Em meados dos anos 90, mais especificamente na segunda metade da década, a febre do consumidor brasileiro sobre suves era tanta que até incomodava: todo integrante da classe média brasileira sonhava em ter um Jeep Grand Cherokee, um Nissan Pathfinder, um Ford Explorer ou então um Mitsubishi Pajero. Até então, inexistiam no mercado brasileiro os suves nacionais, tampouco os pequenos, que mais se aproximam de crossovers.
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Esses jipões, além de grandes, eram importados e caríssimos. Somente um pessoal da alta classe tinha acesso a esse tipo de carro, como atores, atrizes, cantores, além, é claro, dos jogadores de futebol (esses adoravam passear com seus Grand Cherokee V-8 por aí. Eu, particularmente, nunca entendi essa preferência, ainda mais no auge dos meus 40 e poucos anos. Para mim, bacana mesmo eram os hatches, cupês e sedãs, principalmente aqueles voltados mais à esportividade: suspensões mais duras, freios mais sensíveis e o popô quase arrastando no chão.

Para mim, esses eram sinônimos de desempenho e altas velocidades, e era isso que eu esperava num carro. Mas por que então alguém poderia se sentir atraído por aqueles verdadeiros “trambolhos”? Altos, pesados, com respostas lentas de freios e direção, alto consumo de combustível, câmbios automáticos que demoravam séculos nas trocas e motores, coitados, que precisavam mover toda aquela massa com brilho.

Lá em meados dos anos 90, eu me perguntava: “Por que é que alguém escolhe um desses, tão sem graça, em vez de um sedã de luxo, confortável e bom de guiar?”. Nas minhas avaliações, rodei bastante com esses suves, mas por pura obrigação. Ficava inconformado com o comportamento ruim deles numa manobra brusca de direção, ou numa curva rápida: eles adernavam como um enorme navio no mar. Arrancadas ou ultrapassagens? Eram substancialmente mais lentas que as dos sedãs. Simplesmente torcia o nariz para esses utilitários esporte. Não simpatizava.

Mas devo admitir: esses grandalhões tinham lá suas qualidades. A altura de suas carrocerias e o abundante espaço interno permitia um fácil entrar e sair. E não era preciso se abaixar ou fazer contorcionismos para se acomodar em seus bancos. No porta-malas, ainda, também cabia muita coisa: eram generosos. Bastava abrir a enorme tampa traseira e jogar lá dentro fosse qualquer objeto. Os americanos aplaudiam essas vantagens. Claro que, no uso familiar, eles levavam a melhor frente aos sedãs, cupês e hatchbacks que eu tanto curtia.
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O tempo foi passando, e à medida que isso acontecia, fui vendo outras qualidades nesses carros altos e um tanto desajeitados. Entre o finalzinho da década de 90 e início dos anos 2000, vieram os alemães, que mudaram substancialmente o estilo dos suves. Ficaram mais dóceis, comportados e bons de guiar, melhores como um todo. A concorrência, americana e japonesa, principalmente, foi atrás e também evoluiu.
Assim, já começavam a se aproximar de hatches, ou até sedãs de luxo. A eletrônica, como ABS, ESP, TC e outras sopas de letrinhas, ajudavam na melhor dirigibilidade, mesmo em condições mais duras, incluindo off-road. Borrachudos e enormes pneus de outrora já tinham perfis mais baixos e urbanos, fazendo par com as rodas de maior diâmetro. Isso mudava até mesmo a cara dos suves, que não estavam mais tão feios do meu ponto de vista.

Lembro-me que, em 1999, no lançamento da BMW X5 em Atlanta (Geórgia, EUA), a marca colocou para nós, jornalistas, um roteiro em que passávamos por estradas de difícil acesso, com muitos declives e aclives, cruzando, até mesmo riachos com pedras. Caminhos dignos de um bom jipe. O suve alemão venceu todas essas dificuldades com tremenda tranquilidade, mas, para minha surpresa, fazia parte do test drive uma visita a um autódromo. Lá, o X5 enfrentaria também curvas fechadas, mostrando um lado mais esportivo do utilitário da BMW.

Num dado momento, nessa pista, sem conhecê-la muito bem, pensei estar chegando perto de uma curva de alta velocidade. Porém, me confundi, e aquele trecho deveria ser feito em baixa velocidade. Estava muito rápido, sem tempo para frear, e tive a certeza de que perderia o controle do carro, saindo da pista. Para minha surpresa, consegui contornar a curva na toada (rápida) que estava, quase como nos hatches ou cupês, meus favoritos.
Fiquei um bom tempo pensando sobre aquilo: como um carro com centro de gravidade tão alto poderia mostrar tal comportamento esportivo? Sem dúvida, o BMW X5 foi um divisor de águas na minha opinião sobre os suves. Ali, percebi que já estávamos numa outra era dos utilitários esporte, diferente daquela dos Jeep Grand Cherokee, Ford Explorer, Nissan Pathfinder e Mitsubishi Pajero de anos antes. Os suves já se aproximavam de carros de passeio, também pela adoção da construção monobloco.

E, como até hoje, mantêm as qualidades do amplo porta-malas, altura do solo que permite atravessar obstáculos mais facilmente, movimento de entra e sai facilitado, espaço interno generoso e, dependendo do modelo, até uma boa aptidão no off-road. Nem é preciso dizer que, de lá para cá, já tivemos mais de 25 anos de evolução, e os suves e crossovers (suves de carroceria monobloco) estão ainda melhores. Mais aerodinâmicos, bonitos, atraentes e, principalmente, bons de guiar (desempenho, consumo, direção, frenagens, dinâmica, etc.). Evoluíram, e muito.
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Hoje, do alto dos meus 71 anos, aplaudo esse tipo de carro: vejo muita praticidade na hora de embarcar ou desembarcar deles, e bancos confortáveis ou pernas folgadas falam mais alto a bordo. Por mais curioso que possa parecer, hoje reclamo mesmo é de sedãs ou hatches baixos, que exigem manobras do corpo para entrar ou sair do habitáculo de passageiros. Os “altinhos” me facilitam a vida, e creio que seja esse o grande motivo do público consumidor comprá-los. Dependendo do modelo, podem atender melhor a família do que um sedã de porte similar.
Se você tem preconceito com suves e crossovers, talvez ainda não tenha analisado esses carros de um ponto de vista mais prático. Ou então ainda não chegou à terceira idade…
DM
A coluna “Perfume de carro” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.