Ainda com aquele grande vazio na boca do estômago pela perda do grande amigo Roberto Nasser, reproduzo aqui um “conto” do meu livro “Sorvete de Graxa”, cujo personagem era exatamente o José Roberto Nasser da Silva, aqui disfarçado em José Robson Najar da Silva. As aspas do conto se justificam pois os fatos realmente ocorreram e eu estava ao seu lado na Alemanha. Foi apenas mais uma passagem hilária, com um amigo que me proporcionou milhares de risos e gargalhadas. Alguém que conseguia unir com maestria o bom humor e a ironia com uma cultura erudita sobre carros e sobre a vida.
Tento com isso passar dessa enorme tristeza pela sua saída elegante deste mundo (bem à francesa, sem avisar) para uma fase de gratidão. Gratidão por ter sido brindado por essa amizade por mais de três décadas, convivendo com um amigo para o qual todos os adjetivos são poucos.
Que o Todo-Poderoso (seja Deus ou Allah) te receba com festa, alegria e muito vinho. Obrigado, Zé Roberto, obrigado por tudo. E obrigado ao Destino por a gente ter se visto, mais uma vez, três dias antes de sua partida, no Salão do Automóvel. Qualquer hora a gente se encontra.
Josias Silveira
PRÍNCIPE
Todo jornalista que se preza usa dois nomes. Nada de quatro, cinco nomes, como a família real. Só dois. Geralmente se cortam os sobrenomes intermediários e Robson Najar não era uma exceção. Aliás, para ele foi uma alívio, já que seu nome completo era José Robson Najar da Silva. O “José da Silva” realmente não combinava com sua figura imponente. Barba grisalha, bigodes longos penteados para os lados a lá D. Pedro, gravata borboleta ou um foullard (aquele lenço meio gay amarrado no pescoço) e um paletó de botões dourados com um brasão de família no bolso. Tudo completado por um linguajar empolado, cheio de palavras difíceis, ao escrever.
— Cara, este brasão no paletó é da tua família?
— Claro que não. Comprei numa liquidação em Londres. Mas impressiona, não acha?
Fazendo o gênero “príncipe brasilis”, Robson era uma figura, apaixonado por carros e antiguidades, um personagem carimbado e tarimbado no meio dos jornalistas especializados em automóveis.
E mantinha sua pose, com seus óculos redondos e suas botinas sempre brilhantes.
Chegada dos jornalistas brasileiros em Frankfurt na Alemanha para o grande Salão europeu, numa excursão organizada pela ANFAVEA, associação dos fabricantes de automóveis brasileiros. Depois de mais 10 horas de voo em classe econômica, todo mundo quer um quarto para tomar um banho e cair na cama, tentando vencer a diferença de fuso horário.
No balcão do hotel, 30 jornalistas esperam um cartão magnético e um número de quarto para descansar. Todos vão sendo chamados e, como sempre, sobram dois ou três. A reserva não chegou , o nome está errado… imaginem os alemães copiando nomes brasileiros.
Robson é um dos que sobraram, junto com outros três jornalistas. O alemão da recepção do hotel procura que procura e vai dizendo nomes errados (ou mal pronunciados), que cada um vai corrigindo. Ou não. O importante é ter um quarto.
Finalmente fica só Robson. O alemão olha a ficha e pergunta:
— Herr José da Silva?
Robson quase esquece sua elegância de realeza:
— Zé da Silva é puta que vos pariu. Eu sou o Robson Najar.
O “quase” de elegância mantida pelo Robson fica pelo pronome “vós”, já que um nobre não mandaria um alemão simplesmente “à puta que pariu”.
Deu rolo. O “Zé da Silva” não fazia nenhum sentido para o alemão. Já o “puta” tinha uma vaga lembrança (inclusive de outras línguas latinas) e o germânico sabia que não era bom. O pior foi a entonação de Robson que não deixou nenhuma dúvida de que era um palavrão. E dos bons.
Foi um nó convencer o alemão de não era legal se chamar “Zé da Silva” no Brasil, ainda mais para uma monárquica figura como a do Robson.
E até hoje não se sabe quem foi o sacana que fez a reserva em nome de Zé da Silva.
JS