O sexto episódio do Podcast AUTOentusiastas recebeu uma das maiores referências do jornalismo automobilístico brasileiro: Fernando Calmon. Com apresentação de Paulo Manzano e Gerson Borini, o encontro foi uma verdadeira viagem por seis décadas de história do automóvel no Brasil, contada por quem não apenas acompanhou os bastidores, mas ajudou a escrevê-los. Da TV Tupi ao AUTOentusiastas, passando por redações lendárias, programas de TV, corridas em Le Mans e colunas publicadas em dezenas de veículos, Calmon compartilhou memórias, bastidores e análises com a lucidez de sempre e o rigor técnico que marcaram toda sua trajetória.
Fernando Calmon: 58 anos na estrada do setor automobilístico
Poucos nomes da imprensa automobilística brasileira têm a longevidade, a solidez e a autoridade de Fernando Calmon. Referência desde os tempos da TV em preto e branco até os dias de hoje, ele construiu uma trajetória marcada pela clareza, pela precisão e por um olhar técnico e equilibrado sobre o setor. E foi justamente sobre isso que conversamos em mais de uma hora e quinze de podcast — um papo que, se não tivesse limite de tempo, seguiria madrugada adentro.
Calmon começou sua carreira em 1967, quando ainda cursava engenharia. Não foi a faculdade que o levou ao jornalismo, mas sim a paixão pelas corridas. O programa se chamava Grand Prix, uma homenagem ao filme que estrearia no ano seguinte. Foi na redação do O Jornal, sob orientação de Álvaro Costa Filho, que ele aprendeu o que era lide, como estruturar um texto, e seguiu em frente sem ter feito um curso formal de jornalismo. “Eu aprendi ali, no dia a dia. Nunca estudei jornalismo, mas levei a sério desde o começo.”
Três anos depois, em 1970, viveu uma de suas primeiras grandes experiências internacionais: a cobertura da 24 Horas de Le Mans.
“Me disseram: você tem que ir. Vai sozinho. Sem falar francês. Aluguei um Fiat 128, fui até Le Mans e dormi no carro. Ligava o motor de tempos em tempos para me aquecer. E achava que os franceses eram prestativos porque eu era da Tupi. Depois percebi: eles achavam que eu era da UPI, a maior agência de notícias do mundo na época.”
A história é contada com o mesmo bom humor e modéstia que marcam sua fala.
Em seguida, sua carreira ganhou alcance nacional quando passou a escrever para a revista O Cruzeiro, um dos maiores veículos do Brasil nos anos 70. “Foi graças aos cinco anos que passei n’O Cruzeiro que ganhei projeção nacional. Era uma revista que tirava mais de um milhão de exemplares por semana nos anos 1950.”
Com o fim do ‘O Cruzeiro, mudou-se para São Paulo em 1976 e começou na Autoesporte, onde viria a se tornar o redator-chefe mais jovem da história da publicação. “Fiquei nove meses na ponte aérea até convencer minha esposa a mudar comigo. E deu certo. No fim do mesmo ano, fui chamado para ser redator-chefe.” Era o início de uma nova fase. Entre idas e vindas, ele ainda voltaria à revista nos anos 90, já como diretor de redação.
Durante esse tempo, Calmon também foi peça-chave na formação de outros profissionais. “O Lito Cavalcanti começou comigo. Eu dei a primeira oportunidade pra ele. E o Wagner Gonzalez também. Ele escrevia boletins à mão numa prova de 1.000 km em Brasília, com começo, meio e fim, nenhum erro, e me enviava enquanto eu comentava a prova para a rede TUPI. Fui procurá-lo depois da corrida e o chamei para trabalhar comigo.” Essas histórias entrelaçam gerações e mostram o papel de Calmon não apenas como jornalista, mas como formador de talentos.
Sua atuação nunca se restringiu ao texto. Foi piloto amador com seu próprio Fusca e correu em provas da Divisão 1. “Participei daquela corrida trágica em Petrópolis, na qual um piloto que apenas assistia à prova foi atropelado. Não sei como consegui correr depois daquilo.” Também conduziu programas de televisão ao longo de décadas, como o Primeira Fila, exibido entre 1984 e 1994 nas redes Manchete, SBT, Record, OM e Bandeirantes. E o dia mais triste para comentar à noite sobre a morte de Ayrton Senna, em Imola, 1994, quando estava na Bandeirantes.
“Foi um dos dias mais tristes da minha vida. Ter que entrar no ar para dizer aquilo foi muito duro. E ali decidi que não dava mais. A Fórmula 1, para mim, tinha acabado.”
Com o tempo, e diante das mudanças no mercado e na mídia, Calmon voltou-se para os jornais e para a internet. Criou, em 1999, a coluna Alta Roda, que mais tarde passou a circular com seu próprio nome. “Hoje, minha coluna é publicada em 70 veículos. Já foram 85, mas alguns não sei se continuam. Ainda assim, deve ser uma das mais amplamente distribuídas do setor.”
O compromisso com o conteúdo é visível na forma como estrutura cada edição semanal. “No início, eram cinco mil caracteres com um texto principal e cinco notas. Hoje, escrevo cerca de 7.500. Acompanho o que acontece aqui e lá fora. E foco exclusivamente na indústria. Se eu abrir espaço para o esporte, não consigo dar conta. Já não tenho 30 anos.”
O estilo da coluna, direto, informativo e fundamentado, tornou-se um padrão. “Raramente uso aspas. Evito entrevistas. Quando coloco algo de alguém, é um parágrafo no máximo. A ideia é condensar o que importa com precisão.”
Sobre o cenário atual, Calmon tem uma visão crítica e pragmática. “Eu não sou contra o carro elétrico. O rumo é certo. O ritmo é incerto. O que não dá é impor uma data fatal. A infraestrutura ainda não existe. Como você planeja uma viagem sem saber se vai ter onde carregar o carro?” E completa:
“Os híbridos deveriam ser o caminho natural. Começando com os mais simples, depois os plugáveis. O elétrico puro ainda precisa amadurecer.”
E é com esse olhar equilibrado que Calmon continua atuando. Além da coluna semanal, escreve mensalmente para a WebMotors. “Lá, o foco é outro. Faço, além das colunas semanais, uma matéria mensal exclusiva com linguagem menos técnica, mais acessível, mas sempre com conteúdo sólido”
Em meio a tudo isso, sua paixão pessoal pelos Porsche 911 permanece intacta. “Tive um 964 e depois um 993. Comprei usados, com oito anos de uso, mas em ótimo estado. Para mim, Porsche é só 911. O resto é o resto. Com todo o respeito, claro. ”Com um sorriso no rosto, viu na publicação Christophorus, revista oficial da marca, uma ilustração em que um Fusca paulatinamente achatado assumia o perfil de um 911
A história de Fernando Calmon se confunde com a história da imprensa automobilística no Brasil. Foi da TV analógica ao digital, da máquina de escrever à era dos sites. Sempre ativo, sempre respeitado, sempre escrevendo com clareza. Comemorando 58 anos de carreira ininterrupta em 2025, já se prepara para celebrar, em 2027, seis décadas dedicadas ao jornalismo.
E nós, no AuTOentusiastas, temos o privilégio de publicar suas colunas desde o primeiro dia. A parceria segue firme — toda quinta-feira, uma nova edição, sempre com informação precisa, pontos de vista consistentes e a experiência de quem conhece cada curva dessa estrada.
Bom programa!
PM E GB
