Nesta semana, o Instituto Mauá de Tecnologia divulgou os resultados dos testes com a gasolina E30, uma mistura contendo 30% de álcool anidro. Entretanto, os dados apresentados levantam mais perguntas do que respostas, especialmente no que diz respeito à transparência e à representatividade dos testes.
Falhas na metodologia?
Os testes a frio foram realizados a zero grau Celsius de temperatura ambiente, mas sem a devida informação sobre a altitude do local do teste. Sem esses dados, não há como saber se as condições foram rigorosas o suficiente para avaliar o impacto real do E30 no funcionamento dos motores em todo o território nacional, incluindo os efeitos no inverno em cidades de maior altitude, como é o caso de Campos do Jordão e serra catarinense. A engenharia dos fabricantes realiza testes de inverno a temperaturas negativas de -10 até -20 ºC.
Já nos testes a quente, novamente não foram informadas as condições ambientais exatas. A temperatura ambiente pode afetar significativamente o desempenho dos combustíveis e, sem esses dados, fica difícil comparar os resultados de maneira criteriosa.
Omissão de dados de emissões
Um dos principais argumentos para a introdução da gasolina E30 seria a redução das emissões de CO2 . No entanto, segundo o Instituto Mauá, os testes de emissões indicaram que não houve qualquer diferença significativa em relação à gasolina E27, já utilizada no mercado. Como pode um aumento no teor de álcool não gerar mudanças perceptíveis nas emissões? O silêncio sobre detalhes técnicos das medições levanta dúvidas sobre a real eficácia do combustível na questão ambiental.
Resultados ignorados?
Diversos problemas foram observados em diferentes veículos, mas foram considerados insignificantes pelo Instituto. Entre eles:
- Estabilização de marcha lenta: um dos carros apresentou falha, representando 6,25% da amostra. Por que esse número foi considerado irrelevante?
- Aceleração a frio (0-50 km/h): um veículo apresentou problemas na bomba de combustível. O que garante que este não seja um sintoma comum em uma frota maior?
- Retomadas de 80-120 km/h: carros mais antigos apresentaram variações significativas, mas o Instituto atribuiu isso à idade dos veículos. Foram feitos testes prévios com gasolina E22 ou E27 para confirmar que esses problemas não eram pré-existentes?
- Aceleração de 0-100 km/h: três veículos tiveram seu desempenho afetado, representando 18,75% da frota testada. Mais uma vez, esse número foi tratado como insignificante, sem justificativa plausível.
Se há problemas técnicos surgindo durante os testes, ainda que em uma pequena parcela dos veículos, como garantir que isso não será sentido no dia a dia pelos motoristas?
Por que os departamentos de engenharia dos fabricantes de veículos não estão envolvidos nesse estudo? Se estão, por que não foram citados? O conhecimento dos engenheiros, técnicos e capacidade dos laboratórios certamente traria resultados mais conclusivos e ajudaria a encontrar o melhor caminho a seguir.
O verdadeiro benefício?
A questão central é: qual seria a real vantagem da gasolina E30? Se não há benefício expressivo na redução de emissões e, ao mesmo tempo, há relatos de impacto no desempenho dos veículos, qual a justificativa para a adoção dessa mistura? E o que dizer do objetivo da “Gasolina do Futuro” que espera chegar a 35% de mistura?
Uma alternativa mais eficiente poderia ser uma política de incentivo à utilização do álcool puro, reduzindo seu imposto e preço e tornando-o mais atrativo para os proprietários de carros flex. Essa estratégia estimularia o consumo de um combustível renovável, com benefícios ambientais comprovados, sem comprometer o funcionamento dos motores.
A opção alegada de utilizar gasolina premium que já tem 25% de álcool nos veículos que venha a apresentar problemas torna-se inviável, principalmente para a população de baixa renda que ainda circula com carros carburados, mais baratos e com manutenção bem atrasada. Essa gasolina chega a custar 50% a mais que a gasolina comum.
Sem transparência e respostas claras sobre os impactos do E30, a impressão que fica é que estamos diante de um experimento sem garantias reais de sucesso – e, mais uma vez, os consumidores podem ser os principais prejudicados.
GB