Ao fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, a Europa estava em ruínas. Preocupados em reconstruir suas vidas literalmente destruídas pelo longo conflito, muito pouca gente se importava com automóveis interessantes, de alto nível. Competição automobilística, então, nem se fala. Transporte básico revertera a bicicletas e motonetas, e a indústria automobilística catava os cacos de suas fábricas bombardeadas, ou trabalhava para reverter a produção de material bélico em algo que pudesse vender em tempos de paz.
Bugatti não retornaria no pós-guerra, e Ettore nos deixaria em 1947. Em Stuttgart, a Daimler-Benz, fabricante dos Mercedes-Benz, era uma pilha de escombros. Ferrari ainda engatinhava, seu primeiro carro aparecendo em 1947 (e ainda com um motor de apenas 1,5 litro). Alfa Romeo estava acabada, produzindo alguns 6C-2500 do pré-guerra a conta-gotas, para renascer como produtor de veículos de massa com o 1900 em 1950. Em 1945 Ferdinand Porsche ainda estava na cadeia na França e seu filho Ferry só começaria a fazer carros esporte em 1948 ainda baseados em VW e feitos à mão vagarosamente, em Gmünd, na Áustria, numa serraria abandonada.
Foi nesse período complicado da história que uma marca francesa ganhou fama e glória, para desaparecer quase completamente em dez anos. Uma história de fama temporária, seguida de um quase completo esquecimento. O italiano Antonio Lago criou a empresa com pura vontade e entusiasmo, mas com muito pouco dinheiro e habilidade empresarial, o que culminaria num fim rápido. Mas mesmo assim os carros que criou permanecem hoje joias automobilísticas disputadíssimas, que trocam de mãos por quantias exorbitantes, silenciosamente, por décadas a fio, preservando-se para sempre.
Os Talbot-Lago até hoje são incrivelmente especiais. Motores grandes, fortes e potentes, em carros duráveis e parrudos. Mas com aquela sofisticação mecânica que os eleva a uma condição superior, de pureza em desenho que só pode derivar de competições. Um puro-sangue, como gostava de chamar criações deste tipo o grande Ettore Bugatti. E não somente isso: frequentemente vestindo o que de melhor os encarroçadores da época podiam fazer, os Talbot-Lago Grand Sport ainda hoje provocam suspiros por onde quer que passem, seus seis-em-linha fazendo pano de fundo para carrocerias únicas e magníficas de Graber, Chapron, Figoni & Falaschi, Saoutchik, e muitos outros.
A história da marca é até simples e linear, mas não suas origens. Estas, envolvidas com os pioneiros do automóvel tanto na França quanto na Inglaterra, são extremamente convolutas e confusas. Mas, como sempre, quanto mais confusas são as origens, mais interessante é a história.
Clément e o Conde de Talbot
A marca Talbot é curiosa por ter raízes não só em um país. É uma marca, que em toda sua história convoluta, é meio a meio francesa e inglesa. O nome Talbot em si é de origem inglesa, mas, claro, soa também como francês, dependendo da pronúncia. Até hoje os ingleses acham que o nome se fala como se escreve, com um bem pronunciado “T” no fim, enquanto os franceses negam a existência de tal consoante, chamando-os de “Talbô”.
Gustave Adolphe Clément era um clássico pioneiro do automóvel: nascido pobre em 1855, passou de ferreiro a construtor de bicicletas, e depois a fabricante de automóveis. Em 1891, ainda antes de fabricar automóveis, já era um milionário: era dono da extremamente lucrativa licença dos Pneus Dunlop para a França e suas colônias, e sua marca de bicicletas Clément é uma das mais conhecidas e admiradas do país. Conhece então outro fabricante de bicicletas em ascensão, Alexandre Darracq, e com ele funda outra empresa de grande sucesso: a marca de bicicletas Gladiator.
Pierre Alexandre Darracq era um francês de origem basca importante para nossa história. Apesar de nunca andar de carro por toda sua vida, nem como passageiro, seus interesses em engenharia o levariam a ser um fabricante. Em 1896, Adolphe Clément compra sua parte na Gladiator, por uma boa quantia em dinheiro. Darracq pega a fortuna recém-conquistada e abre uma fábrica em um subúrbio de Paris chamado Suresnes, onde passa a produzir automóveis com a marca Darracq. Naqueles primórdios do automóvel é um sucesso, e conquista 10% do mercado francês. E é esta fábrica em Suresnes que, por meios convolutos, acabaria por produzir os Talbot-Lago meio século adiante.
Darracq, diga-se de passagem, é importante de uma outra forma interessante, não relacionada a esta história, mas que vale a pena contar: sua subsidiária italiana se chamaria “Anonima Lombarda Fabbrica Automobili”, ou A.L.F.A. Quando Nicola Romeo a compra em 1915, vira Alfa Romeo.
Mas voltando a 1896, a nova empresa Clément-Gladiator começa a produzir automóveis em uma nova e moderna fábrica em Paris, no subúrbio de Levallois-Perret. Se este nome lhe é familiar, não estranhe: 26 anos depois de construída a fábrica seria vendida para a Citroën. De 1948 até 1988, quando foi fechada, ficou conhecida como a fábrica do famoso 2CV.
Na França, os carros desta nova empresa eram vendidos como Clément, mas na Inglaterra, importados por um consórcio liderado por Harvey Du Cros (amigo de Adolphe e fundador da Dunlop), eram chamados de Gladiator. Mais tarde (1906), Du Cros entraria em sociedade com Herbert Austin, que produziria veículos da Clément-Gladiator em sua fábrica de Longbridge, e os chamaria, claro, de “Austin”.
Mas antes disso, Adolphe Clément, um verdadeiro polvo empresarial que nesse ponto era importante sócio também da Panhard et Levassor, entra como sócio em outro empreendimento inglês. Um nobre entusiasta daquele país resolve começar a fabricar automóveis, e para tal contata Clément para usar suas patentes e desenhos para o automóvel em si. Adolphe Clément ganha participação em mais uma indústria sem gastar nada, apenas permitindo o uso de seus projetos.
Este nobre inglês era o Major Charles Henry John Chetwynd-Talbot, 20° Conde de Shrewsbury e Talbot. Era um nobre diferente do comum: vindo de família importantíssima, seu título estava abaixo apenas da família real. Mas ao invés de se contentar em apenas gastar a fortuna herdada, Talbot desde cedo se tornou um empresário de sucesso. Foi dono de uma famosa frota de táxis em Londres (ainda de tração animal), e criou uma linha de carruagens de alta velocidade. Ele mesmo, conta a lenda, adorava dirigir as composições desta linha, e bater recordes de velocidade nos trechos operados por ela. Obviamente, é um entusiasta do automóvel assim que este aparece, ao contrário da vasta maioria da nobreza inglesa de então. Nenhuma dessas atividades o deixou em boa conta com seus pares…
A empresa fundada pelos dois se chamaria Clément-Talbot, e uma fábrica nova é montada a oeste de Londres, onde seriam fabricados os veículos. Os carros seriam vendidos com a marca “Talbot”.
Já em 1903, Adolphe Clément perde interesse na empresa do Conde Talbot, e os dois se separam. Apesar de a empresa inglesa ainda se chamar Clément-Talbot Ltd, os carros continuavam simplesmente Talbot. Clément constrói uma nova fábrica em Méziers, e muda o nome de sua firma e seus carros para “Clément-Bayard”, o segundo nome vindo de um herói medieval da região onde estava a nova fábrica.
Com o tempo, Adolphe muda o nome da família para Clément-Bayard também. Após a Primeira Guerra Mundial, investe em um novo fabricante fundado em 1919: a Citroën. Em 1922, acaba por vender a sua empresa, e as fábricas em Méziers e Levallois-Perret para André Citroën, ali já a caminho de se tornar o maior fabricante da França.
Sunbeam-Talbot-Darracq
Quando chega 1906, os Talbots ingleses já não tinham mais nada a ver com os Clément-Gladiator de onde se originaram. A empresa goza de relativo sucesso de vendas, e uma séria de vitórias em provas de subida de montanha e regularidade faz nascer o mais duradouro slogan da história inglesa da marca: “The Invencible Talbots”.
Mas ao fim da guerra o Conde de Shrewsbury e Talbot perde o interesse no negócio de automóveis, e resolve vender sua marca. Quem aparece para comprá-la? Nada menos que a empresa fundada por Alexandre Darracq, o pioneiro do automóvel que não andava neles.
Darracq, desde que abrira sua empresa em Suresnes, tinha até ali se dedicado a competições como um meio de promoção de seus carros, com grande sucesso. Ganhou duas vezes a famosa Copa Vanderbilt americana (1905 e 1906), e bateu o recorde mundial de velocidade em 1904 e 1905, com um carro pioneiro na configuração de motor V-8. Mas para complicar ainda mais esta história complicada entre a França e a Inglaterra, em 1904 Darracq vende o controle de sua empresa para um consórcio inglês, que passa a se chamar “A. Darracq and Company Limited”.
O controle financeiro era inglês, mas Alexandre Darracq continuava comandando a empresa em Suresnes como diretor, como se nada tivesse acontecido, até que em 1913, depois de uma série de fracassos comerciais, é forçado a se aposentar pelo conselho inglês.
O que se segue é uma tentativa de expansão. Em 1919, compram a Talbot, e em seguida, a Sunbeam inglesa. O nome do conglomerado resultante: STD Motors (Sunbeam-Talbot-Darracq). Fisicamente, duas empresas sediadas na Inglaterra (Sunbeam e Talbot), e uma na França (Darracq).
É nesse ponto que a história das marcas se torna confusa. Carros iguais são vendidos com as três marcas, indiscriminadamente, nos dois países. Por exemplo, os Darracq fabricados na França, mas vendidos na Inglaterra, foram chamados Talbot-Darracq. Uma verdadeira bagunça, que não vale a pena detalhar demais aqui, para evitar mais confusão. O combinado STD só tem um pequeno momento de glória quando o jovem engenheiro suíço Georges Roesch se torna o diretor técnico, e começa a pôr ordem na casa, criando, por exemplo, uma nova linha Talbot inglesa de sucesso de vendas e competições, o que de quebra faz renascer o slogan “The Invincible Talbot”.
Em 1934, a STD vai à falência. Após anos de administração pouco eficiente, a empresa estava em frangalhos, apenas o braço Talbot inglês ainda solvente graças aos esforços de Georges Roesch. O grupo Rootes inglês compra a STD, juntando as três marcas às suas Hillman e Humber. Na Inglaterra, as marcas Talbot e Darracq lentamente desaparecem, e Sunbeam, um nome conhecido, permanece apenas como a marca esportiva do grupo Rootes, mas sem ligação com a empresa antiga.
Mas, e a fábrica de Suresnes? Os irmãos Rootes não têm interesse de manter o braço francês da STD, e sua fábrica para lá de ultrapassada, fundada por Alexandre Darracq em 1896. É imediatamente posta à venda, em 1934.
Um italiano entra em cena
Antonio Lago nasceu em Veneza, na Itália, em 1893. Estudou engenharia na famosa Politécnica de Milão, mas logo após se formar estoura a Primeira Guerra Mundial. O jovem Lago se dá muito bem no serviço militar, e ao fim da guerra já tinha a patente de major. Orgulhoso de seu serviço, usaria o título por toda a sua vida civil.
Após a guerra, o jovem major-engenheiro se muda para a Inglaterra, onde trabalha para a filial da marca italiana Isotta-Fraschini. Lago era um apaixonado por carros e competições, e por isso acaba por mudar de emprego em 1923, indo trabalhar como representante técnico da LAP Engineering, uma empresa inglesa que representava várias empresas italianas que fabricavam componentes para preparação de motores.
Em 1925, se muda de novo, para uma empresa interessantíssima: a Wilson Self-Changing Gear Company. A empresa fabricava a hoje famosa caixa Wilson pré-seletiva. Naqueles tempos antes dos câmbios automáticos, e antes também da popularização dos sincronizadores nos câmbios manuais, a caixa era o que de melhor existia. Epicíclica, era extremamente robusta, e operava se pré-selecionando a próxima marcha em um seletor elétrico, e acionando-a por meio de um pedal no lugar onde hoje está a embreagem. Em carros de luxo, um conforto e suavidade incríveis. Em carros esporte ou competição, era uma maneira mais rápida e menos trabalhosa de trocar marchas. E de extrema robustez; diz a lenda que poder-se-ia frear o carro em emergências acionando a ré (!!), sem que o câmbio explodisse em uma nuvem de cacos de engrenagem. Seu único senão era o altíssimo preço.
Muito da excelência desse câmbio se deve a Antonio Lago. Seu trabalho duro na empresa é recompensado com promoções, e logo ele se torna o gerente-geral da empresa. Em 1932, adquire a lucrativa licença de venda do câmbio para os mercados externos, e deixa a empresa em bons termos para trabalhar na STD Motors. Ato contínuo, a direção da empresa, preocupada com a atrofia de seu braço francês, despacha o Major Lago para colocar ordem em Suresnes.
Lago mal tinha se instalado na França, vem a notícia do colapso do conglomerado STD. O Grupo Rootes, dono do que restou da empresa, planeja liquidar os negócios na França.
Antonio Lago era naquele ponto um homem bem de vida. Não precisava, no frigir dos ovos, se preocupar com tal coisa. Certamente conseguiria outro emprego, se assim desejasse. Mas sucumbiu à doença que todos nós, entusiastas do automóvel, sofremos. Nas cinzas da STD, se viu a própria Fênix. Viu uma oportunidade de criar uma marca só sua. De criar seus próprios carros. De fazer uma equipe de competição, de subir ao pódio. Glória entre seus semelhantes. Você faria diferente?
Claro que não. O Major Antonio Lago juntou todas as suas economias, e todos os financiamentos que pôde conseguir, na Inglaterra e na França, e, sem dúvida se estendendo financeiramente até onde era humanamente possível, compra a fábrica e os direitos das marcas da STD para a França. Uma nova marca francesa, destinada a um belo lugar na história, nascia ali: Talbot-Lago.
Talbot-Lago
Lago não era bobo. O entusiasmo, acima e além da boas práticas administrativas, é o que seria seu principal defeito, porque o plano que traçou para sua nova marca era extremamente inteligente.
A fábrica era pequena e pouco automatizada. Seus produtos certamente não seriam baratos. Assim, resolve então que faria eles valessem seu preço: desenvolveria um carro de primeira linha, aprimorado com versões de competição e um programa agressivo no esporte-motor (a verdadeira paixão de Lago). O carro deveria ter um chassi que pudesse, com variações de entre-eixos, se tornar um carro de luxo ou um carro esporte. A carroceria seria uma continuidade do que já se fazia ali, mas com opção de se vender chassis para encarroçadores independentes. O câmbio, claro, seria o Wilson pré-seletivo.
Lago já sabia que, debaixo das execuções malcuidadas da STD na França, existia uma fundação boa para o que pretendia. O chassi tinha suspensão dianteira independente, e o melhor: o motor básico fabricado em Suresnes era algo que prometia. Era um seis-em-linha que até ali deslocava apenas 3 litros, e, equipado com um carburador de corpo único, não parecia nada de mais olhando de fora. Mas Lago sabia de seu potencial: tinha válvulas no cabeçote, e sete mancais, ambos raros então, e ótima fundação para aumento de potência.
Lago dá carta branca para o engenheiro Walter Becchia fazer o possível para melhorá-lo com o orçamento apertado. Becchia, obviamente entusiasmado com a tarefa, coloca já no fim de 1934 uma patente para um cabeçote com câmara de combustão hemisférica e válvulas opostas em ângulo, mas operadas pelo comando no bloco, criando talvez o primeiro motor HEMI moderno. É óbvia inspiração para os V-8 americanos com esta configuração, tanto da Ardun quanto da Chrysler.
Em pouco tempo, os seis-em-linha Talbot-Lago podiam ser comprados em várias versões, mas a mais famosa era sem dívida o 150 SS de 1937: 4 litros (90 x 104,5 mm) e três carburadores duplos Zenith 32, para uma potência de 180 cv. O 150 SS vinha com um chassi curto (entre-eixos de 2.650 mm), e foi encaroçado com o que existia de melhor e mais chocante na época.
Um grande exemplo é a famosa “gota d’água” de Figoni & Falaschi. A carroceria foi montada em alguns 150 SS antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial, e hoje são obras de arte disputadíssimas. A última vez que um deles trocou de mãos em leilão público (Monterey, Califórnia, 2010) foi a um valor acima de quatro milhões e meio de dólares.
Os Talbot-Lago eram vendidos em versões sedã também, claro, e com versões do motor de Becchia de três ou quatro litros, e até com quatro cilindros em linha. Mas logo, por seus volumes baixos e excelência das versões mais caras, as versões mais baratas vão desaparecendo aos poucos.
O Major Lago se dedica também à sua paixão por competição com vontade. A marca não tinha dinheiro suficiente para desenvolver carros de competição dedicados, e segundo ele nem era essa a intenção. A ideia aqui era que a competição melhorasse os carros de rua, e com as vitórias, os tornassem conhecidos.
Tanto monopostos para corridas de Grand Prix (hoje F-1) quanto carros esporte de dois lugares para corridas como a 24 Horas de Le Mans, foram construídos, derivados dos carros de rua. Mesmo com motores de maior taxa de compressão e comando mais bravo, os 250 cv que alcançavam não os tornariam competitivos. Mas por persistência, estratégia, e dedicação, algumas vitórias e pódios aconteceram, e a constante presença dos Talbot-Lago nas categorias de ponta davam aos carros de rua o lustre que hoje temos em poucos casos, notadamente na Ferrari e McLaren.
O pós-guerra
A nacionalidade italiana, a patente militar, e a habilidade política de Antonio Lago permitiram que ele, ao contrário de muitos outros fabricantes franceses, escapasse praticamente ileso da ocupação alemã na França durante a guerra. Ao fim do conflito, a Talbot-Lago era uma das poucas marcas prontas para continuar fazendo carros de primeira linha na Europa. Em 1945 já se podia comprar um Talbot-Lago zero-km.
Mas em seguida, já em 1946, é lançado o modelo pós-guerra que é sem dúvida o ápice da marca: o Talbot-Lago Record T26 Grand Sport. O chassi era parecido com o do pré-guerra, atualizado, e permanecia o câmbio Wilson pré-seletivo, mas o motor era praticamente novo. Foi projetado pelo italiano Carlo Machetti, visto que Becchia foi para a Citroën em 1942.
Continuava com cabeçote hemisférico e válvulas opostas, mas o acionamento era diferente. O antigo motor tinha apenas um comando no bloco, como tornado famoso depois pelo V-8 Chrysler. O novo ainda tinha comando no bloco que acionava as válvulas no cabeçote por varetas e balancins, mas agora eram dois deles, um de cada lado do bloco. Os comando eram posicionados mais altos, também, tornando todo trem de acionamento mais compacto, leve, e apto a altas rotações. Como se não bastasse, era também um seis-em-linha de cilindrada generosa: nada menos que 4.483 cm³. Dependendo da carburação, taxa, e carroceria, a potência variava de 170 a 200 cv.
O T26 GS era inimaginável em 1946. O motor era usado no T26C de Fórmula 1, seguindo a tradição de derivar os carros de competições dos de rua. Imagine isso, um motor de F-1 em seu carro de rua. Um T26 também venceria a 24 Horas de Le Mans em 1950, uma glória para o povo francês. Encarroçado com magníficas criações independentes, os T26 tinham um motor grande, torcudo, mas que girava bem e dava aquela sensação de algo especial que antes fez a Bugatti famosa. Um puro-sangue clássico.
O motor grande fazia que limusines e sedãs também pudessem ser feitos no chassi; os presidentes da França e da Tunísia, e a família real saudita, usavam limusines T26.
Com três carburadores e 200 cv, e entre-eixos curto, os T26 GS eram carros esporte imbatíveis até 1952. Mesmo hoje, 70 anos depois, é rápido e veloz o suficiente para entusiasmar qualquer um: já foram cronometrados a mais de 210 km/h, o que, combinado a suas impossivelmente belas e exclusivas carrocerias especiais francesas, fazem um carro difícil de resistir, uma coisa inacreditavelmente desejável.
O fim
Mas tudo isso duraria pouco. As vendas no pós-guerra foram pífias, 150 carros nos primeiros dois anos, 500 no melhor ano (1950), e menos de 80 daí em diante. Na França, impostos altíssimos e povo empobrecido faziam vendas quase inexistentes. Como o volante de direção foi sempre do lado direito, poucas exportações eram possíveis. Além disso, o governo exercia forte controle estatal na produção, alocando pouco material para empresas que, como a Talbot-Lago, não produziam algo “essencial” para a população.
Os gastos em competição também eram muito grandes para a pequena empresa, mas Antonio Lago não conseguia abandoná-las, achando com razão que eram parte essencial da marca, sucesso ou não. Após 1950 cada vez mais a situação se aperta e as vendas caem.
Em 1952, mesmo assim lança um novo carro esporte com carroceria mais moderna e baixa, e uma versão quatro-cilindros e 2,5 litros, 120 cv, de seu famoso motor. Em 1955, resolve acertadamente trocar o motor próprio ultrapassado por um moderno V-8 BMW de alumínio, 2,6 litros. Tentando vendas no promissor mercado americano, o carro é renomeado Talbot-Lago America. Era um carro interessantíssimo, mas acredita-se que apenas 12 carros foram fabricados até que a empresa se torne insolvente em 1958.
Henri Pigozzi, da Simca, compra o que resta da empresa. Ao tomar posse, encontra cinco ou seis Talbot-Lago America ainda não vendidos. Resolve então vendê-los, mas não sem antes montar neles (sacrilégio!) o seu V-8 de cabeçote plano de origem Ford, o mesmo que conhecemos aqui debaixo dos capôs dos Chambord. Um fim triste. O Major Antonio Lago vem a falecer logo em seguida.
A marca Talbot, então, some por muito tempo. Em 1979, a PSA Peugeot Citroën compra a Chrysler Europa, e com ela, a Simca. Desejando se desvencilhar do nome Simca, então na lama, renomeia os produtos com um nome que ainda tinha algum cachê: Talbot, claro.
Um fim triste realmente, só melhorado um pouco pelos Matras que acabaram herdando, de maneira para lá de complicada, um nome importante de um nobre inglês, tornado famoso por um major italiano, mas de alma totalmente francesa.
MAO
Para saber mais (fontes):
“The Cars of Anthony Lago” – Beverly Rae Kimes – Automobile Quarterly Vol 4 Nr 1
” The Extraordinary and Extravagant cars of Major Anthony Lago” – Dave Emanuel – Automobile Quarterly Vol 23 Nr 4