Dia 22 de maio fui ao jantar de celebração aos 30 anos do IQA (Instituto de Qualidade Automotiva) quando tive a oportunidade de entender um pouco mais sobre a importância do tema e do próprio Instituto no desenvolvimento de nossa indústria.
Pensando no assunto e conversando com profissionais da área, resolvi escrever esta coluna para falar sobre a importância da qualidade nos dias atuais quando observamos um acirramento da concorrência global, dos avanços tecnológicos pouco antes vistos na história automobilística, da aceleração do ciclo de desenvolvimento de um veículo e de pressões de mercado oriundas de diversas fontes (principalmente no que tange os custos).
A ajuda da computação e a evolução do software foi primordial para esta redução do ciclo de lançamento mas outras questões, não tão positivas, a acompanharam. A diminuição de testes reais e a eliminação de alguns ciclos são efeitos desta nova fase que vivemos. Isto significa que os veículos estão piores? Não! Definitivamente, não. Entretanto é importante observar o aumento da quantidade de recalls na indústria por falhas de itens relevantes.
A competição demasiadamente acirrada, com diversas marcas atuando em diversos segmentos nos mais variados posicionamentos de preços escancara uma situação que vem acontecendo na indústria. Hoje são milhares de modelos e incontáveis números de versões disponíveis ao consumidor. Só aqui no Brasil o número de versões de veículos novos disponíveis ao consumidor nos últimos 10 anos girou sempre em torno de 1.500, das quais aproximadamente 1.100 versões para carros de passeio e 400 versões de comerciais leves.
Esta competitividade exacerbada no mercado motiva os fabricantes a disputar de forma frequente a atenção dos consumidores com lançamentos e inovações tecnológicas. Consumidores passam a ter acesso cada vez mais frequente a estas tecnologias e criam expectativas cada vez mais crescentes em relação a conectividade, eficiência energética e automação.
Não é uma regra absoluta mas normalmente existem três momentos em que estes lançamentos ocorrem: nos lançamentos de novos modelos, na troca do ano modelo do veículo e no lançamento de uma nova versão; nas três situações o ciclo de vida mais curtos é estimulado de forma indireta. Era frequente observarmos veículos que levavam entre 6 e 8 anos para saírem das pranchetas para as ruas e hoje este ciclo se reduz, facilmente, para algo entre 2 e 3 anos a depender da marca.
A receita dos problemas está pronta… demanda dos consumidores, oferta do mercado, pressão por custos e velocidade no desenvolvimento. Claro que sobra para a qualidade!
Mas o leitor agora deve estar se perguntando… mas como isso acontece se os padrões de qualidade são cada vez mais apertados? Os veículos hoje não possuem qualidade? Os padrões são exigentes e os veículos têm qualidade! Entretanto, infelizmente, a máquina ainda não substitui o ser humano.
Por uma questão de redução de custos os testes reais são reduzidos para o cumprimento de prazos. Apenas os obrigatórios são realizados e qualquer outro tem sua utilidade questionada. Não que sejam eliminados mas tudo o que antigamente era realizado em condições de rodagem nas ruas e estradas, hoje ocorre em simulações computacionais que abrangem 80%, 90% ou 99% das condições existentes. Claro que a maior parte é abrangida pelas novas tecnologias, mas no melhor caso destes anteriormente citados, 1% ficaria de fora e este é o ponto! O custo para entender este 1% numa simulação real é muito alto então, bora trabalhar em simuladores, que são fantásticos (repito!) mas não cobrem 100% ou imunes a erros, este é o ponto!
Assim testes apressados ou insuficientes atingem diretamente a qualidade. É comum observarmos ou termos ciência de que sistemas eletrônicos, assistentes de condução e atualizações over-the-air, entre tantos outros são muitas vezes implementados sem a necessária maturidade causando problemas ao consumidor final.
O efeito final é o aumento do número de recalls (revocação em português) que nada mais é do que um processo jurídico bem definido por lei pelo artigo 10 do Código de Defesa do Consumidor e que foi posteriormente regulamentado pela Portaria do Ministério da Justiça nº. 487/2012 (revogada) e pela Portaria nº 618 de 1 de julho de 2019.
O fato é que nos últimos anos diversas fabricantes (eu não tenho elementos para afirmar que todas) passaram por algum tipo de recall, dos mais simples aos mais complexos denotando a questão da qualidade acima retratada e afetando milhares de veículos em todo o mundo.
Falhas nos airbags, nos freios, em sistemas eletrônicos, nos motores, na atualização de software e problemas originados por decisões apressadas no design ou na escolha de materiais são as principais incidências de recalls nos dias atuais com casos notórios que levaram inclusive a falência da fábrica da Takata e outras como os problemas do câmbio da Ford e até uma marca dita moderna e tecnológica como a Tesla sofreu inúmeros recalls em seus software e componentes.
O desenvolvimento ágil e célere deve vir acompanhado do uso de certificadoras e treinamentos, bem como de um controle rigoroso realizado por testes e validações. A computação é um caminho sem volta e deve ser cada vez melhor aprimorada com o uso da inteligência artificial no intuito de prevenção de falhas.
Por fim, e não menos importante, a cultura de segurança deve ser parte integrante da empresa, respeitada, prioritária e, acima de tudo, sempre aprimorada.
A qualidade sempre será um dos elementos mais importantes da indústria automobilística por mais que muitas vezes não a sintamos. A confiabilidade desta indústria decorre principalmente do desenvolvimento que ocorreu nas últimas décadas justamente nesta área!
MKN
A coluna “Visão estratégica” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.