Eric Melrose Brown nasceu na Escócia em 21 de janeiro de 1919 e faleceu em 21 de fevereiro de 2016. Fiquei sabendo de sua existência com um livro que comprei há mais de uma década, Wings of the Luftwaffe (Asas da Luftwaffe) onde ele descreve em voo vários aviões alemães da Segunda Guerra Mundial por ele avaliados. Bem antes disso, quando os nomes de autores me eram pouco importantes, encontrei um livro em uma feira de usados na faculdade onde estudei, The Helicopter in Civil Operations (O Helicóptero em Operações Civis), e só fui descobrir muito tempo depois ser também de sua autoria, a aí fiquei encafifado. Esse cara é versátil, sem dúvida alguma!
Pesquisando um pouco, descobri ser Eric “Winkle” Brown a pessoa que pilotou o maior número de aeronaves diferentes até hoje, 487. Seu apelido vem de Periwinkle, um pequeno molusco marinho, mas Brown nem era tão baixo, 1,70m. Outro de seus muitos números e feitos impressionantes é o recorde homologado de maior número de pousos em porta-aviões, 2.407, e também o maior número de decolagens com catapulta, esse de número não exato, e portanto, não registrado. É dele o primeiro pouso de um bimotor em porta-aviões, um De Havilland Mosquito, bem como o primeiro de um avião a jato, em 4 de dezembro de 1945, pilotando um De Havilland Sea Vampire.
Só pelos números e pelo pioneirismo, porém, não se conhece uma pessoa, e o melhor a se fazer é ler sua história, muito bem contada em Wings on My Sleeve (Asas na Minha Manga), publicado pela primeira vez em 1961, mas atualizado ao longo dos anos. Minha edição é de 2006, uma década antes dele falecer com 97 anos. Há também um DVD lançado há poucos anos, que aparece na foto de abertura da matéria.
O livro é um espetáculo de informação, para dizer o mínimo. Sua vida de piloto começou muito cedo, quando aos cerca de oito anos voou com seu pai, que era piloto militar, em um biplano, e foi definitivamente reforçada devido a um voo que fez na Alemanha, quando lá visitou com seu pai, em 1936, onde foi levado em um Bucker Jungmann por Ernest Udet, o segundo maior ás alemão — 62 vitórias — que abateu menos oponentes apenas do que Manfred Von Richtofen. Udet, porém, sobreviveu à guerra para se tornar um dos dirigentes da aviação alemã que foi sendo formada mesmo sob as proibições impostas ao país depois da guerra. Udet o aconselhou a ser piloto, já que Brown mostrou que sabia que aquela deveria ser sua vida, voar.
Nas quase 300 páginas com muitas fotos interessantes, o capitão vai descrevendo seus anos e as aeronaves de todos os tipos que voou, desde planadores até bombardeiros, passando pelos primeiros helicópteros e pelos aviões experimentais, protótipos tanto de aeronaves de combate quanto puramente de testes, como a participação no Miles M.52, um avião que foi sendo projetado de 1942 a 1945, para ser cancelado em 1946 após o governo trabalhista (só podia…) que assumira em julho de 1945, cancelar o programa. O M.52 iria ser o primeiro avião a romper a barreira do som, pelo ritmo do programa, que foi reavivado com a construção de um modelo em escala 30% radiocontrolado, que atingiu Mach 1,38. Mas os americanos foram os primeiros em 1947, 14 de outubro, em um avião de verdade.
Mais adiante, Eric Brown fala muito sobre sua vida nos porta-aviões da frota real britânica, pois ele foi um dos pioneiros no desenvolvimento desse tipo de navio e dos aviões para operação naval. Quem gosta do assunto irá se deleitar. Eu quase peguei uma caneta marca-texto para as partes mais interessantes, mas iria pintar quase os capítulos inteiros desse assunto. Desde as catapultas até a estrutura dos aviões com os ganchos adicionados para a frenagem por cabos de aço, Brown fala muito sobre como era todo o voo até o pouso, os diferentes procedimentos de manobra de acordo com cada avião para enxergar melhor o convés, os problemas e os tão comuns acidentes. Sua participação no projeto do Sea Hawk, fazendo-o um dos melhores aviões a jato para esse tipo de operação também é bem explicado. Magnífico é pouco para descrever o texto.
O Sea Hawk foi utilizado para a formação de uma esquadrilha acrobática da Marinha, e Eric foi um dos criadores e piloto. Foi também o comandante de um esquadrão desses aviões, e o instrutor responsável por treinar os pilotos no primeiro jato de suas carreiras.
Um dos sistemas mais interessantes para pouso em porta-aviões foi testado durante anos, um tapete de borracha suspenso a menos de um metro do convés do navio, onde o avião a jato pousaria sem trem de pouso, sendo amortecido e freado pela enorme manta de borracha. Não foi mais desenvolvido por inúmeras dificuldades, a principal delas remover o avião que não podia se locomover pois estava sem o trem ao final da área de pouso. Mas o amortecimento e a frenagem eram algo melhor do que o convencional, dito por quem mais pousos fez com o sistema.
Outra parte importante do livro é o assunto McDonnell Douglas F-4 Phantom, que Eric testou nos EUA e recomendou fosse escolhido entre vários concorrentes para equipar a Fleet Air Arm, colocando um avião que voava a Mach 2 embarcado, uma capacidade inédita. Sua admiração pelo incrível avião é notória, e as alterações que ele solicitou foram adicionadas o F-4, formando o modelo K, com motores Rolls-Royce, que operou na frota britânica durante 10 anos, de 1968 a 1978.
Falando nisso, não poderia deixar de ser colocada no livro a lista com todos os 487 aviões que ele voou, sem contar as variantes de cada um, que não entram na conta. Do Supermarine Spitfire, por exemplo, foram 14. Também há sua lista de 20 preferidos, desde meados dos anos 1930 até a década de 1970, período principal de suas atividades em aviões militares, civis e experimentais de ambos os tipos. Nessa não vou deixar o leitor curioso, e reproduzo aqui em suas palavras:
Avro Lancaster – só de sentar na cabine já era incrível. Ele exudava confiança
Boeing B-29 Superfortress – dava uma sensação de invulnerabilidade
Bucker Jungmeister – uma joia acrobática
De Havilland Hornet – perfeição em forma de sobrepotência
Douglas Boston – a aceleração para decolagem já dava uma mostra do que viria a seguir
Fieseler Storch – um virtuoso do voo lento
Focke-Wulf 190 D-9 – tecnologia alemã de caça em seu melhor
Gloster Gladiator – o último dos grandes caças biplanos
Grumman Bearcat – a máquina dos sonhos de um piloto
Hawker Hunter – voa tão bem quanto é bonito
Junkers 88 – eficiente em todas suas multimissões, e um deleite para pilotar
Lockheed Constellation – o porta-estandarte para as linhas aéreas de longo percurso
Macchi C.205 – maravilhosa combinação de potência alemã com estilo italiano
McDonnell Douglas F-4 Phantom II – desempenho excitante e emocionante para pilotar
Martin-Baker MB.5 – uma verdadeira beleza que chegou tarde demais para a Segunda Guerra
Messerschmitt 262 – um salto quântico no desempenho de caças da II Guerra Mundial
North American F-86E Sabre – a perfeição da manobrabilidade
Nakajima Ki-84 “Frank” – cheio de energia viva e uma revelação ao voar
Supermarine Spitfire XII – Jeff Quil e eu achamos esse o melhor de todos os Spitfires
Vickers Viscount – estabeleceu um novo padrão para viagens de curta distância. (Nota: o Viscount é o “avião do AE”)
Respondendo a uma pergunta que sempre lhe fizeram, qual o melhor avião de todos, Eric Brown diz que o melhor com motor a pistão que pilotou foi o De Havilland Hornet – uma evolução do Mosquito – e o melhor jato, o F-86E Sabre.
Um livro que eu classifico como imperdível para os fanáticos por tudo que voa, e mais ainda para quem admira os pilotos de prova, aquele tipo de pessoa que arrisca seu pescoço em busca do conhecimento.
Nota dez com louvor.
Para saber mais:
Documentário da BBC de 2014, onde é contada sua história: https://www.youtube.com/watch?v=szten4iypCM
Apresentação na Royal Aeronautical Society sobre a carreira e aviões voados: https://www.youtube.com/watch?v=iaLBMOKWEe8
JJ