“I can’t dance, but I can certainly do the next most complicated thing with my feet, which is operating a clutch. I’ll be damned if I going to give up that function. You’ll have to pry that four speed shifter out of my cold, dead hands.”
Traduzindo: “Eu não danço, mas certamente faço a segunda coisa mais complicada com meus pés, que é operar uma embreagem. Eu estarei condenado se tiver que desistir dessa função. Você vai ter que arrancar aquela alavanca de câmbio de quatro marchas das minhas frias, mortas mãos”.
Essa é apenas uma das frases ótimas que Tom Cotter deposita nesse livro, publicado em maio desse ano. Várias de minhas resenhas são sobre livros lançados há um certo tempo, mas esse aqui é diferente, novinho.
Muita gente conhece Tom Cotter do canal do YouTube, Barn Find Hunters, em que ele busca carros antigos por endereços americanos. Mas Cotter já fez muito antes disso, sendo dono de uma agência de publicidade que trabalhou por décadas com equipes de corrida e categorias de automobilismo americano. Há também outros livros dele dedicados ao tema dos barn finds, sempre junto com o fotógrafo Michael Alan Ross. Este, é o quinto, e o título completo é Ford Model T Coast to Coast. A Slow Drive Across a Fast Country (Ford modelo T de costa a costa. Uma viagem lenta através de um país veloz).
Nessa obra Cotter e Dave Coleman (ex-dono do carro) cruzam os Estados Unidos de Nova York a San Francisco pela Lincoln Highway, a primeira estrada a ir de uma costa a outra dos EUA, inaugurada em 1913. O carro escolhido não é de nenhum dos dois, mas sim de Nathan Edwards, que o comprou de Coleman há alguns anos, e foi muito bem escolhido, pois é o carro que deu rodas ao mundo, tendo feito agora 110 anos de seu lançamento. A estrada tem mais de 100 anos, mas não foi toda feita ao mesmo tempo, sendo uma conclusão de unir vários trechos já existentes com a construção de outros.
Para a viagem, contaram com um carro de apoio, um Ford Escape dirigido por Michael, o fotógrafo e cinegrafista, que seguia atrás do T sinalizando algum possível problema, uma parada em local inseguro, ou apenas dando cobertura em locais onde os limites de velocidade eram mais altos e o T se tornava um empecilho ao fluxo. Mas não ocorreram problemas desse tipo, já que o carro andava bem, mais de 80 km/h facilmente, chegando a 102 km/h na maior velocidade aferida por GPS.
Não era um motor original com seus 20 hp (20,3 cv), mas sim equipado com o cabeçote Rajo, que é totalmente diferente do original. Neste, que tem válvulas laterais trabalhando “de cabeça para baixo”, o fluxo da mistura perdia muita energia na curva em L que tinha que fazer para entrar no cilindro. Com o cabeçote Rajo, as válvulas ficavam sobre a câmara de combustão, como em quase todos os carro de hoje em dia, e a potência dobrava, 40 hp (40,6 cv).
Também tem pistões de alumínio em vez de ferro fundido, muito mais leves, com maior cabeça, aumentando a taxa de compressão dos originais 3,6 para 5,1:1. Sendo mais leves, têm menor inércia e fazem as rotações subirem mais rápido. Também ficaram no passado o distribuidor e o dínamo, substituídos por ignição eletrônica e alternador.
Porém, os rolamentos de roda são originais, ao que se sabe nunca trocados no carro com 92 anos (feito em 1926), mas outras coisas foram modernizadas, como rebaixamento da carroceria, montando os eixos sobre as molas, e não debaixo delas. Há também freios a disco na frente — o “T” nem freio dianteiro tinha. Isso tudo fez o carro cruzar a mais de 80 km/h, cerca de 20 km/h acima de um carro original.
Cotter e Dave Coleman viajaram sem pressa, mas mantendo boas médias para um carro tão antigo, e mostram uma vida diferente longe das rodovias federais, as interestaduais, que têm regras feitas para o trânsito fluir bem, como pontos de apoio afastados da pista, para minimizar a interferência no fluxo. Mais ou menos o que se fala muito na animação “Carros”, da Pixar, onde o personagem Lightning McQueen se perde na interestadual a vai parar em uma cidadezinha que se viu encolhendo com o tempo.
O subtítulo do livro é exatamente um convite a apreciar os locais e caminhos mais tranquilos e humanos ao longo de estradas menores, e a Lincoln Highway foi a escolhida. Ela começa na Times Square no centro de Nova York, em um local onde não há mais acesso a carros, sendo apenas para pedestres. O final é em um parque ao lado da ponte Golden Gate, em San Francisco, Califórnia.
Com a distância, vai-se descobrindo lugares agradáveis de todos os tipos, como hotéis, restaurantes, paisagens, pontos históricos e atrações de vários outros tipos, algumas boas e outras nem tanto, como restaurantes que são até bem conhecidos, tem boa comida, mas não se destacam por aparência ou limpeza.
No total, 5.965 quilômetros, iniciados e finalizados com o ato tradicional de molhar os pneus do “T” na água do Atlântico e depois do Pacífico, atravessando 13 estados em 14 dias e meio, a uma média de 84 km/h. Calor e frio, altitudes consideráveis em locais montanhosos, a sorte de não ter ar-condicionado e poder sentir os cheiros pelo caminho, pela manhã a manutenção constante de um carro antigo, que mesmo com algumas modificações, ainda precisa de água no radiador todos os dias, óleo no motor e lubrificação do cardã e articulações das suspensões. Pura diversão, para quem gosta, e nada diferente de falar bom dia para uma pessoa com quem se convive. Tratamento com educação.
Não houve nenhum problema com o carro, apenas gasolina acabando em duas ocasiões, apenas porque não há marcador de nível do tanque. Um tubo de PVC era o medidor, que forçava uma parada para ser colocado no tanque e ver quanto ainda havia. Uma regra de andar por três horas e parar para abastecer foi criada depois da primeira pane seca, mas a segunda ocorreu devido a um longo tempo andando contra vento forte, com o pé quase no fundo, que aumentou bastante o consumo.
O livro tem 224 páginas com dezenas de fotografias de alta qualidade de Michael Alan Ross, e vai deixar o leitor satisfeito.
Veja um pequeno vídeo sobre a viagem, abaixo.
JJ