Nos primórdios de meus dias de análises de mercado, aprendi que uma das formas de lidar com projeções era olhando para trás, ou seja, a partir de um gráfico de vendas mês a mês, esticávamos a linha para frente como uma reta cuja direção se baseava numa tendência ou média dos meses anteriores. Depois repetíamos o exercício com doze meses sobre doze meses, número final e se tentava repetir a sazonalidade do ano anterior, com esse acréscimo estimado “flat” em cada mês. Evidentemente, haveria um erro enorme, mas para efeitos de planejamento de produção e vendas era aceitável. Coincidentemente, foi isso que vimos nas vendas mensais de 2018 quando comparadas com 2017, um aumento consistente mês a mês. Mas confesso não passar de mera coincidência aritmética.
Outro parâmetro usado era o crescimento do PIB esperado para o ano seguinte e em outros fatores macroeconômicos como emprego, inflação, dólar, etc. Se PIB projetado fosse +3,0%, podia-se esperar dois dígitos de aumento nas vendas de pesados e perto disso no de leves.
A sazonalidade das vendas também seguia mais ou menos certo comportamento estável, baixas em janeiro e o Brasil despertando depois do carnaval, um segundo semestre mais forte que o primeiro.
O parâmetro de ritmo médio de vendas diárias veio depois e com ele, as projeções mensais passaram a errar menos, verdade. Sempre lidávamos com erro e buscávamos formas de minimizá-lo. Conhecer comportamentos de outros mercados, europeu e americano principalmente, fez parte do aprendizado, porém aprofundar-se neles demandava bem mais horas de estudos e análises do que temos disponíveis.
Fato é que em todos esses anos, ao antever queda no PIB, olhar para frente com redução de produção e vendas era um exercício bem mais complexo, pois na indústria você lida com demissões e cortes de orçamento. Assim, éramos “ensinados” a no mínimo projetar crescimento zero ou marginalmente negativo, coisa de -3% ou -5%, na pior das hipóteses. Lembro que certa vez expus este tema numa comissão do Sindipeças. Era final de 2011, entrariam em vigor novas normas de emissões de pesados, o famoso Euro5 — ainda vigente — que por sua vez encareceria os caminhões e ônibus em cerca de 5% sobre a fase anterior do programa. Nos anos de 2010 e 11 houvera uma clara antecipação de compras por parte dos frotistas, numa tentativa de “escapar” desse aumento de preços inevitável para o ano seguinte, estocando brutos em suas garagens sem rodar, e a turma do comitê sinalizava, como grande concessão, para o ano de 2012, uma redução de vendas de apenas 5%, talvez por curtos meses -10%, para fechar o ano em -5%. A queda foi superior a 40%. Depois fomos brindados com o pior dos anos Dilma e aquele tombo pareceu pequeno, alguns fabricantes passaram longos períodos com vendas 80% inferiores aos anos bons.
Em outubro último, depois das boas vendas do 3º trimestre, este colunista projetava que 2018 seria 15% maior que ’2017 nas vendas de leves. Os licenciamentos diários haviam atingido o patamar de 11.000 e o fator 13º nos permitia prever novembro na casa dos 12.000 e dezembro ultrapassando os 13 mil/dia. Faltou pouco para soltar rojões, afinal venderam-se menos automóveis em dezembro que no mês anterior. Ficou parecendo que o 13º não ajudou a esquentar o mês. Mesmo assim, esbarramos em 13,8% de crescimento total, 12 meses contra 12 meses.
Na reunião da Anfavea com jornalistas especializados do último dia 8, Antônio Megale exibiu os números do mês e do ano com certo otimismo e alívio. O mercado ainda opera com grandes descontos e vendas diretas, PcD incluído, representam 43% do total das vendas. O otimismo fica por conta das reformas que se espera saiam nos primeiros meses do novo governo e aumentem o nível de confiança do consumidor.
Fatores adicionais que contribuem para esse positivismo são inadimplência em baixa, taxas de juros também, maior crédito para financiamento disponível, e emprego em recuperação. As últimas projeções que temos para o PIB de 2019 são de +2,5%, que é aquele número curioso que citei lá atrás para justificar expectativas de dois dígitos baixos para crescimento de vendas de automóveis e caminhões. O Brasil respira aliviado, com certa dose de apreensão.
Megale, em sua apresentação, foi no mesmo tom, projetou 11,9% de aumento nos licenciamentos para este ano: audacioso ou conservador? Esperemos, ainda os descontos encontram-se acima do normal para realizar vendas na ponta final e os fabricantes veem leve tendência de reduzi-los, o que deve melhorar a qualidade das transações.
O ano de 2018 fechou então com 2.566.433 autoveículos de vendas totais (+14,6%), sendo 2.475.365 veículos leves (+13,8%) e 91.068 comerciais pesados (43,0%). Dezembro teve 19 dias úteis e menos automóveis vendidos que em novembro (188.763 vs. 191.849). A expansão anual média no varejo foi menor, 8,6%, porém ainda um número saudável.
Do gráfico acima, notamos consistente recuperação das vendas em 2018 (linha preta), quase sempre superiores a mesmo mês de 2017 (verde). Mas os fabricantes despejaram muitos descontos para isso acontecer.
Para 2019 devemos superar os três milhões de unidades produzidas, mesmo patamar de 2008. Os fabricantes aqui instalados ergueram capacidade produtiva de cinco milhões de unidades e sempre fica a questão:quando atingiremos os quatro milhões, ou próximo do nível pré-crise? Essa é uma pergunta difícil de ser respondida. Em primeiro lugar, quando o Brasil conheceu esses números de produção e vendas, havia incentivos tributários para vendas de leves. Já debatemos esse ponto aqui, pode parecer curioso, pois Lula, ao adotar alguns princípios Keynesianos de abaixar impostos para estimular a economia em 2009, gostou dos resultados e decidiu estendê-los. Certa vez assisti ao professor Delfim Netto proferir numa palestra que o governo Lula tivesse economistas da USP, teriam feito o contrário.
Fato é que o princípio de aumentar gastos do governo e reduzir impostos para sair da recessão, quando bem aplicado, trabalha-se para voltar ao habitual tão logo os sinais de recessão desapareçam e a economia volte ao normal. Lula deve ter feito Keynes se virar no túmulo seguidas vezes, negociou o retorno do IPI de forma progressiva com a Anfavea e descobrimos depois que foi na base de propina. A operação Zelotes cuida dos inquéritos, não sabemos se esses crimes prescreverão antes da conclusão ou se Lula será beneficiado por sua idade avançada. Sabemos também que quatro milhões de vendas está ligado com impostos menores e essa ideia a nova equipe econômica descarta em absoluto. Não a veremos tão cedo.
RANKING DO MÊS E DO ANO
Chevrolet teve mais um ano na liderança do mercado, em dezembro emplacou 41.573 unidades, 8% a menos que novembro e fechou com 434.364 automóveis e comerciais leves vendidos. Seu desempenho anual foi pouco abaixo do crescimento de mercado, 10% contra 13,8%, porém é bom salientar que seus principais modelos estão em fim de ciclo, este ano veremos sua renovação e um Tracker feito na Argentina, sem os limites de cotas que a unidade vinda do México hoje enfrenta.
A VW vem em segundo, com respectivamente 33.594 unidades em dezembro, 368.200 no ano e 35% de crescimento sobre 2017, sendo a marca que mais cresceu. Em abril teremos o lançamento do seu suve compacto, o T-Cross, com bons atrativos e potencial de vendas. Fala-se muito em retomarem a liderança neste ano, veremos.
Em terceiro vem a Fiat, com 27.802 unidades em dezembro e 325.726 no ano, crescimento de 4%, abaixo do mercado portanto.
Renault em 4º (20.611/214.914), Toyota encostando em 5º (19.937/200.116) e Ford em 6º (19.022/226.437), mostra que a marca do oval azul fechou o ano em 4º lugar, mas viu seus rivais trocando de posições com ela em alguns meses do ano. A melhor aposta da Ford será seu suve médio, para disputar compradores com o líder absoluto do segmento, o Jeep Compass. A Toyota lançou o Yaris com expectativas modestas, a soma dos modelos hatch e sedan eram esperadas atingir 6 mil unidades mensais, o que rapidamente conseguiu, porém em detrimento das vendas do Etios, que parece que não terá renovação por aqui.
Onix (foto de abertura) foi o modelo mais vendido pelo quarto ano consecutivo, 210,458 unidades licenciadas, um crescimento de 12% sobre 20117, ou bem próximo do que o mercado interno se expandiu. Mais que isso, nenhum de seus rivais diretos se aproximou nem cresceram na mesma proporção. Com a renovação do modelo esperada para o final deste ano, vê-se noutros bons anos na liderança e trazendo tendências ao segmento.
HB20 fechou em segundo lugar no mês 8.995 e no ano, 105.506, disputou palmo a palmo com o Ford Ka. A Hyundai enfrenta aqueles problemas bons de resolver, atingiu sua capacidade máxima de produção com o portfólio atual, portanto procura atender a procura por seus modelos de forma mais lucrativa que seus rivais, com menos descontos e menor participação no PcD. Este ano também deverá ter o hatch e sedã renovados.
Uma curiosidade fica por conta do segmento que mais cresceu e mais disputado, o de suves compactos, Creta (13º), HR-V (14º), Kicks (15º) e Renegade (16º), com vendas totais muito próximas entre si, confirma ser o foco de atenções dos fabricantes. Neste ano terão a companhia do T-Cross e no ano que vem o Tracker Mercosul.
Nos comerciais leves a Strada manteve a liderança por mais um ano, com 5.863 unidades emplacadas em dezembro e 67.227 em doze meses, um crescimento de 23% sobre ’2017, um modelo veterano de mais de 23 anos expande-se acima do crescimento de vendas do segmento, que foi 17%. Toro em 2º, Saveiro em 3º, Hilux em 4º. Amarok com o maior crescimento anual, de 57%, impressionante para um modelo lançado em 2010.
Para 2019, fabricantes esperam melhorar a qualidade de suas vendas, reduzindo descontos e seduzindo compradores com suas novidades apresentadas no último Salão do Automóvel. Se o PIB ficar nos esperados 2,5%, bem possível o aumento de vendas ser maior do que no ano passado.
Bom ano a todos!
MAS