Não é todo dia que se pode ver uma lenda viva como Chuck Yeager, o primeiro piloto da história a romper a barreira do som, hoje com 95 anos de idade. O avião era o Bell X-1, mostrado em voo na foto acima. Pois eu vi Chuck Yeager, foi durante uma partida de futebol americano no AT&T Stadium, em Dallas, Texas, em novembro último. Naquele momento a emoção foi tão forte que resolvi escrever e compartilhar a história desse notável piloto no AUTOentusiastas, e agora mais apropriadamente agora também no AEROentusiastas. Ei-la, portanto.
Durante a faculdade, por volta de 1987, li uma biografia marcante sobre um personagem de primeira grandeza da história da aviação. O livro era:” Voando nas alturas” (Leo Janos, Chuck Yeager, 1986, Ed. Best Seller), que conta a história de Charles Elwood Yeager, mais conhecido como Chuck Yeager.
Chuck Yeager nasceu em 13 de fevereiro de 1923, em Myra, West Virginia. Durante sua adolescência era um estudante mediano e se interessava mais por caça e pesca do que por seus estudos. Sua habilidade excedia a média no que requeria conhecimentos matemáticos, coordenação motora ou destreza manual. Seu pai possuía negócios de perfuração de gás natural e o jovem Chuck ficava fascinado com geradores, bombas e reguladores de pressão.
Ainda jovem, ele ajudava seu pai a reparar sistemas complexos. O mesmo valia para a picape que seu pai usava. Nesta época ele já conseguia desmontar, revisar por completo e montar motores Chevrolet. Yeager concluiu o ensino médio em junho de 1941, seis meses antes dos EUA entrarem na Segunda Guerra Mundial em seguida ao ataque-surpresa japonês à Base Aeronaval de Pearl Harbor, nas ilhas havaianas, na manhã de 7 de dezembro daquele ano..
Em setembro de 1941, com 18 anos, ele se alista na Army Air Corps, a Força Aérea do Exército (a força aérea ainda não era uma arma separada). Yeager estava servindo como chefe de equipe do avião AT-11, denominação militar para o Beech 18, quando foi selecionado para treinamento de voo, em julho de 1942. Adquiriu suas asas em março de 1943. Ele se juntou ao 363° Esquadrão de Caça como oficial não comissionado, na Base Aérea de Tonopah, Nevada. Neste local, o recém-formado piloto aprendeu táticas de combate no Bell P-39 Airacobra.
O 363° Esquadrão fazia parte do 357° Grupo de Caça, o qual se mudou para Santa Rosa, Califórnia, em junho de 1943. Dois meses depois, o calendário de treinamentos os levaram para Oroville, Califórnia. Quando lá chegaram, Yeager e outro oficial foram incumbidos de organizar algum entretenimento. Eles foram até um escritório local da USO (United Services Organizations) e Yeager perguntou para a jovem e atraente diretora social, chamada Glennis Dickhouse, se ela podia organizar um baile para o esquadrão naquela noite. Ele acrescentou que era para convidar 29 garotas ao invés de 30, pois ele tinha a intenção de levá-la ao baile…
O evento foi um sucesso, e após promessas de se corresponderem, logo depois de Yeager receber de Glennis uma fotografia sua, se casaram. A lua–de-mel foi breve: o 357° Grupo de Caça embarcou no Queen Elizabeth pouco antes do Natal de 1943 com destino a uma pequena cidade na costa leste da Inglaterra.
O Grupo foi inicialmente designado para a 9ª Força Aérea, mas uma vez na Inglaterra eles foram realocados e se tornariam a primeira unidade na 8ª Força Aérea a empregar o novo caça North American P-51 Mustang. Um avião elegante, rápido e altamente manobrável, que foi da prancheta à linha de voo em apenas 116 dias, o Mustang tinha autonomia suficiente para escoltar os bombardeiros até a Alemanha, o que iria mudar a maré da guerra na Europa. O P-51 tinha dois tanques externos de combustível de 406 litros, um montado embaixo de cada asa. Os pilotos do 357º Grupo iriam cortar os céus da Alemanha.
A primeira missão de combate do Grupo foi realizada em 11 de fevereiro de 1944. O Oficial de Voo Chuck Yeager conseguiu sua primeira vitória aérea algumas semanas depois, em 4 de março, quando ele abateu um Messerschmitt Me-109 durante um reide de bombardeiros B-17 sobre Berlim. Mas, como ele logo aprendeu, a sorte pode mudar rapidamente em tempo de guerra.
No dia seguinte, 5 de março de 1944, Yeager foi derrubado ao tentar fazer um passe de frente em um grupo de Focke-Wulf FW-190 durante uma incursão em Bordeaux, na França. Saltar sobre a França ocupada era arriscado. Mesmo que chegasse ao chão inteiro, Yeager sabia que suas chances de evitar as patrulhas alemãs eram pequenas. Ele esperou até o último momento possível para abrir o paraquedas, depois examinou o chão quando desceu, percebendo que se encontrava em uma área de floresta. Yeager enrolou o paraquedas e se escondeu na mata fechada.
Na manhã seguinte, quando um lenhador francês andava pela área, Yeager, armado com sua pistola, aproximou-se. Seu objetivo agora era evitar ser capturado a todo custo e abrir caminho para a Espanha neutra. Ele precisava da ajuda do submundo francês para ter sucesso.
O surpreso lenhador não falava inglês, mas entendia que o jovem piloto precisava de ajuda. Logo, Yeager estava sob os olhos atentos do Maquis, o movimento de resistência francês. Ele passou as semanas seguintes viajando com os maquis pelo interior da França. Ele mostrou-lhes como definir vários ajustes para fusíveis em explosivos plásticos, algo que ele havia feito anos antes com seu pai, nos campos de gás natural.
Em 23 de março de 1944, Yeager e outros três pilotos americanos abatidos foram levados para a borda das montanhas dos Pireneus, entre a França e a Espanha. Uma vez do outro lado, os homens estariam em território neutro.
Yeager e um navegador de B-24 fariam a jornada juntos. Depois de quatro dias de escalada constante através da neve até os joelhos e de um vento implacável e gelado, os homens estavam exaustos. Eles encontraram uma cabana abandonada e decidiram descansar um pouco. O navegador pendurou as meias molhadas num arbusto do lado de fora da cabana, um grave erro:
Yeager foi acordado pelo som de balas atingindo a cabana. Uma patrulha alemã havia passado, visto as meias e começado a atirar. Os dois homens saíram pela janela dos fundos.
Seu companheiro havia se ferido e Chuck jogou-o morro abaixo escorregando na neve, pulando atrás dele. Ambos acabaram em um riacho, a muitos metros abaixo da cabana. Uma vez na margem, Yeager cuidou do ferimento do navegador, que felizmente não era tão grave.
Frio, molhado, faminto e com cada músculo do corpo dolorido, Yeager avançou. Ele não parou por medo de adormecer e deixar seu companheiro ferido desprotegido. Finalmente, e quase sem perceber, Yeager chegou ao topo. Lá longe ele podia ver uma estrada. Ele empurrou o companheiro inconsciente pela encosta e seguiu atrás. Yeager deixou seu companheiro ferido ao lado da estrada, onde as patrulhas de fronteira poderiam encontrá-lo, e continuou para o sul. Agora na Espanha, ele logo teria que se entregar às autoridades.
Após um piloto ser abatido sobre território inimigo, caso ele conseguisse retornar de forma segura para um país aliado, ele era levado de volta para casa, com sua missão de combate cumprida. Isto era para evitar que segredos de grupos de apoio aos aliados fossem revelados às tropas alemãs.
Mas Yeager e outro piloto chamado Fred Glover decidiram solicitar reintegração aos grupos de caça e tiveram uma audiência com o Comandante-em-Chefe Aliado na Europa, o General Dwight Eisenhower, em 12 de junho de 1944, seis dias após o Dia D, o massivo desembarque das forças aliadas nas praias da Normandia..
General Dwight Eisenhower nos preparativos para o Dia D, 6 de junho de 1944 (Foto: Youtube)
Eisenhower consentiu que os dois pilotos voltassem as missões, o que permitiu que a habilidade de Yeager como piloto fosse demonstrada nos meses subsequentes. Entre as qualidades de Yeager, sobressaía sua incrível visão, capaz de avistar uma esquadrilha inimiga muito antes de seus alas e antes do próprio inimigo. Na época em que os combates aéreos (dogfights) eram feitos em condições visuais, com cada piloto tentando posicionar a aeronave em posição de tiro contra o adversário, antecipação podia ser a diferença entre a vida e a morte.
Suas habilidades e liderança em combate ficaram evidentes em 12 de outubro de 1944 quando Yeager, voando um P-51D batizado Glamorous Glennis III, abateu cinco Me-109, tornando-se o primeiro de seu grupo de caças a se tornar um Ás em um único dia. Ele terminou a guerra com 11,5 vitórias confirmadas, incluindo uma contra um Messerschmitt Me-262, o primeiro caça operacional a jato da história. Sua última missão foi voada no dia 15 de janeiro de 1945 e em fevereiro ele estava de volta para casa, onde sua esposa Glennis o aguardava desde alguns dias antes do Natal de 1943..
Toda essa experiência pouco comum como piloto de caça no maior conflito da História, e tendo sobrevivido após ter sido abatido sobre território ocupado pelo inimigo e depois reconduzido ao combate, já seria suficiente para um livro de memórias recheado de lembranças marcantes. Mas sua biografia ainda teria capítulos mais emocionantes.
Após o fim da guerra, Yeager permaneceu engajado na Força Aérea do Exército, sendo designado Oficial Assistente de Manutenção na Divisão de Testes de Voo de Wright Field, em Ohio. Ele estava no lugar certo, no momento certo. Wright Field era o centro de pesquisa e desenvolvimento da Força Aérea do Exército. Sua atribuição era a de testar todas as aeronaves saídas de manutenção, o que o levou a voar todos os caças possíveis na linha de voo. Yeager demonstrou tanta habilidade que foi selecionado para voar em shows aéreos, e em setembro de 1945, ele fez seu primeiro voo para a Base de Muroc, atual Base Aérea de Edwards.
Foi lá que ele fez vários voos de avaliações aceleradas no Lockheed P-80 Shooting Star, o primeiro caça a jato operacional dos EUA. Yeager estava entre os poucos pilotos selecionados para a escola de pilotos de testes, em Wright Field, onde começou em janeiro de 1946. Como Yeager tinha apenas o ensino médio, teve algumas dificuldades especialmente com aerodinâmica avançada, mas conseguiu se formar.
Estava em andamento o projeto da Força Aérea do Exército, em conjunto com a Bell Aircraft, de um avião capaz de ultrapassar pela primeira vez na história, a barreira do som. Com as limitações da época para pesquisa e desenvolvimento especialmente em aerodinâmica, o Bell X-1 fora projetado de forma similar à de um projétil de arma de fogo 0.50, que era capaz de superar a barreira do som. O X-1 parecia uma bala com asas, pintado na cor laranja e equipado com quatro motores-foguete.
O piloto de testes da Bell, Chalmers “Slick” Goodlin, pediu a quantia de US$ 150.000,00 (quase 2 milhões de dólares nos dias de hoje) para quebrar a barreira do som. Então, o chefe da divisão de testes da Força Aérea, Coronel Albert Boyd, selecionou Yeager para o projeto. Ele justificou sua escolha por considerar Yeager o piloto mais instintivo que ele havia conhecido.
Os primeiros três voos no X-1, que era lançado em voo do compartimento de bombas de um B-29, modificado, foram voos planados, sem motor, para Yeager conhecer as reações da aeronave. Yeager achou o X-1 dócil e manobrável. A seguir, em 29 de agosto de 1947, iniciaram os voos com acionamento dos motores-foguete, um por vez, em que as velocidades foram aumentando gradualmente, Mach 0,85; 0,92…
Perto da Nase Aérea de Muroc não havia muita diversão disponível, a não ser frequentar o bar de Pancho Barnes, amiga de Yeager e de vários outros pilotos, e andar a cavalo, o que Yeager gostava de fazer com a esposa Glennis. Num desses passeios, ele caiu e fraturou uma costela. Após uma tentativa de enfaixamento por médico local, Yeager sentia dores e precisou pedir ajuda a seu amigo, engenheiro e também piloto de testes, Jack Ridley.
Após entrar na cabine do X-1, também batizado “Glamorous Glennis”, que estava dentro do compartimento de bombas do B-29 já em voo, Yeager não conseguiria fechar a escotilha devido às dores que sentia. Ele pediu que fosse confeccionada uma alavanca, para dar condições de ele fechar com a mão do lado oposto por onde ele entrava, onde sentia menos dores. Ridley olhou uma vassoura e serrou parte do seu cabo e Yeager o escondeu em seu macacão…
Então, no voo de 14 de outubro de 1947, após Yeager ligar o último motor-foguete, o ponteiro do indicador de velocidade Mach, após oscilar perto de Mach 0,97, saiu de escala. A equipe de solo ouviu um som que acharam ser um trovão distante. Na verdade, ouviram o primeiro estrondo sônico da história.
A história do primeiro voo supersônico e das atividades espaciais subsequentes estão registradas no excelente filme “Os Eleitos” (The Right Stuff), de 1983. O filme conta com bom elenco, como os atores Scott Glenn, Sam Sheppard, Dennis Quaid e Ed Harris. O próprio General Yeager faz uma ponta no filme, como bartender do restaurante de Pancho Barnes.
A revista Air and Space, da fundação Smithsonian, considera Chuck Yeager um dos dez maiores pilotos da história, ao lado de nomes como Charles Lindbergh e James Doolittle.
Foi assim que no AT&T Stadium, casa do Dallas Cowboys, vivi o momento mágico de ver uma lenda viva.. Num dos intervalos na partida, o imenso telão começa uma homenagem ao primeiro homem a voar mais rápido que o som. Então a imagem mostra o General Yeager presente no estádio, sorrindo e agradecido pela ovação do público de mais de 80 mil pessoas, de pé, durante vários minutos..
Ver uma verdadeira lenda da aviação, com 95 anos de idade, usando seu boné do 357° Grupo de Caça, nunca vou esquecer!
Renato C. Amaral
Campinas – SP
P.S.: Dedico este texto a memória de Moacir Aleixo, pai de uma grande amiga. Nos deixou no dia em que escrevia esta história, aos 97 anos. Moacir combateu nas batalhas de Monte Castello, Montese e Castelnuovo,na Itália, na Segunda Guerra Mundial..Recebeu as condecorações: Medalha de Campanha da Força Expedicionária Brasileira, Medalha Sangue do Brasil, Medalha da Vitória e Medalha do Mérito da FEB.
Foto de abertura: airandspace.si.edu