Os anos ’50
A indústria aeronáutica dos anos 1950 assistiu a ressaca da desaceleração brusca do mercado de aeronaves novas do final dos anos 1940. Com o mercado inundado de aeronaves estrangeiras e a mudança de perfil dos consumidores de aeronaves civis (passaram a demandar aeronaves de quatro ou mais lugares), a indústria nacional praticamente deixou de existir, exceto por algumas iniciativas pontuadas e patrocinadas pelo Estado.
Uma das menções que merece destaque nessa época, entretanto, é a fundação do polo aeronáutico em São José dos Campos, no Vale do Paraíba, em São Paulo. Os centros de estudos aeronáuticos brasileiros eram o Serviço Técnico de Aeronáutica (o STA, órgão que homologava as aeronaves no país) e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de São Paulo, ligado a Universidade de São (USP) e sua Escola Politécnica. Todavia, a formação dos técnicos que compunham esses órgãos era feita toda no exterior e ai viu-se a necessidade de formar mão de obra capacitada no Brasil.
Dessa forma, por um empenho pessoal do Marechal-do-Ar Casemiro Montenegro Filho, criou-se o Centro Tecnológico de Aeronáutica (CTA), atual Centro Técnico Aeroespacial para pesquisas aeroespaciais e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), instituição militar de ensino superior em Engenharia.
Para a organização dessas instituições bem como o desenvolvimento de pesquisas, o COCTA (Comissão Organizadora do Centro Técnico de Aeronáutica) trouxe para o país nada menos que Henrich Focke, criador da fábrica Focke Wulf, fabricante do legendário caça alemão FW-190.
Henrich Focke trouxe consigo um projeto seu denominado “Heliconair”, conhecido no Brasil como convertiplano. O projeto consistia numa aeronave de decolagem vertical e voo semelhante ao de uma aeronave.
Para tal possuiria asas e motores com suas hélices que rotacionavam em torno do seu eixo para que houvesse a transição do voo vertical para o horizontal, como ocorre no Bell V-22 Osprey. Todavia, o elevado custo do projeto não permitiu que esse chegasse ao estágio de protótipo, ficando apenas na parte de banco de provas de motores e conjuntos de transmissão e hélices. Embora o projeto não tenha sido bem-sucedido, a experiência de Henrich Focke acabou sendo absorvida pelos técnicos brasileiros que a aproveitaram no “Beija-Flor”, o protótipo do ITA do primeiro helicóptero fabricado no Brasil.
Na Fábrica do Galeão, depois do término dos PT-19/3FG e a tentativa fracassada de se produzir um helicóptero, no inicio dos anos 1950 o Ministério da Aeronáautica encomenda a produção seriada de 80 Niess 1-80, projetada pelo Engenheiro Marc William Niess de uma aeronave de treinamento no estilo do Paulistinha. Com a realização do projeto, a empresa dedica-se a produção dos Fokker S-11 e S-12, de bequilha e triciclo, respectivamente, aeronaves de treinamento primário para a Força Aérea Brasileira, um projeto que devido a problemas econômicos da Fokker, fabricante da aeronave e questões políticas brasileiras, sofreu diversos atrasos.
O engenheiro-chefe para o Fokker era o holandês Antoni Balder, pai do nosso amigo Jan Balder, que se mudou em definitivo para o Brasil com a família.
Outra iniciativa que somente saiu do papel graças à chancela do Ministério da Aeronáutica foi a Sociedade Construtora Aeronáutica Neiva, constituída por José Carlos de Barros Neiva e Arnaldo Araújo Azevedo.
Neiva era um construtor de planadores no Rio de Janeiro, concebendo os famosos modelos Neiva BN-1 (monoplace) e o modelo B-Monitor (biplace), recebendo algumas encomendas do Ministério da Aeronáutica.
Com a necessidade de se construir novos aviões de treinamento primário a serem fornecidos aos aeroclubes, Neiva se associou a Arnaldo Araújo Azevedo, proprietário da oficina de aeronaves Omareal em Botucatu, e fundaram a Sociedade Construtora Aeronautica Neiva S.A., que por intermédio do Ministério da Aeronáutica, adquiriu os direitos de produção do Paulistinha, reiniciando sua produção seriada.
Naquela época o Ministério da Aeronáutica buscava adquirir novas aeronaves para reequipamento dos aeroclubes: a despeito da Campanha Nacional de Aviação da década anterior, a Diretoria de Aviação Civil (DAC) necessitou adquirir aeronaves para os aeroclubes uma vez que muitas delas já haviam sido sucateadas e perdidas. Os Niess 1-80/5FG foram produzidos em números insuficientes e anos antes, em 1951, o DAC adquirira da Piper Aircraft 80 aeronaves do modelo PA-18, que já tinha flapes.
A Neiva então produziu cerca de 240 Paulistinhas de todas as versões (B – com motor Lycoming O-235 de 100 hp, C, com Continental C-90/O-200 de 100 hp e algumas poucas versões D com motor Lycoming 0-320 de 150 hp, além de algumas aeronaves destinadas a pulverização de plantações. Consta a produção de 270 aeronaves no total.
Houve tentativas fracassadas de se produzir aeronaves de pequeno porte no país na década de 1950, entretanto nenhuma chegou a ser efetivamente concretizada.
Década de 1960
Os anos ’60 foram épocas de transição para a indústria aeronáutica brasileira. Acostumada a produzir aeronaves com estrutura de asas em madeira e tubos de aço soltados e entelados, a Força Aérea já exigia aeronaves totalmente metálicas e é neste contexto que a Sociedade Construtora Aeronáutica Neiva teve que abandonar o então método construtivo e partir para as aeronaves 100% metálicas. Neste contexto, inicia-se os projetos do Universal T-25 e do Regente.
O T-25 Universal é uma aeronave concebida como treinador avançado de pilotos, como um potencial substituto aos antigos North American T-6 empregados pela Força Aérea Brasileira. Dotada de um motor Lycoming IO-540 de 300 hp, o Universal recebeu uma encomenda de 150 unidades embora tenham sido entregues 135.
O Regente, por sua vez, consistia numa aeronave leve, de ligação, externamente semelhante ao Cessna 172, adquiridos para substituir os Piper L-4 (versão militar do Piper Cub) e os Paulistinhas. A versão ELO (Esquadrão de Ligação e Observação) do Neiva Regente possuía vigia traseira rebaixada para observação de tiro e entrou para substituir os Cessna L-19 Bird Dog. A Neiva tentou conquistar o mercado privado com seu Regente, no entanto o mercado acabou preterindo-o pelas aeronaves Cessna, mais tradicionais e conhecidas.
Outra empresa que surge no mercado Brasileiro é a Sociedade Aerotec, em 1962, idealizada por Carlos Gonçalves, Michel Cury e Wladmir Carneiro. A empresa dedicou-se inicialmente, ao projeto do A-122 Uirapuru.
O Uirapuru é uma aeronave de asa baixa, biplace lado a lado, dedicada a instrução primária, que voou pela primeira vez em 1965. Inicialmente dotada de um motor Lycoming O-235 (3,8-L) de 108 hp, foi comercializado com o modelo O-320 (5,25-L), com 130 aeronaves produzidas para a Força Aérea Brasileira e para outros países da América do Sul como Paraguai e Bolívia. O Uirapuru chegou ao mercado no momento em que a Força Aérea Brasileira planejava a aposentadoria dos Fokker S-11 e S-12 produzidos na Fábrica do Galeão.
O avião surgido antes da fábrica
Em 1965 o Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento (IPD), órgão ligado ao CTA iniciou as especificações do projeto do IPD6504, uma aeronave bimotor especialmente planejada de acordo com um estudo sobre o tráfego aéreo de passageiros no Brasil. Naquela época ainda se empregava o Douglas DC-3 em linhas regionais graças à sua disponibilidade no mercado de segunda mão, mas já havia a necessidade de pensar em um substituto para o Douglas.
Para o projeto, o engenheiro francês Max Holste foi convidado para integrar a equipe de desenvolvimento e dessa equipe saiu, em 1968 o primeiro protótipo do IPD6504 que viria a ser batizado de Bandeirante. Max Holste, entretanto, só esteve presente em uma parte do projeto.
A fabricação do Bandeirante, no entanto, era algo que gerava dúvidas: investidores privados não se arriscariam a colocar dinheiro em um projeto de retorno duvidoso e a solução encontrada para tal foi a criação da Embraer (acrônimo de Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A.), num arranjo financeiro que contou inclusive com a dedução de um porcentual de imposto de renda a ser pago pelas empresas. Dessa maneira, surge em 1969 a Embraer. O grande artífice para a viabilização do Bandeirante foi um coronel-aviador da Aeronáutica e engenheiro do ITA: Ozires Silva. Graças a ele o Bandeirante “virou verdade”, assim como a própria Embraer.
Para a produção do Bandeirante, no entanto, o projeto original sofreu modificações em virtude das demandas do mercado. Assim, a aeronave inicialmente concebida para 12 ocupantes teve de ser reprojetada para comportar 15 ocupantes e já na versão EMB 110C, começa a sua operação na Transbrasil em 1973.
O Bandeirante veio acompanhado de um outro projeto bem-sucedido e necessário para o mercado brasileiro, o Ipanema, uma aeronave monoplace, na época com motor Lycoming O-540 de 8,85-L e 260 hp, projetado para missões de pulverização agrícola. Naquela época as aeronaves de pulverização agrícola eram os Paulistinhas adaptados e alguns Pipers PA-18, e o mercado necessitava de uma aeronave específica para tal finalidade.
Junto com o Bandeirante e o Ipanema, ainda em 1970, veio a necessidade da Força Aérea Brasileira substituir os Lockheed AT-33. O modelo escolhido foi o italiano Aermacchi MB-326 e para a fabricação dessa aeronave, a Embraer fez um acordo inicialmente para a montagem e a gradual nacionalização da aeronave visando atender a uma encomenda de mais de uma centena de aeronaves.
Os Piper montados no Brasil
Dentro de uma política de substituição do produto importado pelo similar nacional, a Embraer firmou, em 1974, um contrato de montagem dos monomotores Piper aqui no Brasil. E para reforçar ainda mais, as importações de aeronaves de pequeno porte de outros países foi dificultada de sobremaneira, o que praticamente fechou o mercado brasileiro para aeronaves estrangeiras.
As aeronaves selecionadas foram os modelos PA-28R-200B Cherokee Arrow (Corisco), PA-28-235 Cherokee Pathfinder (Carioca), PA-31-300 Navajo, PA-32-260/300 Cherokee Six (Minuano), PA-32R-300 Cherokee Lance (Sertanejo) e PA-34-200T Seneca. A essa lista posteriormente foi adicionado o PA-28-181 Archer (Tupi).
Essas aeronaves vinham em kits dos Estados Unidos e eram inicialmente montadas pela Embraer e pelaNeiva, e em Botucatu, que era subcontratada da Embraer para a montagem. Posteriormente toda a montagem dessas aeronaves passou para Botucatu já sendo a Neiva uma subsidiária da Embraer.
O final dos anos 70, a década de 1980 e 1990
Como subcontratada da Embraer, a Neiva no final dos anos de 1970 lutava para se manter funcionando. O projeto Universal T-25 já estava no fim e a empresa lutava com o modelo Lanceiro, a versão civil do Regente, todavia sem grande sucesso. Com dificuldades cada vez maiores, em 1980 a Neiva fora adquirida pela Embraer ficando encarregada de produzir em sua unidade de Botucatu, a linha leve Piper e o Ipanema.
Também datam do final dos anos de 1970 os projetos Xingu e Tucano. O Xingu é um bimotor turbo-hélice para 10 passageiros e sua primeira encomenda foi feita para a Força Aérea Brasileira visando atender o GTE – Grupo de Transporte Especial dedicado ao transporte de autoridades governamentais. Foram produzidas 107 aeronaves.
O Tucano, por outro lado, foi concebido como um avião de treinamento avançado visando ser uma aeronave de transição entre o treinamento básico e os jatos. Visando substituir os jatos de treinamento Cessna T-37, o projeto Tucano oferece diversas características dos treinadores a jato, talvez a principal delas os bancos ejetáveis e a manete única no estilo dos comandos de motores de jatos com a economia do turbo-hélice. De uma encomenda inicial de 118 aeronaves, a Força Aérea acabou adquirindo 168 aeronaves, além de diversas outras vendidas a diversas armadas de outros países, entre elas França e Inglaterra.
No segmento civil, a Embraer vendeu inúmeros Bandeirantes às principais companhias aéreas brasileiras, uma vez que o mercado era praticamente fechado e havia uma certa exclusividade do Bandeirante. Dessa maneira com a implantação do SITAR (Sistema Integrado de Transporte Aéreo Regional), as “4 grandes” companhias aéreas (Varig, Vasp, Transbrasil e Cruzeiro) deixaram de operar voos regionais deixando para as empresas Rio-Sul, TAM, Votec, Nordeste Linhas Aéreas e Taba a exclusividade de operação em voos regionais, cada qual em sua região do país.
Na primeira metade dos anos de 1980, dois grandes projetos são desenvolvidos pela Embraer: O AMX e o regional Brasília.
O AMX é um projeto ítalo-brasileiro desenvolvido pelas italianas Aeritalia e Aermacchi e pela Embraer, cada uma com um terço do projeto de uma aeronave de ataque monoplace a jato subsônica. Cerca de 200 aeronaves foram produzidas e são operadas pelas forças aéreas italiana e brasileira.
O Brasília foi um projeto de aeronave regional, para 30 lugares, assumindo a posição do Bandeirante como aeronave regional de passageiros. Voou pela primeira vez em 1983 e em 1985 entra em operação na empresa regional norte-americana ASA – Atlantic Southeast Airlines, tendo adquirido um bom sucesso comercial em especial no exterior.
E embora o sucesso do Brasília tenha sido patente, a segunda metade da década de 1980 e o inicio dos anos de 1990 foi marcado pela crise na indústria aeronáutica brasileira como um todo: A Sociedade Aerotec sem conseguir vender o seu A-144 Tangará (uma aeronave de características semelhantes ao Uirapuru) ao Ministério da Aeronáutica, deixa de existir em 1987 e a própria Embraer passa a ter problemas orçamentários além de investir em grandes projetos do ponto de vista técnico e alguns deles com retorno duvidoso.
O EMB-123 Vector, por exemplo, foi uma aeronave que surgiu para ser o substituto do Bandeirante na categoria de 19 lugares. Em um contexto político de cooperação entre Brasil e Argentina, o governo brasileiro acabou selando uma parceria com a FMA (dois terços Brasil, um terço Argentina) e o resultado foi uma aeronave elegante, com a seção dianteira e fuselagem semelhante ao do Brasília, e talvez inspirado nos propfans propostos na década de 1980, tinha dois motores turbo-hélice na parte traseira da aeronave, impulsionando hélices propulsoras.
Do ponto de vista técnico foi uma aeronave perfeita, avançadíssima tecnologicamente no quesito de sistemas de gerenciamento, além de uma aerodinâmica refinada que permitia a aeronave voar a mais de 500 km/h. O mercado, no entanto, nunca fora favorável a uma aeronave tão refinada e cara: para voos regionais e de curta distância para apenas 19 passageiros, e a demanda por aeronaves do porte do Vector era nula, com muitas opções mais baratas, tanto no mercado de aeronaves novas como o Beech 1900, quanto de aeronaves usadas, sofrendo ai concorrência do próprio Bandeirante.
O EMB-145, projetado como o primeiro jato de passageiros para 45 pessoas da Embraer também sofreu atrasos e uma gestação complicada. Nesta mesma época de Embraer estatal em crise, do final dos anos de 1980 e inicio de 1990, a empresa propôs uma aeronave a reação com muitos componentes comuns ao Brasília (fuselagem e seção dianteira).
Seria um jato bimotor, entretanto a equipe de projetos encontrou problemas nos dois primeiros layouts escolhidos, o primeiro com dois turbofans sobre as asas (não oferecia o rendimento aerodinâmico desejado) e o segundo numa configuração de motores sob as asas (requeria um trem de pouso mais alto).
Acabou prevalecendo a solução ortodoxa com a colocação dos motores na parte traseira da aeronave, e em meio a uma enorme crise financeira da empresa e a perspectiva de sua privatização o projeto 145 foi evoluindo e o impulso definitivo se deu com sua desestatização, em dezembro de 1994. Em agosto de 1995 a aeronave fez seu primeiro voo para se tornar o primeiro jato de sucesso comercial do país.
Os empreendimentos menores
Apesar de não existirem mais a Neiva e a Sociedade Aerotec, o Brasil ainda possui alguns fabricantes de pequeno porte, construtores de ultraleves e modelos experimentais.
São fabricantes de aeronaves fora de série, planadores e ultraleves, produzindo aeronaves das mais diversas características, desde pequenos modelos com motor Volkswagen boxer arrefecido a ar, até aeronaves agrícolas, e o IPE-10, uma réplica do mundialmente famoso Mudry CAP-10 (uma aeronave francesa sem qualquer relação com a Companhia Aeronáutica Paulista).
O mercado de aviões leves novos no Brasil e no mundo hoje é muito menor do que foi na década de 1970. Entretanto o desejo de voar e o entusiasmo pelo voo fascina e mantém viva a chama de construir uma “máquina voadora” nacional, a mesma chama que impulsionou muitos empreendedoras a se aventurarem na indústria automobilística e criar o carro legitimamente brasileiro.
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