“Este carro tem uma ótima suspensão, reage rápido, bom de curva…”. Peraí, você pode estar elogiando os componentes errados. Hoje boa parte das qualidades dinâmicas de direção e estabilidade devem mais créditos aos pneus do que se pensa. Vai ver, a suspensão “milagrosa” é a popular “McPherson na frente e braços arrastados atrás”, apenas bem calibradinha de fábrica. E é bom saber, suspensão bem calibrada para determinado tipo de pneu.
Depois de muitos anos, visitei novamente uma fábrica de pneus, e foi a vez da Dunlop, em Fazenda Rio Grande, na região metropolitana de Curitiba (PR). A visita ajudou bastante a confirmar o quanto os pneus evoluíram nas ultimas décadas.
Primeiro, a nascida inglesa Dunlop (fundada por John Boyd Dunlop, o inventor do pneu, em 1889) fez parte de um conglomerado com a japonesa Sumitomo e a americana Goodyear. No Brasil, a marca é da Sumitomo e produz no Paraná desde 2013. A produção atual de 15.000/dia é concentrada em pneus para “carros de passeio”, que incluem também picapes e SUV. Mais de 80% se destina ao mercado de reposição. No próximo ano, começa a produção para caminhões/ônibus.
A surpresa inicial fica para o método de produção, muito automatizado e controlado por computadores.
A forma de industrialização dos pneus da Dunlop, que a empresa afirma ser exclusiva, também é muito interessante: a matéria-prima (fitas de diversos compostos de borracha, fios de nylon e derivados, fios de aço…) vai sendo enrolada em uma espécie de “carretel” oco, que depois vai ser “cozido”. Este “carretel” depois é vulcanizado (“cozido” entre 7 e 15 minutos para pneus de passeio) e finalmente vai para o acabamento e controle de qualidade. O formato de carretel é para evitar emendas, que aumentam as diferenças de peso e resistência na circunferência do pneu. Ou seja, esta tecnologia deixa os pneus “mais redondos” e sem grandes diferenças de densidade interna.
Neste método automatizado, a rejeição por problemas de qualidade fica abaixo dos 1%.
(Nota do graxeiro: olhando os pneus recusados principalmente por pequenos problemas estéticos de acabamento, a vontade é jogar tudo no porta-malas e levar para casa. Mas, eles vão para o scrap, sendo destruídos)
Infelizmente a Dunlop não permite fotos na linha produção, o que facilitaria entender seu método de construção.
Outra curiosidade é que em uma das etapas de controle de qualidade, o pneu passa por “barbeiros”, que cortam todos os pelinhos da banda de rodagem, deixando apenas nas laterais, para orgulho de quem comprou componentes novos. A explicação é que estes pelinhos causam ruídos de rodagem nos primeiros quilômetros, o que pode dar uma falsa impressão de falta de qualidade.
Mas, o principal aprendizado em uma linha moderna é que atualmente os pneus são personalizados e trazem compromissos em relação a durabilidade, esportividade, conforto, dispersão de água… entre outros fatores. A medida que se escolhe valorizar uma destas características, se perde nas outras.
Não estamos falando de tipos clássicos de pneus como os para uso off-road, ou mistos como os de SUVs, que servem para terra e asfalto.
Hoje se costumizam componentes para o mesmo uso. Pneus para carros de passeio para rodagem no asfalto podem ter dezenas de diferentes “compromissos”, de acordo com a proposta de uso do carro ou preferência do dono. São geralmente desenvolvidos em conjunto pela fábrica de pneus e o fabricante do carro, para se adequar ao projeto do veículo e sua performance. Ninguém pede pneus esportivos para um carro com menos de 80 cv e velocidade máxima de 140 km/h. Já um motor de 400 cv dificilmente será acompanhado de pneus voltados para o conforto.
Mas, é sempre um perde-ganha. Se o pneu é maximizado para uso mais esportivo (oferecendo maior aderência, rapidez de reações ao volante e melhor aderência em curvas), certamente ele perde em conforto e durabilidade.
Já quando a proposta é durabilidade, se perde em esportividade. O mesmo ocorre quando o destaque é o conforto e se sacrifica a dirigibilidade, perdendo reações mais rápidas ao volante e melhor comportamento em curvas.
Claro que existe o pneu “normal”, que concilia durabilidade, dirigibilidade e conforto, sem grandes destaques. Se trata de um “pneu-pato”, que voa, nada e anda, mas não faz bem nenhuma das três tarefas.
Todo este tuning é conseguido em pneus aparentemente semelhantes, inclusive em dimensões, com uma diferente “receita” de matérias-primas (principalmente compostos de borracha) e forma de montagem.
Compostos de borracha (diferentes na banda de rodagem, laterais e parte interna do pneu), estrutura e materiais da carcaça, desenho… tudo isto é estudado e testado para se ter um determinado resultado dinâmico do pneu.
A escolha fica por conta do fabricante do carro, que pretende completar a filosofia de um veículo com os pneus. O destaque fica para conforto, ou esportividade, ou durabilidade ou até escoamento d’água em piso molhado.
Neste conjunto de receitas diversas para os pneus, um novo fator tem influenciado muito os modelos recentes: baixo atrito de rolagem. Assim surgiram os “pneus verdes” (que continuam pretos, mas assim são chamados por serem mais ecológicos). Com este tipo de pneu, carros conseguem economia de combustível entre 3% e 5%, já que há menor esforço para vencer o atrito com o piso.
E novamente surge o “compromisso”: “pneus verdes são ruins de curva, aumentam a distância de frenagem”… Verdade. Em compensação, tem menor atrito e ajudam a economizar combustível. Alguns fabricantes conseguiram que os carros atingissem metas de consumo do falecido programa InovarAuto graças à esse pneu customizado, maximizado para menor atrito com a pista.
Todas estas diferenças cada vez maiores nos pneus alertam também para algo já tradicional: não misturar pneus diferentes no mesmo carro. Ainda que as medidas sejam iguais, o comportamento do pneu pode ser diferente. Ou seja, dois diferentes tipos de pneus (mesmo que aos pares, nos eixos dianteiro e traseiro) vão deixar o carro bastante descompensado em reações dinâmicas. Imagine um par de pneus esportivos na dianteira e outro par mais voltado para conforto na traseira. A frente do carro terá reações mais rápidas em curvas, maior aderência, enquanto a traseira vem no retardo, reagindo mais lentamente, no melhor estilo “dançando com uma gorda” (ou, mais corretamente, uma garota com sobrepeso). Fica bem mais complicado de dirigir, principalmente para quem gosta de acelerar.
De forma um pouco diferente, isto também é válido para pneus remold. Claro que fabricantes de pneus odeiam os remold, principalmente em épocas de crise quando eles ganham mercado pelo seu custo mais baixo. O problema dos remold está exatamente no reaproveitamento de carcaças de pneus usados. Revestidos novamente (banda de rodagem e laterais) com novos compostos de borrachas, parecem todos iguais. Mas não são. Internamente as carcaças são diferentes (de diversas marcas e modelos de pneus), o que deixa os remold com comportamentos diferentes. Mesmo os melhores remold. Ou seja, você não terá as mesmas reações de cada pneu, que estão instalados no mesmo veículo.
Aí sobra outra questão: na hora da reposição, qual pneu escolher? Se você está contente com o comportamento do carro, mantenha a marca e modelo que veio de fábrica. Se não está, escolha outro modelo mais adequado ao seu estilo ao volante ou os caminhos que percorre. Lembre-se de manter a mesma circunferência externa (mesmo com medidas um pouco diferentes), para não alterar a relação final de transmissão.
Os pneus mais esportivos geralmente têm um Sport (Race ou Racing) na denominação comercial. Idem para os mais voltados para o conforto, que também usam um Comfort ou algo semelhante. E um bom vendedor de pneu sabe distinguir pelo menos os tipos básicos, como “mais duro, firme ou macio (confortável).
Já se a opção for por maior economia de combustível, a adoção de pneus “verdes” é mais complicada. Eles trabalham com elevada pressão (geralmente em torno das 40 libras/pol² ou PSI) e quase sempre a calibragem de suspensão (molas e amortecedores) também é adaptada para este tipo de pneu. Ou seja, a suspensão do seu carro vai reclamar ao trabalhar com pneus que se deformam pouco e não ajudam a engolir buracos.
Por outro lado, pneus com banda de rodagem mais larga e ótima aderência com certeza aumentam o consumo de combustível. Como sempre, tudo é custo-benefício, ou compromisso. Ao escolher uma qualidade, se perde um pouco das outras.
JS