O consumidor era contra carros de quatro portas porque era “coisa de táxi”, mas quando prefeituras liberaram o Fusca como táxi mirim, táxi deixou de ser pejorativo. Outra rejeição às quatro portas, da qual a Volkswagen se aproveitou, foi a questão da insegurança para crianças, esse consumidor desconhecendo que o Renault Dauphine, fabricado aqui a partir de 1959, tinha um simples sistema de imobilização das maçanetas internas das portas traseiras que todo carro tem hoje. A rejeição chegou ao extremo de ter sido criado um Santana de duas portas só para atender o mercado brasileiro — o que norteou a Ford, nos sete anos da Autolatina (1987-1994), a ter a sua Quantum (Royale) de duas portas somente.
Cor branca em São Paulo, nem pensar, era cor de táxi — até que no Salão do Automóvel de 2010 só houvesse BMW branco exposto. Da noite para o dia o branco não só passou a ser aceito como se tornou supervalorizado. De cor de série passou a opcional em algumas marcas, e a preços elevados. A penúltima idiossincrasia brazuca foi achar que todo carro era um rebocador em potencial, de tanto que se via carros com a prosaica esfera na traseira para rebocar o que quer que fosse, mas que na verdade era “proteção” para não arranhar o rico para-choquinho. Por fim, a nossa mais recente idiossincrasia: o câmbio automático (foto de abertura).
Algo está errado
Quando um jornalista bastante conhecido e seguido nos meios de comunicação, e colunista do AE, escreve uma matéria intitulada “Por que prefiro o câmbio automático”, é sinal de que algo está errado. Discute-se o que jamais deveria ser discutido porque, primeiro, trata-se tão-somente de dois tipos de câmbio. Segundo, fabricantes de automóveis daqui ou simplesmente não oferecem opção de câmbio manual ou, quando oferecem, muitas vezes depois de algum tempo, tiram-na do portfólio da marca sem a menor cerimônia. A explicação, ou a ladainha, é invariável: não vende.
Não vende porque a classe média se viu no Paraíso — com todo o direito, bem entendido — e migrou para o automático. Nesse processo o manual acabou sendo esquecido e vendendo bem menos do que vendia. É natural que a mistura de produção fosse ajustada à demanda, embora eliminar de vez o manual tenha sido uma decisão do tipo a isca agradar o pescador e não o peixe: o consumidor.
Apesar de ser uma solução simples e eficaz financeiramente para o fabricante, o fato é que a fatia dos consumidores que apreciam e fazem questão de câmbio manual ficou prejudicada, ficou obrigada a comprar o que não queriam, “na marra”, pois automóvel, apesar de não ser item essencial, é uma real necessidade. Quem quiser comprar um carro com tudo de melhor em motorização e equipamentos, só que com câmbio manual, não acha mais faz tempo. Não se trata de pesquisa de mercado, mas nossa seção de Comentários nos dá a certeza de uma boa parte desse universo de consumidores desejar ter carro de câmbio manual.
Não cabe aqui discutir vantagens e desvantagens de um e de outro câmbio ou superioridade de um sobre o outro, mas de uma liberdade de escolha que existiu e infelizmente pertence ao passado. Nenhum fabricante saiu prejudicado por causa disso.
BS
A coluna “O editor-chefe fala” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.