É impressionante como a lei que proíbe dirigir com qualquer quantidade de álcool na corrente sanguínea leva a acaloradas discussões na nossa seção de comentários. A lei nº 11.705/2008 foi sancionada pelo presidente Silva em 19 de junho de 2008, já no seu segundo mandato, e desde então aterroriza e pune severamente quem pratica um hábito que faz parte da vida de milhões de pessoas responsáveis, que é ingerir bebidas alcoólicas moderadamente — socialmente, como se diz — jamais se embebedando.
Desde sacerdotes da igreja católica no seu seu multissecular ritual, a quem se alimenta com pão de forma, como recentemente noticiado. Insanidade total. Como é insana a saída de quem tomou o café da manhã ou fez um lanche com esse tipo de pão e foi “flagrado” dirigindo, precisar esperar — na rua — cerca de uma hora para o organismo metabolizar o álcool e assim se livrar da multa de nada menos que R$ 2.934,70 e de ter seu direito de dirigir suspenso um ano.
Uma lei absurda que nenhum benefício trouxe para a segurança do trânsito, uma lei infeliz, descabida e irresponsável proposta pelo deputado Hugo Leal (PSD-RJ) que demonstrou ser um alienado de como essa questão é tratada nos países sérios, e lamentavelmente aprovada pelo igualmente alienado Congresso Nacional de então.
Alienados principalmente de como essa importante questão foi tratada pela lei federal nº 9.503 de 23 de setembro de 1997, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que trouxe, essa sim, enorme benefício para o nosso trânsito, em que o assunto de álcool e direção foi tratado com a imprescindível seriedade. O deputado deve ter achado que o CTB foi compilado por pessoas incompetentes, tanto que propôs a citada e infame lei nº 11.705 alterando o artigo 165 do Código, o que determinava poder-se ter até 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou 0,30 miligrama de álcool por litro de ar alveolar, e dirigir com total consciência e, principalmente, com segurança.
Nunca se demonstrou ou provou que motoristas com pequena concentração de álcool no sangue fossem causa ou fator contribuinte para colisões e atropelamentos. Ao contrário de causadores de acidentes graves, cujos motoristas mais “sóbrios” estavam com um grama de álcool por litro de sangue, ou seja, 66,6% acima do limite para dirigir, o que significa estar bêbado. Casos de motoristas com muito mais álcool no sangue, com o dobro do permitido, eram vistos com frequência nas reportagens televisivas. Não havia absolutamente motivo para a chamada tolerância zero relativamente ao álcool.
Estranhamente, nunca houve fiscalização de bêbados ao volante, nem de longe parecida com os espetáculos circenses atuais — depois que o CTB estabeleceu normas claras a esse respeito — em 10 anos, 4 meses e 28 dias, apesar de àquela altura já existirem meios fáceis de verificação por meio do etilômetro (“bafômetro”). Fiscalização para valer, somente a partir da lei seca. Se não houve fiscalização eficaz antes e da noite para o dia passou a haver, depreende-se que o objetivo da “lei seca” foi nitidamente apenas encher os cofres de prefeituras, estados e Distrito Federal com as vultosas multas.
Dezesseis anos e dez meses depois da promulgação da lei seca fico surpreso de ver que há muita gente que a aprova e os que acham que quem é contra ela é porque estão defendendo o beber e dirigir — mesma falta de conhecimento do deputado Hugo Leal, do Congresso e do atual presidente da República.
BS
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