Pelo dia que hoje é, vou falar da minha.
Ela, a Lourdes (Maria de Lourdes) tinha 25 anos e me trouxe ao mundo às 4 da manhã do dia 14 de novembro de 1942 (alguém me disse que nascemos na hora da fecundação do óvulo, não sei se é verdade). Parto normal, mas eu me recusava a sair e foi preciso usar fórceps para me puxar. Por isso tenho cicatrizes na parte de trás da cabeça que anos mais tarde me renderiam o apelido de “coreano”, por a guerra da Coreia ainda estar comendo solta no começo de 1953; terminaria em 27 de julho.
Muitos tempo depois eu viria a saber que dois fatos importantes ocorreram no Brasil naquele ano e mês em que nasci: a chegada da Coca-Cola e a mudança da moeda brasileira. Esta era o real brasileiro (Rs) e passava a ser o cruzeiro (Cr$). Pela primeira vez havia centavos, inexistente no real brasileiro, tanto a que a unidade era 1.000 réis. De 1.000 réis passou a Cr$ 1 (um cruzeiro), que era o preço da pequena e única garrafa de 160 ml de Coca-Cola. Durante muito tempo, apesar de haver moedas de centavos de cruzeiro, dizia-se tantos réis, como a passagem do bonde custar 200 réis (Cr$ 0,20). Sem esquecer do conto de réis, um milhão de réis (Rs 1:000$000), que virou mil cruzeiros (Cr$ 1.000,00).

Minha mãe e meu pai resolveram parar em mim (meu irmão nasceu em 1940) e ela fez a cirurgia, comum na época, de ligação de trompas, ou laqueadura abdominal, que impedia que o óvulo e o espermatozóide se encontrassem. No procedimento o médico perfurou acidentalmente o intestino grosso dela, resultando em infeção séria ao ponto de meu pai, eu soube depois, aos prantos se ver viúvo junto ao leito dela no hospital, tal a gravidade do quadro. Foi milagre ela ter-se salvado.
Felizmente para mim e meu irmão, que pudemos receber educação e conselhos valiosos na infância, juventude e fase adulta. Como o valor da gratidão e o respeito aos mais velhos; a dar o lugar para mulheres e idosos no ônibus; a cumprimentar as pessoas e dizer ‘muito obrigado’ sempre; a colocar sabonete novo quando receber hóspedes; a lavar as mãos antes de qualquer refeição; a tratar com cordialidade e respeito pessoas humildes e empregados domésticos; a ser cortês com todos (como isso vale no trânsito!). Como sou grato a ela por tudo isso.
Quando comecei a correr ela colocou numa garrafa pouco da água de Lourdes que um tio havia trazido da França (é uma água normal que jorra da Gruta de Massabielle) e me deu para proteção. Tomava um gole nos dias de corrida, Nunca me feri em nenhuma. Á água durou mais de 30 anos. Coisa de mãe atenciosa e carinhosa!
Um ensinamento valioso foi confiar nas pessoas analisando seu olhar. Ela contou que certa vez havia um grupo de adolescentes diante da nossa casa, entre eles um que ela não conhecia. Ele pediu a ela para dar uma volta no Oldsmobile 88 1950 de casa e achou que podia deixar. O rapaz saiu dirigindo sozinho, saiu da nossa rua e sumiu da vista dela. Dez minutos depois voltou, carro perfeito, disse ter ido ao Circuito da Gávea, que era bem perto. Quando ela me contou isso, ante minha bronca, ela apenas disse: “Confiei nele.”
Meus filhos a adoravam e era recíproco. Ficou viúva em 1972, tinha 55 anos. Pude tê-la até 2005, quando nos deixou em consequência de uma cardiopatia. Tinha 87 anos.
Como eu queria tê-la tido por mais tempo.
Onde quer que você esteja, parabéns pelo seu dia, mamãe.
BS
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