Em meados dos anos ‘70, o ‘Eduzinho’ aqui já era um autêntico apaixonado por automóveis. Passava horas enfileirando a coleção de Matchbox pelo chão da sala de casa. Só brincava com isso. Respirava o tema. Veja a ilustração abaixo. Não se empolgue com os dotes paupérrimos do designer-mirim. Só note as (boas) referências:

As ruas de São Paulo nos anos ‘70 eram infestadas de Fusca, Variant, Brasília e demais VW de motor arrefecido a ar, além de Chevette, Corcel, um ou outro DKW-Vemag e Aero-Willys. E tinham os modelos de luxo, como Opala, Maverick, Dodge Dart e Galaxie, esses dois últimos um pouco mais raros. Mas mais difícil, ainda, era encontrar um Alfa Romeo 2300.
Aquela frente dos quatro faróis circulares, com a grade vertical, é mítica, em minha opinião, até hoje. Sabe aquela brincadeira estranha das crianças com o Fusca azul? Pois eu tinha algo parecido com o Edson. “Pai, eu vi um Alfa!”
Isso é tão entranhado na minha memória afetiva que, seguramente, acontece até hoje. E não só com o 2300, mas com uma fileira de outros modelos, que chegaram ao Brasil nos anos ‘90 e 2000: 164, 155, 145, 156, 156 Sportwagon, Spider, 166, etc. O Edson já partiu, mas basta que um deles passe por mim… “pai, eu vi um Alfa”. É inevitável.
Design, ronco de motor e sistema de direção
Já disse que o 8C 2900B. que é a foto de abertura, é possivelmente o carro do período pré-guerra mais bonito já construído.
Também já escrevi por aqui — se não disse, digo já — que o 156 é o sedã mais charmoso dos anos ‘90. Para mim, ele tem um design tão contemporâneo que passa tranquilamente por um carro atual.

Eu gosto de carro. Mas carro-carro. Eu gosto de Alfa Romeo.
Na última vez em que estive na Itália, no início de 2020, adivinha qual museu fui visitar? Ou qual carro aluguei para fazer um tour pela Europa? Sou suspeito para falar de Alfa Romeo.

Viajei por sete países. Rodei mais de 3 mil km. Média de consumo de 17,2 km/l de diesel, incluindo duas ou três subidas aos Alpes e centenas de quilômetros (de pé em baixo) nas autobahnen, as notáveis autoestradas alemãs que não têm pedágio.
O Giulia da minha viagem tinha motor turbodiesel de 190 cv, câmbio manual de 6 marchas (solte seu rojão; isso ainda existe) e tração traseira. Isso tudo além da melhor relação de direção que já inventaram nesse mundo. Notou o conjunto que define o “carro-carro”? E que isso fica divertido nas estradinhas cheias de neve com 45 m·kgf de torque à disposição do pé direito e o controle de tração e estabilidade desabilitado??
Meus cumprimentos (peço até bênçãos) a engenheiros e marqueteiros remanescentes de um tempo em que quem gostava de carro-carro tinha seus desejos atendidos. E que mantiveram essa opção em linha.
Só que as vendas estão encolhendo
Infelizmente houve um preço a ser pago por essa lineup. As vendas caíram cerca de 20% em 2024 (60 mil unidades em todo o mundo) ante o ano anterior. Ausente do Brasil há algumas décadas, as únicas notícias que chegavam de Alfa Romeo por aqui eram que a marca, preocupada com quedas consecutivas nas vendas, corromperia sua essência de oferecer produtos aos apaixonados por carro-carro (desconsidere todos os meus elogios acima) e se concentraria em suves e crossovers daqui para frente. E detalhe: passaria a produzi-los em versões com propulsão 100% elétrica a partir de 2027.
Achei essas informações no site de um entusiasta francês por carros italianos, chamado Italpassion. Chequei em outras respeitadas fontes europeias de jornalismo automobilístico e os prognósticos bateram. “Sinceramente, neste momento, não vejo futuro para um Giulietta, porque não há procura para um sedã compacto. Atualmente, o Giulietta é o Tonale”, teria afirmado o atual executivo-chefe da Alfa Romeo, Santo Ficili. O Tonale é suve médio com 2.636 mm de entre-eixos (adivinhe? Idêntico ao do nosso Jeep Compass…) e equipado com duas opções de propulsão híbrida: diesel+HEV de 160 cv e gasolina+plug-in de 280 cv.
Além do Tonale, a linha é hoje composta pelo suve compacto Junior, que tem entre-eixos de 2.550 mm (adivinhe? Idêntico ao do Jeep Avenger) e versões híbridas (136 cv ou 145 cv) ou totalmente elétricas (156 cv ou 280 cv), e pelo Stelvio, um suve com porte estrategicamente posicionado entre BMW X1 e X3, que usa motores a diesel (160 cv ou 210 cv) e gasolina (280 cv), além da vitaminada versão Quadrifoglio (520 cv).
Mas, e os benditos sedãs?
Sobrou só o Giulia mesmo. E por pouco tempo. Hoje ele dispõe exatamente das mesmas versões de motores do Stelvio. Mas é prevista a chegada de uma nova geração em 2026 que o transformaria — olha o pecado — num “crossover cupê”, a adotar a mesma plataforma, chamada STLA Large. Ela foi criada para uma saraivada de futuros elétricos da Stellantis, a ser usada por Dodge, Jeep, Chrysler, Alfa Romeo e Maserati.
O Giulia de próxima geração seria um dos primeiros modelos exclusivamente elétricos da marca. Dizia-se que ele ofereceria cerca de 800 km de alcance, com baterias de até 118 kW·h. Isso o tornaria um dos modelos elétricos de maior alcance disponíveis.
(Pausa para limpar a lágrima que escorreu por aqui.)
Está achando que é muito suve? Pois há um outro, chamado internamente de E-SUV, que virá acima de todos os demais para disputar mercado no segmento do Porsche Cayenne. E o E-SUV, óbvio, seria 100% elétrico.
Mas… boas notícias!
Esse cenário atual caminhava para a eletrificação completa da linha, de acordo com as mídias europeias. Até que eu esbarro em um artigo de um site americano que dá um alento aos alfistas mais apaixonados.
O chefão da Stellantis Europe, Jean-Philippe Imparato, disse ao site Auto Express que “se o ecossistema global atual não mudar, o Giulia será 100% elétrico. Se eu perceber que está mudando, não é um problema ajustar com motores alternativos”.
O Alfa Romeo 33 Stradale pode ter sido o primeiro sinal dessa mudança de atitude. Quando foi revelado, em 2023, acreditava-se que o 33 seria o último Alfa movido a combustão. Dotado um V-6 de 3 litros e 620 cv de potência ou um motor totalmente elétrico de 750 cv, adivinhe qual das opções a grande maioria dos compradores escolheu?
“Filho, eu…”
Veja como esse mundo automobilístico dá voltas… Eu, que gosto de carro-carro de verdade, como os que a Alfa produz (ou produzia), achava que iria morrer abraçado às lembranças de um sedã como o Giulia Quadrifoglio, com o ronco inconfundível daquele mítico V-6 biturbo. Ufa. Pode ser que o V-6 permaneça. Meno male.
Daqui a alguns anos, caso eu volte à Europa e consiga levar junto a família, quem sabe não consiga dizer… “Filho, eu (ou)vi um Alfa”.
Será um suve ou um crossover, mas o ronco estará lá.
EP
A coluna “Acelerando ideias” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.