No fim de março deste ano eu participei de um evento no Box 54 e lá eu conheci Ricardo Prado Santos, que me contou a história do Puma GT que seu pai tinha montado e que é o último exemplar deste tipo de carro com mecânica DKW produzido. Combinamos que ele iria contar esta história em detalhes para a minha coluna, o que faço agora.
Para quem se pergunta como um veículo DKW pode participar de uma coluna denominada “Falando de Fusca & Afins”, lembro que a a Volkswagen comprou a Auto Union GmbH, que incluía a marca DKW, em 1964, adquirindo metade das ações então de posse da empresa da Daimler-Benz. No Brasil, a Volkswagen comprou a Vemag, que fabricava os modelos DKW sob licença, em agosto de 1966 com a promessa de continuar a produzir os veículos DKW (¹). No entanto, em dezembro de 1967, a Volkswagen decidiu encerrar a linha de produção do motor DKW (por motivos ambientais) e com isto dos carros desta marca. Sendo assim os veículos DKW passaram a fazer parte dos “Afins” de minha coluna.
Vamos primeiro contar a história do último Puma DKW, adiante vamos apresentar a origem do Puma GT para aqueles que não a conhecem.
A história do último Puma DKW
por: Ricardo Prado Santos
Enfrentando sérios problemas financeiros e recém vendida à VW do Brasil, a Vemag, fabricante dos carros DKW no Brasil sob licença da Auto Union, por determinação do seu novo dono encerrou a produção do DKW-Vemag em novembro de 1967.
De 1966 a 1967 a Puma veículos e Motores, fabricou o Puma GT, conhecido como “Puma DKW”, e naquele momento, se viu obrigada a desenvolver um novo carro, agora com mecânica VW e que por esse motivo recebeu o número 1600 depois de Puma GT, indicando a cilindrada do motor boxer, agora traseiro: foi o Puma GT 1600.
Nesta época, meu pai Antônio de Pádua Prado Santos, trabalhava como gerente-geral de Produção na Vemag. Com o encerramento da produção do DKW-Vemag, ele decidiu deixar a empresa, mesmo com a oferta da VW de absorver todos os engenheiros na sua operação. No entanto, ele ainda ficou mais algum tempo na Vemag para organizar o encerramento da produção, vender máquinas, etc., e foi nesta época que decidiu montar “em casa” um Puma DKW.
Comprou da Vemag um chassi completo com mecânica que era utilizado em treinamento e encomendou um motor especial que teve janelas polidas, volante de corrida completamente aliviado e um distribuidor especial de competição com polia harmônica. Tudo testado e ajustado em dinamômetro da própria fábrica.

Em seguida, comprou um chassi novo, já cortado pela Puma e reforçado em alguns pontos (os Pumas GT utilizam um chassi DKW encurtado) e levou tudo para nossa casa, onde montou toda a mecânica, com o devido cuidado de aproveitar somente “não perecíveis” como eixo traseiro, carcaça de cambio que por sinal, teve o diferencial alongado, como era padrão no Puma GT.
Também instalou um freio a disco ATE, opcional da Vemag que tinha importado somente 250 jogos destinados a competição e venda como opcional nos carros de linha.
Encomendou uma carroceria à Puma, que tinha sido produzida em 1968, e enviou o chassi montado para lá para montagem final.
Desenhou também um painel e console especial e a modificação do freio de mão, entre os bancos, e tudo foi montado, sob encomenda, na Puma.

O carro ficou pronto em 1968 e foi o último produzido.
Na época eu tinha 9 anos e íamos aos sábados ver a montagem e acabamento do carro na Puma.

Meu pai utilizou o carro por muitos anos, rodando 250.000 km, ele levava a mim e meu irmão à escola todos os dias. Quando entrei na Universidade, em 1976, ganhei o carro. Naquela ocasião ele estava bem desgastado e eu decidi, com 17 anos, restaurá-lo por completo em casa.
Com ajuda dos vizinhos tiramos a carroceria do chassi e fizemos uma reforma completa mecânica e cosmética no carro.
Em 1990 foi novamente feita uma restauração, agora completa nos mínimos detalhes, utilizando todas as peças originais compradas do estoque da Comercial MM de Veículos Ltda. antes desta empresa encerrar suas atividades (era uma famosa concessionária Vemag e Puma em São Paulo).


Desde então, eu mantenho o carro em perfeitas condições de uso, sendo que ele foi utilizado por muitos anos em ralis de regularidade e provas de subida de montanha e algumas poucas provas de pista.


Andar neste carro traz todas as lembranças da infância e juventude e é um deleite ouvir o barulho do motor dois- tempos, sempre alegre e nervoso. O torque começa às 3.000 rpm e vem forte para um motor de 981 cm³.

O barulho é peculiar, não somente pelo motor DKW mas também por ainda estar com o escapamento sugerido pelo Jorge Lettry que, diferente dos DKW´s normais, conta com uma câmara de expansão (charuto) Wallig (tipo Eberspächer) e mais dois abafadores Kadron.
O Puma “DKW” hoje continua sendo um dos mais belos desenhos nacionais, feito pelo queridíssimo Anísio Campos, a partir do GT Malzoni, este com desenho de Rino Malzoni.

A origem do Puma GT (Puma DKW)
O Puma GT, e como vimos, é conhecido popularmente como Puma DKW, é um marco do automobilismo brasileiro, representando a ousadia, o empreendedorismo e a criatividade da indústria nacional em uma época de restrições à importação de veículos. Sua história começou na década de 1960 pelas mãos do italiano naturalizado brasileiro Genaro “Rino” Malzoni, um apaixonado por automobilismo que sonhava em criar um carro esporte competitivo e acessível.
Origem nas pistas (1964-1966)
O embrião do Puma GT foi o GT Malzoni, um protótipo desenvolvido em 1964 na fazenda de Rino Malzoni, em Matão, interior de São Paulo. Com apoio oficioso da Vemag (Veículos e Máquinas Agrícolas S.A.), que fabricava no Brasil o carro alemão DKW sob licença do seu fabricante Auto Union GmbH, e convencido pelo piloto da equipe de competição da fábrica, Mário César de Camargo Filho, chamado por todos de “Marinho”, Rino se dispôs a desenhar e construir um cupê de dois lugares com base mecânica DKW.
O objetivo de Marinho era claro: um DKW poder enfrentar na pista o Willys Interlagos, um pequeno e leve cupê de origem francesa produzido pela Willys-Overland do Brasil. O apoio da Vemag consistiu em fornecer a Rino o chassi rolante do DKW, como também orientação técnica pelo seu chefe do Departamento de Competição, o italiano também naturalizado brasileiro, Jorge Lettry.
Paralelamente, era construída a versão com carroceria de desenho aprimorado pelo próprio Rino, ainda de aço, o GT Malzoni II, que serviria para a fabricação dos moldes para produzi-la em plástico reforçado com fibra de vidro, mesmo material do Willys Interlagos. Esse carro foi exibido no Salão do Automóvel de 1964 e fez furor pelas suas linhas.
Abaixo fotos de um GT Malzoni II feito em chapa de aço pertencente ao Kiko, filho do Rino Malzoni que foi cuidadosamente restaurado de uma maneira incrível, considerando o estado no qual este carro foi encontrado:

Equipado com um motor DKW de três cilindros, dois tempos e 1.089 cm³ (ampliado do original de 981 cm³), o GT Malzoni modelo I estreou no Grande Prêmio das Américas, em Interlagos, em 1964, e conquistou cinco vitórias naquele ano.
Um detalhe pouco conhecido
Como é sabido, o sistema de arrefecimento a líquido do DKW era por sifão térmico, em que a circulação do líquido era exclusivamente pela diferença de temperatura, a água quente sobe e a fria, desce. Para isso o radiador precisa ser alto em relação motor. No GT Malzoni a menor altura do capô impedia que o radiador tivesse a altura imprescindível para haver o sifão térmico. Por isso, sob orientação de Jorge Lettry, era necessária uma bomba d’água, complicado num motor que não a tinha originalmente.
A solução. relativamente simples, foi usar dínamo, modificá-lo e integrar a ele, na sua parte traseira, uma bomba d’água feita especialmente, como no esportivo Auto Union 1000Sp, produzido na Alemanha. Por ter o capô baixo, ele saía de fábrica com a bomba d’água como explicado acima. Foi o que foi feito no GT Malzoni e funcionava à perfeição.
Para a bomba d’água poder ser acionada, o induzido do dínamo era o do motor VW 1200, mais comprido justamente para acionar a turbina de arrefecimento (ventoinha). Note-se que então o sistema elétrico do VW 1200 e do GT Malzoni era de 6 volts e o dos DKW 1967 era de 12 volts e com alternador em vez de dínamo: ainda não existia alternador para o motor VW boxer e, logicamente, rotor mais comprido para acionar a turbina de arrefecimento. Ou seja, não havia como integrar uma bomba d’água ao alternador. O jeito foi o Puma GT (1967) ter sistema elétrico de 6 volts e dínamo em vez de alternador, enquanto a linha DKW 1967 (Belcar, Vemaguet e Fissore) já tinha sistema elétrico de 12 volts.
Outro detalhe dos Pumas DKW
O GT Malzoni e o Puma GT tinham as posições das marchas invertidas em relação ao que se conhecia — a alavanca de câmbio era no assoalho. A primeira e a terceira marchas eram embaixo no “H”. O seletor no câmbio, que era ZF, não permitia arranjo diferente sem grande modificação. No DKW, de alavanca na coluna de direção, era igual.
A Vemag imediatamente encomendou a Rino três carrocerias de plástico para a sua frota de veículos de competição visando a temporada de corridas de 1965 (estas foram feitas especialmente com uma espessura menor, para alívio de peso). Nesse processo o peso baixou para 720 kg, 80 kg menos que o primeiro GT Malzoni de aço.
A Sociedade de Automóveis Lumimari Ltda., fundada em 1965 por Rino Malzoni, Luiz Roberto Alves da Costa, Mário César de Camargo Filho e Milton Masteguin, começou a produzir o GT Malzoni para as ruas em meados de 1966. Teve apenas 49 unidades fabricadas. O nome “Lumimari” veio das primeiras letras dos nomes dos fundadores.
Em 1966, por sugestão de Jorge Lettry, ex-chefe do departamento de competição da Vemag e que se tornara sócio da Lumimari, a empresa foi renomeada Puma Veículos e Motores Ltda.
Nesse momento, os quatro sócios — Marinho havia deixado a sociedade — decidiram evoluir o GT Malzoni, dotá-lo de linhas mais atraentes e a mudança do estilo coube ao já famoso designer Anísio Campos, que justificou sua fama com um desenho primoroso. A mecânica era a mesma do GT Malzoni e o modelo recebeu o nome de Puma GT.
Lançamento do Puma GT (1966-1967)
Apresentado no Salão do Automóvel de 1966, o Puma GT logo foi “batizado” de Puma DKW, uma versão realmente refinada do GT Malzoni. A carroceria, claro, também era de plástico reforçado com fibra de vidro. A frente ganhou uma nova grade e para-choques, o painel de instrumentos foi redesenhado com acabamento em madeira, as portas receberam novo recorte, e a traseira foi reformulada com lanternas adaptadas da picape Chevrolet C-10 (com lentes vermelhas).

O motor DKW de três cilindros e dois tempos, com 981 cm³ e 50 cv, permitia ao carro atingir cerca de 145 km/h, um desempenho notável para a época. O Puma GT pesava 810 kg, com chassis encurtado do DKW-Vemag em 230 mm passando o entre eixos para 2.200 mm (como no GT Malzoni), suspensão por molas transversais semielípticas e direção por pinhão e cremalheira.
Foram produzidas aproximadamente 125 unidades do Puma GT entre 1966 e 1967, mas a produção teve que ser interrompida para sempre quando a Volkswagen adquiriu a Vemag em agosto 1966, encerrando a fabricação do DKW em novembro de 1967. A Puma não dispunha mais do chassi e do motor DKW para produzir o Puma GT.
Seguiu a passagem dos Pumas para a mecânica Volkswagen, mas este já é um outro capítulo da história desta marca…
(¹)Transcrição da propaganda da VW quando comprou a DKW
No intervalo entre a compra da Vemag e a decisão de encerrar a fabricação do motor a dois tempos a Volkswagen do Brasil mandou publicar a propaganda abaixo, seguindo o que já havia ocorrido com uma propaganda semelhante na Alemanha:
Aqui está a transcrição do texto da imagem:
Título:
O que vai acontecer agora que a Volkswagen e a Vemag trabalham em conjunto?
Subtítulos:
- Mais pessoas vão comprar VW.
- Mais pessoas vão comprar DKW.
Texto principal:
“V. esperava coisa diferente? É claro que quem vai comprar VW deve estar pensando a Volkswagen acredita que a sua concepção técnica (motor traseiro, refrigeração a ar, tração nas rodas traseiras) é a melhor que existe. E agora está colaborando justamente com a Vemag, que acredita numa concepção técnica completamente diferente (motor dianteiro, refrigeração a água, tração nas rodas dianteiras). Isto não significa apenas que a Volkswagen tem uma concorrência dentro de casa. Significa também que vai ajudar a Vemag a fabricar o DKW ainda melhor. Da mesma forma, quem vai comprar DKW deve estar pensando agora a Vemag poderá unir toda sua experiência à experiência da Volkswagen. Bom exemplo é o Controle de Qualidade: quando é feito por duas grandes empresas, os resultados são melhores. Tudo isto vai fazer mais pessoas comprarem VW e mais pessoas comprarem DKW. Pois, se duas firmas trabalham em conjunto, não é para uma ficar mais fraca. Mas as duas ainda mais fortes.”
Agradeço ao Ricardo Prado Santos pela participação nesta matéria, e os nossos parabéns pela manutenção de seu Puma GT. As fotos sem indicação em contrário foram enviadas por ele.
A complementação da matéria com “A Origem do Puma GT” foi elaborada com a colaboração do BS.
AG
[Nota de alteração: no dia 27/05/2025 às 17h30 foi acrescentada a propaganda da VW do Brasil sobre o trabalho conjunto com a DKW bem como a transcrição de seu texto]
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