Denominada Integrale, ou como podemos demonstrar em modo racional, deduzindo a tradução para a nossa língua: Integral. Assim é chamada a derivada de primeira grandeza do Delta.
Apesar do Ae estar de casa nova, ainda não mudamos de tema, e garanto a frase acima não é um exercício matemático.
É a apresentação de um sonho sobre rodas. E serve para iniciarmos um teorema, sobre um carro com quociente de emoção indeterminado, tendendo ao infinito.
A seqüência de vitórias do Delta Integrale é contundente, com este modelo a Lancia logrou sucesso máximo, sendo campeã entre os construtores por seis vezes consecutivas, nos campeonatos Mundiais de Rali de 1987 a 1992.
Pequenos detalhes matemáticos impediram que o registro histórico também lembrasse o Integrale como o par perfeito dos pilotos campeões mundiais do mesmo período, o binômio piloto e fabricante campeões foi quebrado duas vezes, em 1990 e 1992.
No ano de 1990, Carlos Sainz foi o piloto campeão com quatro vitórias, 9 pódio e 140 pontos, guiando um Toyota Celica. A equipe Lancia logrou seis vitórias, porém divididas entre seus pilotos (3-2-1), enquanto das cinco chegadas do Celica em primeiro lugar, apenas uma não foi com Carlos Sainz. Um Mitsubishi Galant completaria o Rali da Costa do Marfim em primeiro, fechando assim os 12 vencedores daquele ano.
Depois de ganhar novamente em 1991, a equipe oficial da fabricante Lancia decidiu retirar-se do certame mundial. Um esforço do seu principal patrocinador permitiu entretanto a manutenção da equipe Martini Racing na competição para 1992. Na verdade quando a equipe era a oficial da casa automobilística, possuía a denominação Martini Lancia, mas outras equipes menores já corriam de Delta, mesmo com a presença da representação da marca oficial no campeonato. Duas destas equipes, a Astra Racing e a Jolly Club, mantiveram os Delta Integrale para a rodada de 1992.
Então mais uma vez os números não ajudariam a Lancia (mesmo sem equipe oficial, a fabricante ainda oferecia suporte para o Jolly Club Team) a fechar mais uma dobradinha piloto e marca campeã. Um incrível recorde de seis vitórias foi obtido em 1992 por um dos pilotos Martini Racing, Didier Auriol chegou à 10 etapa do campeonato vencendo pela sexta vez com o Delta, porém não pontuou nas outras quatro corridas e fez apenas mais um ponto nas quatro seguintes (em 1992 foram 14 etapas), assim fechou o campeonato com 121 pontos.
O multicampeão Juha Kankunnen ganharia apenas uma corrida com o Lancia em 1992, porém acumulou seis segundos lugares e dois terceiros, fechando o campeonato com 134 pontos. Carlos Sainz com um reformulado Toyota Celica, chegaria à ultima etapa, a tradicional prova no País de Gales, chamada de RAC (Royal Auto Club) Rally, com apenas três pontos à frente de Auriol e dois pontos de vantagem de Kankunnen. O RAC de 1993 tinha então três pilotos com chance de título, sendo dois guiando um Delta Integrale. A decisão da taça aconteceu com uma quebra de motor no carro de Auriol e com a escapada para fora da pista de Kankunnen. O Celica de Sainz cruzou em primeiro lugar, e seu segundo e definitivo título mundial foi assim deixado pelos combatentes Delta nas mãos do piloto espanhol.
Deve-se ressaltar a curiosa importância histórica de Carlos Sainz na carreira do Lancia Delta Integrale nos ralis, ainda que o campeonato de construtores destacasse as vantagens do carro italiano, naquele período vitorioso as duas interrupções da seqüência de títulos de pilotos para a Lancia ocorreram sempre para Sainz e ele ainda passaria na temporada seguinte para o time Jolly Club, guiando assim um Integrale em 1993.
Porém a última vitória dos Delta seria mesmo em 1992, completando uma seqüência de 46 triunfos iniciada em 1987. Portanto, das 79 vezes em que a bandeira quadriculada foi agitada para o primeiro lugar naqueles seis anos de competição, mais da metade das vezes era um Lancia Delta Integrale que estava passando.
A Scuderia Lancia, divisão de competições da marca de Vincenzo Lancia, foi idealizada por seu filho, Gianni, em 1952. Em anos românticos e heroicos das corridas em automóveis, a Lancia almejou sucesso e fama, assim como seus concorrentes, ao ingressar no mundo das competições.
Chegando até à Fórmula 1, nos anos de 1954 e 1955, o sonho Lancia não era moderado. Por isso um dos pilotos a ser chamado para sentar nos Lancia F-1 Tipo D50 era um campeão. O mais recente campeão mundial, vencedor em 1952 e 1953.
Em janeiro de 1954, Alberto Ascari decidiu abraçar o projeto esportivo de Gianni Lancia e assinou um contrato com a equipe de Turim. A estréia da nova marca esportiva veio em março, na 12 Horas de Sebring. Os Lancia mostraram-se rápidos, porém não confiáveis, e o piloto italiano foi forçado a abandonar por problemas mecânicos quando estava em segundo lugar.
Depois Alberto Ascari conseguiria seu trunfo com um Lancia, o modelo D24, na Mille Miglia de 1954 disputada em maio, superando Ferrari e Maserati, que ficaram respectivamente com o segundo e terceiro lugares. Porém, já era iniciada a temporada de F-1 de 1954 e a Lancia ainda não tinha seu carro pronto para esta categoria, decidindo, portanto, permitir que Ascari corresse pela Maserati e Ferrari naquele ano.
Na semana seguinte ao GP da França, ocorrido em julho no circuito de Reims, onde abandonou com sua Maserati, Ascari foi a Monza para ajudar nos testes do Lancia de F-1. Desventura, quando na mesma curva que seria palco do seu acidente fatal no ano seguinte, o carro ficou incontrolável sobre o asfalto sujo e escorregadio, e saiu da traçado, parando apenas nos arbustos ao lado da pista, felizmente daquela vez o piloto saiu ileso.
O campeão não teve um ano de sorte em 1954, não participou de todos os GPs e quando o fazia problemas mecânicos o tiravam da disputa. Voltou a se dedicar ao projeto Lancia no final do ano com novos testes em Monza no início de outubro. O objetivo era estar pronto com o Tipo D50 para o GP da Espanha, o último do campeonato mundial. O novo carro era definitivamente rápido e Ascari conseguiu o tempo mais rápido em todas as sessões de teste em Barcelona, conquistando sua décima quarta e última pole position da carreira, o que seria seu único triunfo em corridas oficiais de Formula 1 pela Lancia (Ascari ganharia duas corridas fora do calendário F-1, no ano 1955 com o Tipo D50). Mais um abandono por falha mecânica registraria sua participação na estréia do Lancia de Fórmula 1.
Os Lancia D50 prometiam para a temporada de 1955 e Ascari era rápido nas classificações, mas corridas do calendário oficial ainda não haviam sido completadas pela dupla, sempre por dificuldades com o carro. O ano seria ainda marcado para a Lancia e para o seu piloto italiano, pelo cinematográfico e perigoso vôo e mergulho na água durante o GP de Mônaco.
Depois deste incidente Ascari foi convidado para testar um Ferrari em Monza, o modelo 750 Sport estava sendo preparado para uma corrida de Sport Turismo. Era o dia 26 de maio daquele ano. O acidente fatal em Monza fez com que a Lancia decidisse se retirar definitivamente das competições de F-1.
Nos anos seguintes a Scuderia Lancia passaria a ser conhecida como Squadra Corse HF Lancia, e um Elefante começa a participar desta história. A letras amarelas HF com um desenho de um elefante vermelho, em movimento de corrida, passaria a representar a distinção dos Lancia de competição.
Apesar de ter aparecido pela primeira vez em 1960, a sigla HF foi aplicada em um automóvel da marca apenas alguns anos depois, quando alguns modelos do Flaminia Coupé Pinifarina e do Flaminia Sport Zagato foram inscritos em competições de grã-turismo. Uma versão do Lancia Flavia foi também batizada com as letras HF, no ano de 1965.
A idéia do HF surgiu durante a formação de um clube de proprietários de Lancia, o Club HiFi, que congrega proprietários que tenham adquirido um certo número de veículos Lancia novos. Na época, o aparentemente estranho uso de um termo em inglês por uma cultura puramente italiana pode ser atribuído ao fato do surgimento de novos aparelhos de som que traziam a alta-fidelidade (High Fidelity, em inglês) como um diferenciador de qualidade para o momento.
Com a chegada dos modelos do Lancia Fulvia HF, em 1966, e a seqüência de sucessos nos ralis mantida pelos Stratos êHF, a designação esportiva foi consagrada e encontrou seu mais respeitado significado. Uma certa pausa e somente em 1983 a Lancia decide desembainhar novamente o logo de renome.
O novo Delta HF Turbo precedeu seus irmãos, que também honraram o desenho do Elefante veloz, Delta HF 4WD, Delta HF Integrale e Delta HF Integrale 16V formam a família de alta-fidelidade do modelo.
Nascido depois da incorporação da empresa ao Grupo Fiat, o Lancia Delta surge desenhado por Giorgetto Giugiaro em outubro de 1979. Sendo escolhido como o Carro do Ano em 1980. O ajuste necessário para transformar o futuro do Delta em uma história gloriosa deu-se em 1983 com a chegada da versão de 130 cv, a resgate da célebre sigla HF.
Um passo antes de usar o nome Integrale, os Delta passaram a contar com tração integral na versão Delta HF 4WD. Era maio de 1986 e a Lancia trazia o ponto alta da gama do seu modelo médio para um andar superior. A produção tinha intenção inicial de homologação para o Grupo A do campeonato de rali, assim determinou-se o volume de 5.000 unidades necessárias para homologação no Grupo A. Cada um delas capaz de desenvolver 165 cv. Um motor turboalimentado de 2 litros fazia girar a transmissão e a tração integral, permanente. O torque máximo de 29,6 m·kgf era obtido através de um sistema overboost, em condição normal o motor quatro-cilindros entregava 26,5 m·kgf.
Usando ainda um intercooler ar-ar que abaixava a temperatura do ar de admissão e também com uso de um radiador de óleo para o motor, o Delta 4WD acelerava de 0 a 100km/h em 7,8 segundos e alcançava 208 km/h de máxima.
A massa de 1.190 kg era movimentada com o auxílio de um diferencial traseiro tipo Torsen (contração de Torque Sensing, ou sensível ao torque em inglês), que recebia 44% do torque total, ficando 56% para o sistema do eixo dianteiro com diferencial livre, ou convencional. A distribuição de torque para a frente e para trás contava ainda com a ajuda de um acoplamento tipo viscoso Ferguson, associado ao diferencial central epicicloidal, e era proporcional à diferença de massa apoiada sobre os dois eixos motrizes.
Extraordinária, esta é a melhor descrição que encontramos para o comportamento dinâmico do Delta com tração integral. A capacidade de tração em qualquer circunstância ou terreno, a estabilidade e a segurança oferecida para o condutor não tinham rivais à altura naquele momento.
Logo, um perfil mais musculoso, ressaltado pelos pára-lamas salientes, indicava que na primeira chance em que a Lancia demonstrou vontade de melhorar o que já era fantástico, seria algo sério. Já campeoníssima nos ralis, com a versão Grupo A do 4WD, que entre outras alterações montava um motor 2- litros de 258 cv e 39,7 m·kgf, obtidos principalmente graças ao aumento da pressão do turbo de 0,9 bar da versão de série para 1,6 bar na de competição, percebia-se que um pouco daquela receita seria aplicada na nova versão de série do Delta.
HF Integrale passa então a ser a sua nova denominação e o motor recebe um turbo maior, Garrett T3 que permite trabalhar entre 1,8 e 2 bar de pressão. A potência máxima sobe em 20 cv, passando para saudáveis 185 cv. O torque também melhora, com um valor máximo de 30,4 m·kgf a 3.500 rpm. Um novo câmbio, mais robusto, o mesmo que era usada no Lancia Thema 8.32, dotado de motor V-8 de origem Ferrari, foi adotada no novo Delta Integrale. A velocidade chegava agora a 215 km/h e a aceleração da imobilidade a 100 km/h ocorria em 6,6 segundos. A genial estabilidade e o comportamento geral foram muito aprimorados com a maior bitola oferecida nesta versão, passando a dianteira a ser de 1.426 mm (antes 1.409m m) e a traseira de 1.406mm (antes 1.404 mm).
Tudo isso chegou ao mercado como modelo de série, e em novembro de 1987, ao mesmo tempo em que a oficina Abarth, responsável pelas preparações de competição do Grupo Fiat, iniciava a calibração, melhoramentos e ajustes para entregar o modelo de rali pronto para a temporada do ano seguinte.
Os incansáveis e inquietos engenheiros da Lancia não poderiam assistir ao sucesso do Delta Integrale no mercado — cerca de 10.000 exemplares vendidos — e nas pistas ganhando quase todas as corridas do ano no Grupo A, sem ter idéias maquiavélicas para se divertir e assustar a concorrência. Com a finesse dos artesãos italianos, decidiram adotar um novo cabeçote para o mesmo bloco do motor bem-sucedido até então. E no novo cabeçote achariam espaço para o dobro de válvulas do modelo anterior. Sem alterar a cilindrada do motor turbo 2-L, o Integrale 16V ganhava 15 cv, chegando agora a 200 cv. Uma pequena alteração na distribuição de torque, para evitar a tendência a subesterço e a adoção de uma turbina um ligeiramente menor, permitindo assim a chegada do torque máximo a 3.000 rpm, mais alguns ajustes menores e estava pronta a nova receita para as ruas e para papar mais vitórias no rali.
Como uma boa função periódica, cujos valores se repetem a um certo intervalo, o pessoal voltou para a prancheta e novamente desafiou a capacidade de extrair algo a mais daquele conjunto que parecia, aos olhos dos agentes externos à Lancia, já em seu estágio de maturidade total, mas que para os engenheiros da marca ainda não era sua edição final, cabia mais algum tempero.
Curiosamente, as duas novas versões do Delta 4×4 surgem após decisão da Lancia em sair do certame mundial de rali. Como que se quisesse desfrutar do máximo do tempo disponível para o desenvolvimento e aplicação de tudo o que haviam aprendido durante os anos de sucesso no Grupo A, o time encarregado do aperfeiçoamento do Delta queria que a versão chamada (não oficialmente) de EVO 1 (na seqüência seria EVO 2) apresentasse uma síntese de todo o progresso tecnológico vivido nas pistas, sem que de modo algum a modéstia pudesse participar deste processo.
Neste momento, 1992, para além da versão mais potente da EVO 1, com 210 cv, foi também oferecida no mercado uma versão com o cabeçote de 8 válvulas e 177 cv. Melhoramentos generalizados acompanharam o incremento de potência, com chassis, freios e sistema de tração revistos e também aplicados à versão “comum” com o cabeçote simples de 8 válvulas.
Todo este trabalho teve como contrapartida o conseqüente aumento da massa do veículo, que agora já apresentava seus bem valiosos 1300 kg. Uma nova dimensão para as bitolas traseiras e dianteiras, chegando agora a 1.500mm atrás e 1.502mm na frente, retiravam, contudo, a sensação de excesso de peso. Velocidade de 220 km/h e aceleração 0-100km/h em 5,7 segundos comprovavam o teorema.
O produto final da série Delta Integrale chegava no ano de 1993, um ainda menor turbocompressor Garrett vinha montado nesta última versão, melhorando as respostas ao acelerador, o torque máximo de 31 m·kgf aparecia agora a 2.500 rpm. A tampa de válvulas do motor vinha então na cor vermelha e ali embaixo mais 5 cavalinhos foram encontrados, totalizando a nova cifra de 215 cv, a 5.750 rpm.
Novas rodas aro 16 e pneus 205/45 chegavam para substituir os antigos diâmetro de 15 polegadas. Esticando ainda mais as bitolas, que passaram a se de 1.504 mm no eixo posterior e 1.516 mm no eixo anterior, chegamos ao resultado final. As linhas da carroceria pouco foram tocadas durante toda esta trajetória, parte devido ao sucesso do estilo inicial e parte também devido ao desvio de atenção dos técnicos para o resto do veículo. Além dos novos pára-lamas introduzidos na edição de 1987, algumas alterações na grade do motor, a adoção de um aerofólio e novos desenhos dos pára-choques foi o que se registrou neste quesito. Assim foi a carreira do Delta em sua opção mais selvagem.
Mesmo que notando que no desenho seus ângulos foram mantidos desde o começo, a constante soma de atributos resultou em um produto notável de engenharia e entusiasmo sobre rodas. Uma função constante de sucesso. O Delta ideal.
Nem mesmo Pitágoras teria formulado uma equação tão perfeita.
FM