interessados.
A coluna “Falando de Fusca & Afins” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.