A aviação, sem dúvida sempre foi um mar de ideias férteis para todos os tipos de experimentos, seja com aerodinâmica, seja com motorização. Fazer uma lista com 10 motores a pistão dos mais interessantes, confesso ser trabalhasoso, pelo fato de existir MUITA coisa interessante. Mas tentaremos ser sucintos e falar um pouquinho de cada um e o porque o considero curioso/interessante.
Vamos a lista:
10) Wright R-3350 de 18 cilindros e 54,9 litros de cilindrada
Talvez o ápice do desenvolvimento dos motores a pistão. Produzindo até 3.700 hp em algumas versões, este 18 cilindros dividido em duas fileiras de 9 possuía diâmetro dos cilindros e curso dos pistões de 155,6 mm x 160,2 mm, empregando gasolina de aviação (Avgas) verde, 100/130 octanas (100 em mistura pobre, 130 em mistura rica) nas versões até 3.500 hp. O 100 se refere a octanas MON, enquanto 130 é octanas RON O 100, em RON, é 107.
(N.d.A;: serão mantidas as potências em hp, horsepower, por questão histórica, lembrando que as potências em cv, cavalos-vapor, seriam 1,39% maiores).
Era um motor com compressor (supercharger) e nas versões mais potentes, possuíam PRT (Power Recovery Turbine), conhecido como Turbocompound. Tratava-se de um complexo sistema de três turbinas, uma para cada 6 cilindros, que recuperava a energia dos gases de escapamento e, acoplado a um sistema viscoso, transmitia essa potência diretamente para o virabrequim. Especificamente no caso dos motores maiores, de 3.400/3.500 hp, diziam que o sistema representava a geração de cerca de 400 a 500 hp nessa composição.
As principais aeronaves que empregaram o grande Wright foram os Boeing B-29, Lockheed Constellation, o Super-Constellation (todos sem o turbocompoud) e o Super Constellation, Starliner e o Douglas DC-7, estes com o PRT!
Em tempo: o motor em si e seu sistema de recuperação de energia dos gases de escapamento era algo tão confiável que a Panair do Brasil mantinha, em suas bases, motores Wright do Douglas DC-7 prontinhos para serem instalados, em caso de falhas de uma aeronave em voo ao longo da rota. No caso dos chamados Voos da Amizade (Rio de Janeiro, Recife, Ilha do Sal e Lisboa), a empresa mantinha um conjunto completo de motores tanto em Recife quanto na Ilha do Sal, para que pudessem ser imediatamente trocados em quailquer eventualidadee!
Funcionou pela primeira vez em 1937 e foi produzido até meados da década de 1950.
9) Pratt & Whitney R-2800 Double Wasp
Falar o que desse motor? Considerado por muitos, o melhor motor radial já produzido, era robusto, relativamente econômico e muito confiável.
Trata-se de um motor de 46 litros, 18 cilindros cada um com 146 mm de diâmetro por 152 mm de curso.
Considerado compacto e com boa potência especifica para os padrões da época (44,2cv/L) ficou notabilizado por equipar o Republic P-47 Thunderbolt (um dos mais notáveis caças aliados da Segunda Guerra Mundial) e o Vought Corsair.
Notabilizou-se também em sua vida civil do pós-guerra por ser usado na linha Convair (CV-240/340/440) e no Douglas DC-6, aeronaves conhecidas pela robustez e confiabilidade.
Formando um conjunto compacto e de boa relação peso potência, o R-2800 nasceu em 1937 e em 1939, sua versão experimental equipou o protótipo do caça Vought F4U Corsair. Embora o protótipo desse motor tenha nascido produzindo 1.500 hp a 2.400 rpm, a grande maioria dos motores fabricados geravam entre 2.000 hp e 2.300 hp, chegando a existir versões que produziam 2.800 hp (com Avgas 115/145 e MW50 – Água e Metanol 50%), quase 62 cv/L um valor de potência sem dúvida notável até mesmo para os dias de hoje.
8) Rolls-Royce Merlin
O Merlin era um motor de configuração típica das décadas de 30 e 40: um V-12 de 137 mm de diâmetro dos cilindros por 152 mm de curso dos pistões, 27 L de cilindrada, arrefecido a liquido. As versões mais comuns produziam até 1.720 hp a 3.000 rpm.
Nascido como um empreendimento privado da Rolls-Royce, sem qualquer financiamento ou incentivo do governo britânico, o Merlin surgiu como a versão maior e de maior potência do já consagrado Rolls-Royce Kestrel, um V-12 de 21 L que entre outras coisas equipou nada menos que o avião alemão prefixo D-IABI ou o protótipo do Messerschmitt Bf 109!
O destaque do Merlin, no entanto, é pela variedade de utilizações em importantes aeronaves que combateram na Segunda Guerra Mundial. Primeiramente empregado no caça Hawker Hurricane, ganhou projeção ao equipar os Supermarine Spitfires, versão I a XII (as subsequentes empregaram o Griffon, uma evolução do Merlin), a aeronave multifunção De Havilland Mosquito, o bombardeiro Avro Lancaster, além de ter dado o brilho conquistado pelo caça North American P-51 Mustang.
Originalmente equipado com o motor Alisson V-1710 de 28 L, o desempenho do caça americano decaia muito acima dos 15 mil pés em virtude do compressor simples. Com o ingresso dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial e o intercambio de informações entre ingleses e americanos, testaram o P-51 com o motor Rolls-Royce Merlin 61, com compressor duplo e a despeito da cilindrada ligeiramente inferior, o desempenho global do avião foi superior e o Merlin acabou produzido sob licença pela Packard, a fabricante de automóveis!
O volume de ar consumido pelo Rolls-Royce Merlin era tamanho que na saída dos gases havia o ganho de um pequeno empuxo o que fazia os escapes terem aquela forma.
Uma menção curiosa sobre a motorização Merlin: nos primeiros Spitfires e Hurricanes, manobras executadas que implicassem “g” negativo fazia o motor simplesmente apagar. Enquanto os motores Daimler Benz empregavam injeção direta, o sistema de carburador dos primeiros Merlins simplesmente não tolerava esse tipo de manobra e o motor apagava em combate.
Antes da introdução dos carburadores pressurizados pela Rolls-Royce, que eliminava o problema, a solução dada para os motores em uso foi desenvolvida por uma engenheira, Beatrice Shilling, com um sistema simples, facilmente adaptável nas aeronaves já em operação, que restringia a situação de falta de combustível em condições de g negativo!
7) Napier Sabre
Mais do que um motor, uma obra de relojoaria!
No museu da Aeronáutica de Ottawa, Canadá, tive a oportunidade de fotografar um Napier Sabre em corte e é impressionante o que os engenheiros, técnicos e a metalurgia produziram!
Um motor de 24 cilindros (127 mmx121 mm) em H, basicamente um par de 12 cilindros contrapostos e sobrepostos, com seus virabrequins engrenados a uma engrenagem do eixo da hélice.
Não bastasse isso, o sistema de válvulas desses motores era do tipo sleeve valve (camisas deslizantes), desenvolvido pelo notável engenheiro Sir Harry Ralph Ricardo, que entre outros estudos, dedicou-se a questão da detonação e ao índice de octanas!
Basicamente as válvulas tipo camisa consistiam em uma camisa rotativa contendo aberturas, permitindo a troca de gases. O nosso ex-editor André Dantas descreve muito bem esse sistema neste artigo de outubro de 2012
Embora tenha suas vantagens, a complexidade do sistema de camisas deslizantes, bem como a extrema complexidade desse engenho de 36,6 L e 2.800 hp e a necessidade de emprego de combustível de altíssima octanagem (a famosa gasolina roxa de 115/145 octanas – e ainda assim não funcionava inteiramente bem segundo narra Pierre Clostermann) acabaram limitando o uso desses motores que só encontraram emprego nos Hawker Typhoon e Hawker Tempest, e mesmo assim, com o final da Segunda Guerra Mundial, somente os Tempests com motor radial Bristol Centaurus que tiveram vida subsequente!
Pierre Henri Clostermann foi um piloto, ás condecorado da II Guerra Mundial, escritor, engenheiro e político franco-brasileiro,natural de Curitiba.
6) Daimler-Benz DB 601 e DB 605
Notabilizado por seu emprego nos Messerschmitt Bf 109, uma das particularidades deste motor é ser o primeiro, junto com o Junkers Jumo 210, os primeiros motores de ciclo Otto a injeção direta.
Pode parecer uma bobagem, mas no início da Segunda Guerra Mundial era simplesmente inexplicável como os caças alemães podiam fazer determinadas manobras, exigindo alto números de “g” das aeronaves sem os motores simplesmente apagarem. Os Hurricane e os Spitfires ingleses simplesmente não acompanhavam os caças alemães. Foi somente com a captura de uma aeronave é que os aliados descobriram que a precisão germânica estava sendo usada para produção de bombas injetoras nos motores dos caças, eliminando o problema “carburador” dos motores.
Os motores DB 601 e DB 601 possuíam a tradicional configuração da época, 12 cilindros em “V”, mas no caso alemão, os cilindros eram invertidos. Possuíam taxa de compressão de 6,9:1, produziam 1.170 hp e diâmetro e curso de 150 mm x 160 mm, perfazendo 33,9 L de cilindrada.
5) Junkers Jumo 205
Por mais de 50 anos, o único motor de ciclo Diesel aeronáutico operacional!
Dotado de 6 cilindros arrefecidos a liquido, esse motor possuía 12 pistões, trabalhando um contra o outro e acionando 2 (dois) virabrequins! Outra obra de relojoaria!
Outra característica desse motor é o fato de ser 2-tempos, então necessariamente ele precisava do compressor de deslocamento (blower) para proceder a lavagem dos cilindros (introduzir ar fresco nos cilindros e expulsar os gases queimados), exatamente com nos motores GM Diesel de dois tempos.
Com diâmetro x curso de 105 mm x 160 mm e 16,6-L de cilindrada e taxa de compressão de 17:1, o Jumo 205, diferentemente dos motores de ciclo Diesel atuais desenvolvidos para queimar Jet-A1 (ou QAV aqui no Brasil) empregava óleo combustível (fuel oil) semelhante aos de navios.
Foi um projeto muito bem feito, e embora fosse um motor desajeitado em aparência, produzia 860 hp a um peso de 600 kg, apenas 150 kg mais pesado que seus congêneres radiais arrefecidos a ar, com cilindrada pelo menos 10 litros menor!
Precisou mais de meio século para que o mercado começasse a olhar novamente com carinho os motores de ciclo Diesel na aviação!
4) De Havilland Gipsy III e Gipsy Six
Os ingleses sempre gostaram de motores em linha. E o mais interessante dessa linhagem de motores é o fato dela ser de cilindros em linha, arrefecidos a ar e invertidos!
O inicio da linhagem Gipsy foi de motores de montagem convencional, entretanto o Gipsy III de 4 cilindros em linha literalmente inverteu as coisas ao empregar a montagem invertida, como forma até de manter o centro da hélice o mais alto possível do solo.
A linhagem Gipsy apareceu em 1927, entretanto foi em 1931 que surgiu o Gipsy III, de quatro cilindros com 118 mm x 140 mm de diâmetro e curso, 6,1-L e 5,25:1 de taxa de compressão, produzindo 122 hp e a partir dele, toda uma linhagem de motores de cilindros invertidos de 4 e 6 cilindros em linha e até um 12-cilindros em V!
Uma característica curiosa do motor Gipsy Six (versão de 6 cilindros do Gipsy III de 9,18 L) era sua sequência de ignição: Motores seis-cilindros em geral usam a sequência de ignição 1-5-6-3-2-4 e dupla carburação servindo um grupo de três cilindros. Entretant0,o uma das primeiras unidades desse motor apresentou um grau de vibração a 2.200 rpm (justo a rotação de trabalho) que levou a quebra do virabreqiim (lembrando que quanto mais comprido o motor, maior o virabrequim e a torção que sofre). Assim, os engenheiros da De Havilland alteraram a sequência de ignição para a curiosa ordem 1-2-4-6-5-3 e o problema simplesmente cessou!
No Brasil, alguns aviões Muniz empregaram motores Gipsy. Entretanto, o Capitão Guedes Muniz teve o dissabor de ver seu projeto acabar usando motores Ranger L-440 americanos, de mesma configuração, mas sem a confiabilidade do seu congênere inglês.
3) Porsche PFM 3200
A Porsche, tradicional fabricante de motores boxer, resolveu se aventurar no mercado de aviões leves no inicio da década de 1980. Todavia, ela entrou no mercado no início do maior declínio da indústria aeronáutica leve, queda esta que até hoje, quase 40 anos depois, o mercado nem de longe se assemelha àquele da década de 1970!
O PFM 3200 prometia ser uma revolução na indústria: gerando a mesma potência dos tradicionais Lycomings e Continental na faixa de 200 a 250 hp em um motor com praticamente metade da cilindrada (em alguns casos, 1/3!), o PFM traria além de desempenho, a tecnologia que muitos engenheiros, pilotos e jornalistas especializados reclamam faltar nos motores dito tradicionais: tecnologia!
O motor possuía 95,5 mm x 74,4 mm de diâmetro e /curso, taxa de compressão de 8,5:1 até 10,5:1 dependendo da versão, e injeção mecânica Bosch K-Jetronic com corretor de altitude e desempenho (para melhor potencia ou maior economia), Uma peculiaridade dos motores PFM era a turbina axial de arrefecimento na situada na parte traseira, junto à parede de fogo.
Repleto de acessórios, com operação através de manete única, injeção de combustível, capaz de operar em aeronaves acrobáticas, o PFM trabalhava a mais de 5.000 rpm, o que no final não se traduzia em vantagem em termos de consumo de combustível e, além de mais pesado que os congêneres “big bore”, de maior cilindrada, possuíam montagem complexa e maior. Talvez, o maior chamativo para os motores PFM fossem ser oriundos do fabricante de Stuttgart, e nada mais justo que uma aeronave de alto desempenho, quase um “avião esporte” a empregasse: o Mooney M-20L!
2) Lycoming O-235
O Lycoming O-235 é um motor de quatro cilindros horizontais contrapostos, diâmetro e curso de 111,1 mm x 98,4 mm, 3,85 litros. Com uma taxa de compressão de 6,5:1, o Lycoming produz até 125 hp a 2800 rpm. Entretanto, as versões mais comuns são as de 115 hp.
Trata-se de um motor convencional igual a tantos outros motores de cilindros contrapostos arrefecidos a ar que equipam a aviação leve de pequeno porte não experimental, todavia o pequeno Lycoming merece destaque por equipar quase a totalidade dos aviões de treinamento primário de pilotos
Hoje não existe aeroclube que não possua uma aeronave equipada com esse motor. Não existe um único piloto que não tenha voado pelo menos uma vez uma aeronave de treinamento com essa motorização.
Esse motor equipa os Cessnas 152, Aero-Boero 115, uma série de Neiva Paulistinha P-56, algumas séries de Piper PA-18 Supercub (a série de 105 hp de treinamento), o Aerotec Uirapuru, Champion Citabria, Piper Tomahawk, Beech Skipper, Grumann American AA-1, além de uma série de protótipos experimentais.
1) Continental A-40
Considerado como um fruto da Grande Depressão Econômica de 1929, a Continental Aircraft Engines desenvolveu o pequeno A-40 em 1931 para entrar no mercado de motores leves e de baixa potência à sua época, com muitas opções nos Estados Unidos, mas todas carecendo de confiabilidade, simplicidade e baixo custo.
E foi por esses motivos que Charles Gilbert Taylor, embora tenha feito o protótipo do seu Taylor E-2 com outros motores, lançou para produção em série, a aeronave equipada com o A-40, assim como, quando de sua separação de William Piper, os modelos Piper J-2 e os primeiros J-3 Cub foram equipados com esse mesmo motor.
O C ontinental A-40 possuía bloco em liga de alumínio, com diâmetro x curso de 79,3 mm por 95,3 mm (medidas atípicas à maioria dos motores boxer aeronáuticos, geralmente superquadrados. diâmetro maior que o curso), taxa de compressão de 5,2:1 e 1,9-L, produz 37 hp a 2.500 rpm, a um peso pouco superior a 65 kg.
Esse motor permitiu a popularização dos pequenos aviões de treinamento, além de ser o “pai” da famosa linhagem O-170 de 2,8-L configurado para produzir de 50 a 75 hp que equipou uma enorme gama de aeronaves leves da década de 1940 como Piper J-3 Cub, Tylorcraft BC-12, diversos Aeroncas, Luscombe, Stinson, e mesmo alguns Paulistinhas (embora muitos tenham saído com motores Franklin).
Vale uma menção curiosa: Heinrich Nordhoff, quando ainda executivo da Opel, antes e durante a Segunda Guerra Mundial, falou em tom de pilhéria que o “Volkswagen” teria motor de avião (ele e a Opel eram contra a ideia do “carro do povo” de Hitler). Provavelmente estivesse fazendo uma alusão ao Continental A-40, caro para um carro que não deveria custar mais que 990 marcos imperiais. Mas, ironicamente, Nordhoff acabaria sendo o artífice do sucesso da Volkswagen.
Por ter sido o pioneiro em termos de motorização aeronáutica leve, confiável e bem-sucedida, considero o A-40 o mais representativo motor aeronáutico a pistão já produzido.
Por fim, o Pioneiro de uma lenda dos ares: O Taylor E-2 e seu Continental A-40
Dos maiores aos menores, dos mais aos menos potentes, o fato é que os motores a pistão fizeram da aviação o que ela é hoje e deixaram indelével sua marca na história.
DA