Automobilismo paulista sofre de excesso de opinião e falta de união
Há muito se debate o que fazer para recolocar o automobilismo regional paulista no lugar que lhe é de direito. Nesse processo sobram movimentos pouco sincronizados, excesso de opiniões e falta de união dos que praticam o esporte; mais do que isso, a ideia de que todos ganham rios de dinheiro. A maioria dos que habitam esse universo apontam o dedo para os clubes e a Federação de Automobilismo de São Paulo, a Fasp, como os maiores beneficiados do negócio. Nada mais longe da realidade e mais perto para identificar a forma incorreta como o problema é analisado pela própria comunidade.
É notável que inexista uma diretriz mais clara para direcionar o crescimento e o renascimento do automobilismo de competição em São Paulo, algo que fica claro quando se nota o excesso de categorias que pululam, por exemplo, no Campeonato Paulista de Velocidade no Asfalto: seis classes na Força Livre, quatro na Classic Cup; três de Marcas & Pilotos, duas na F-1600 e F-Vee e Old Stock, uma de F-Inter, Fusca Cup, Opala 250 e uma de Turismo N a Ar, ou seja, 23 subdivisões para cerca de 10 categorias. Duas destas somente nas duas primeiras categorias citadas e, vale lembrar, o site da Fasp tem regulamentos aprovados para outras seis modalidades.
Para que tanto? Os motivos envolvem aspectos financeiros, profissionais e até mesmo organizacionais, todos eles interligados de forma peculiar. Cabe dizer que tal cenário não é inédito, tampouco exclusivo. Nos anos 1980 a então ativa Federação de Motonáutica de São Paulo enveredou por um caminho de popularização que mostrou-se pouco funcional: no âmbito de atrair mais praticantes começou um processo de abrir subdivisões em qualquer categoria desde que se apresentassem três pilotos para disputar a nova classe. Em pouco tempo viu-se algo próximo a uma aldeia onde havia mais categorias do que pilotos.
Atividades de caráter mais amistoso em diversos setores seguem linha levemente similar. No antigomobilismo, por exemplo, em muitos eventos outorgam-se troféus a todos que dele participaram, o que gera um contrassenso: cresce o número de veículos expostos mas dilui o esforço e o trabalho de quem preza e pratica com dedicação e investimento a arte de restaurar e conservar automóveis.
No automobilismo de pista a situação converge em última análise para a necessidade de equilibrar despesas e receitas que envolvem promover uma competição em Interlagos. Atualmente esse investimento é, em média, R$ 150 mil por fim de semana se considerados apenas os custos diretos e fixos como o aluguel de pista serviços de apoio (alimentação dos profissionais em serviço, alvarás, atendimento médico, comissários, secretaria de provas, segurança, sinalização e troféus), e custos variáveis, como os de reparação a guard-rails e barreiras de proteção danificados durante as provas, despesas que não raramente ultrapassam o valor da contribuição cobrada paralelamente à inscrição. Não raro, pilotos cobram a realização de treinos livres às quintas-feiras sem se dar conta da dificuldade de viabilizar o investimento para tal: como cobrir o custo do aluguel do autódromo com meia dúzia de carros na pista?
Não bastassem tais despesas deve-se levar em consideração que entidades como os clubes e a Fasp mantêm estruturas permanentes para que tudo aconteça. No caso da federação são cinco funcionários registrados, e todos os encargos decorrentes de uma atividade que exige atendimento regular ao público, comunicação, impressos, despesas de manutenção da sede própria e serviços de apoio. Não custa lembrar que a sede da Fasp também é usada para reuniões, simpósios e treinamentos de comissários, fornecedores, pilotos e preparadores. Não se entenda que clubes e federação não possam melhorar, mas não são eles os únicos a serem cobrados no processo.
O aspecto prático é que apesar do grande número de pilotos filiados e preparadores envolvidos, são poucos os que se dispõem a participar ativamente de um processo construtivo para que todos desfrutem de um automobilismo que cumpra suas funções sociais e esportivas. Isso pode ser alcançado utilizando os mesmos princípios empregados pelos praticantes para tocar o próprio negócio, ou cumprir com seus contratos de trabalho. É básico entender que é preciso identificar um objetivo que seja amplo o suficiente para agregar diferenças e permitir que todos possam competir dentro de condições parecidas. Afinal, de que adianta acelerar um carro de 300 cv para derrotar quem compete com um de 100 cv ou alinhar em um grid com nove ou dez carros quando é possível disputar posição em um pelotão de largada com pelo menos o dobro disso?
A renovação do quadro de pilotos é outro item que merece atenção. O piloto deve ser considerado como o cliente final dessa cadeia de serviços prestados, num patamar ligeiramente superior ao dos preparadores, categoria cujos profissionais cada vez mais também se tornam proprietários de carros de corrida. Assim como eles atendem aos diletantes que não querem comprar um automóvel de competição, é preciso entender que há pilotos que veem o esporte com visões que englobam desde praticar o automobilismo de maneira semi ou totalmente profissional. Entender o que eles querem é parte importante da equação que pode resolver a questão aqui proposta.
Na próxima reportagem desta série, pilotos, preparadores e promotores falam sobre como os monopostos de categorias de base podem contribuir para fortalecer os grids e a cadeia de negócios que envolve o esporte.
WG