Apesar da foto de abertura ser de um avião e um carro, é deste que este texto tratará!
Recentemente, em conversa com nosso editor-chefe Bob Sharp, ele teceu diversos elogios a um determinado carro, especialmente em suas características de uso, e seu comentário me trouxe à mente uma matéria do engenheiro e jornalista Fernando de Almeida (1933-2003) para a revista Flap Internacional sobre a questão de características de voo das aeronaves.
Na aviação (em especial a leve) as características de voo são extremamente relevantes, não apenas pelo prazer (ou desprazer) de voar como também pela própria segurança de operação, algo que reflete nos índices de acidentes, em especial quando envolve pilotos com pouca experiência.
Assim, um avião “pesado de aileron” (o comando de rolagem) ou instável (sobrecarregando o piloto, em especial em aproximações) acaba tendo influência direta nos índices de acidentes aeronáuticos. Basta lembrar que no início da era do jato, a Douglas optou por um DC-8 com menor enflechamento de asas (30º contra 35º do Boeing 707) justamente para facilitar a transição de pilotos oriundos do DC-7, e que acabou se traduzindo no gosto dos pilotos pelo jato da Douglas.
No mundo do automóvel, a dirigibilidade dos automóveis é bem menos crítica do que a observada na aviação, entretanto ela influencia diretamente a relação homem-máquina refletindo no prazer de dirigir, seja para o autoentusiasta, seja para aquele que usa o automóvel como mera ferramenta de transporte.
Longe de querer esgotar o assunto ou me aprofundar nos detalhes técnicos, focarei em citar, em linhas gerais, o que é, como influencia e suas consequências.
Fatores de influência
A melhor definição para o tema foi descrita pela página Carbuyer inglesa (www.carbuyer.co.uk): handling — palavra que não tem um correspondente exato em português — é o conjunto de esforços e sensações que o motorista experimenta no comando de um automóvel. Pode-se dizer, num resumo, que se trata de como é dirigi-lo, como é manuseá-lo.
Naturalmente, o handling de um carro é a soma de fatores diversos e sofre a influência do estado geral dos componentes que formam a máquina “automóvel”.
Partindo do pressuposto que todos os componentes estão em perfeitas condições, o artigo destaca como fatores de influência direta neste quesito, por exemplo, o sistema de direção (peso do volante, a sua relação e esforços requeridos para seu uso bem como o que ela transmite de irregularidades do piso), suspensão (tipo e calibração); freios (sua modulação e a forma como atua); distribuição de peso e centro de gravidade do veículo (falam muito do comportamento dinâmico do carro), além da rigidez da carroceria e sua forma.
E embora o artigo não faça menção, a ergonomia, a facilidade (ou dificuldade) de alcançar os comandos também exerce influência na relação homem-maquina.
O sistema de direção talvez seja o primeiro e mais direto contato do motorista com o veículo e deste com o solo. Por ser um sistema mecânico, a forma como a roda interage com o piso, o esforço no seu uso combinado com o tipo de suspensão e sua geometria transmitirão ao motorista a forma como o carro interage com o asfalto (aquilo que muitos falam “direção comunicativa” — veja matéria no AE a respeito.— falam muito do automóvel.
Um veículo com raio negativo de rolagem tem um comportamento em reta mais estável se comparado a outro com esse raio sendo positivo, perturbações do pavimento afetam menos o carro.. O esforço demandado ao virar o volante bem como o quanto de assistência (quando disponível) é oferecido também dizem muito. Uma direção “mole” (pouco esforço) é bastante agradável para manobrar naquela garagem apertada, mas pode ser um incômodo (e até mesmo perigoso) em altas velocidades.
A suspensão, embora não aja diretamente com o motorista, dirá muito daquilo que se espera no comportamento dinâmico do veículo, e o tipo empregado pode mesmo falar do uso que o fabricante espera para o produto.
A combinação suspensão McPherson no eixo dianteiro/eixo de torção na traseira hoje corresponde ao melhor compromisso de dirigibilidade-desempenho-custo. Quando se deseja um veículo mais “agarrado” ao solo e com um comportamento mais preciso em curvas, os fabricantes tendem a empregar a configuração multibraço na suspensão traseira. Entretanto para o uso da esmagadora maioria dos consumidores, o eixo de torção não traz prejuízos em estabilidade em relação ao esquema multibraço, a não ser em curvas de alta velocidade, de 160 km/h para cima..
Veículos de carga e fora de estrada usam eixos rígidos (atrás e em alguns casos, na dianteira também), uma combinação que permite robustez mas resulta em massa não suspensa significativa, o que é bem crítico no eixo direcional, altamente inadequado em altas velocidades.
A característica das molas chamada constante (sua deflexão em relação a determinada carga) é fator diretamente ligado a maneira como o veículo interage com o solo. Visando o conforto, alguns modelos apresentam suspensão macia demais (constante baixa), o que pode vir a se tornar um incomodo em curvas, com um alto grau de rolagem (inclinação) da carroceria. Uma constante alta demais pode ser favorável a um tipo de condução mais vigorosa em pisos lisos, mas altamente inadequada quando em ondulações do solo, dando aquelas famosas “quicadas” que pode chegar a ser perigoso.
Também contribui os tipos de pneus empregados nos carros.
E falando em massa, a distribuição de peso do veículo, bem como seu centro de gravidade também falam muito. Um veículo “desequilibrado” tende a apresentar comportamentos anômalos e mesmo indesejáveis ao volante. A altura do centro de gravidade do veículo também tende a ditar muito sobre sua estabilidade em curvas, algo que pode se tornar crítico caso seja abusado. Vide o caso das picapes e suves, alguns deles com tendências ao tombamento quando levados ao limite.
A esses fatores (suspensão e distribuição de massas) poderemos ter comportamentos sobre-esterçantes ou subesterçantes, conforme vimos neste texto do Bob Sharp.
A distribuição de peso também fala muito quando o assunto é frenagem: Embora todos os carros hoje tenham freio com sistema antitravamento (ABS), ainda há muitos que não apresentam tal sistema, e numa frenagem “pânica”, um travamento de roda pode ocorrer e um comportamento adverso (como o veículo sair da trajetória) aparecer.
A modulação do freio também é importante. Excetuando o Fusca e alguns raros modelos de veículos antigos, todos os carros apresentam algum tipo de assistência nos freios de serviço, normalmente a vácuo.
Alguns raros modelos (geralmente picapes grandes) apresentam um sistema denominado “hidrobooster” que se vale da pressão hidráulica da bomba de assistência hidráulica da direção e em veículos comerciais modernos (todos os atuais), sistema pneumático. A dose da assistência também influencia muito na maneira como o motorista interagirá com os freios e o quanto a pressão no sistema refletirá na frenagem efetiva.
A ergonomia também fala muito: De nada adianta termos um carro irrepreensível, dinamicamente falando, se os comandos primários (volante, pedais, alavancas de mudanças (quando dos câmbios manuais) estiverem mal posicionados ou os bancos não oferecerem a firmeza suficiente para o corpo do motorista.
Todos esses fatores aliados a um bom conjunto motriz falam muito do que se esperar de um veículo, da maneira como ele se comportará em situações extremas (uma curva abrupta, por exemplo) ou em uma condução que requeira mais do motorista (como no trânsito pesado, quando se precisa ultrapassar), permitindo uma condução segura e confortável, transmitindo segurança a motoristas e passageiros.
Considerando que grande parte de nós despende parte apreciável de seu dia dentro de um automóvel (eu fico, em média, 3 horas e rodo cerca de 80 km por dia), nada mais natural (e importante!) que o veículo eleito por cada um de nós para o nosso cotidiano ofereça muito mais que status: ofereça conforto e transmita segurança, fatores que para um motorista comum aparece na forma de “confortável” e, para o entusiasta, “divertido” e “alegre” de se dirigir.
Fernando de Almeida, em seus testes, dizia que todo avião bonito voa bem. No mundo dos carros, nem sempre um carro bonito é gostoso de dirigir. E há carros feios que cativam ao volante!
Considerações pessoais
O que segue são observações de cunho puramente pessoal, que compartilho, portanto envolvendo subjetividade:
Direção
- Minha preferência por direção é sempre por modelos com assistência hidráulica e que transmita o mínimo possível das variações do piso para o volante.
- A linha Gol tem o conjunto que considero mais perfeito para meu gosto: Sem ser macia demais, não transmite as imperfeições do piso para as mãos, tem relações baixas (rápidas) e o “peso” do volante é sempre constante, seja em manobra seja em alta velocidade.
- A assistência hidráulica do VW Jetta da minha esposa me incomoda: Mais pesada que a minha atual Saveiro 2014 em manobra, por sua vez é macia demais na estrada, chegando a ficar mesmo instável quando o alinhamento das rodas não está dentro do indicado pela fábrica.
- Minha ex- Ford Ranger tinha uma relação de direção muito desmultiplicada (não sei o porquê). Aliado a um volante de grande diâmetro, fazer pequenas rotatórias com a picape parecia estarmos virando o timão de uma embarcação.
- O efeito torque steer (esterçamento por torque) no MINI John Cooper Works é violento. Chega a assustar um desavisado. Um veículo caro e de alto desempenho merecia ter mecanismos de compensação para aliviar esse efeito.
Suspensão
- A versão anterior do Ford Ranger, a partir do ano/modelo 2008, passou a contar com uma bitola traseira 3 cm maior, a fim de acomodar os amortecedores colocados externos ao feixe de molas, colado às rodas. Tal modificação transformou o comportamento da picape, deixando-a muito mais agarrada ao solo em curvas em pisos irregulares, habitat natural desses carros.
- O Fusca, devido ao uso do conceito braços arrastados superpostos na dianteira, quando o amortecedor de direção está sem ação a oscilação rítmica (shimmy) volante pode se tornar tão violenta que para cessá-la há a necessidade de quase parar o carro!
- O próprio conceito do eixo traseiro com semieixos oscilantes (o mesmo sistema do Corvair) também prega algumas peças ao motorista mais desavisado. Em modelos de traseira mais pesada (Variant I e Brasilia e a Kombi pré-1976) chega a assustar.
- O emprego de molejos macios na linha Corcel/Del Rey deixava o veículo muito mais confortável em relação ao Santana, por exemplo. Entretanto, em curvas, a carroceria inclinava demais dando uma sensação ruim para motoristas menos experientes e a fama de que “Del Rey não faz curva”. Entretanto não conheço ninguém que tenha capotado um fazendo curvas em alta velocidade…
Distribuição de peso
- O melhor exemplo de distribuição de peso que conheço é o Gol dotado de motor arrefecido a ar. Além de uma direção relativamente leve, os Gols com essa motorização transmitem muito mais confiança em curvas do que os modelos com motor arrefecido a água, que apresentam comportamento subesterçante, além de afundarem a frente. Quem tiver a oportunidade, faça uma curva fechada em velocidade com um Gol “boxer” e faça a mesma curva com mesma velocidade com um arrefecido a água. Lembro que o Gol “boxer” tem motor mais baixo, mais leve e mais curto, o que explica a sua superioridade sobre o de motor arrefecido a água..
- Picapes contempladas com motores Diesel em projetos que originalmente previam apenas o uso de motores de ciclo Otto (muito mais leves) são naturalmente desequilibradas. Minha Ford Ranger afundava a frente de maneira substancial quando passava em lombadas mas não chegava a comprometer a estabilidade do conjunto.
- Em contrapartida, a Ford F-1000 com motor MWM, em especial as equipadas com o 4.10T tem uma frente extremamente pesada. Um motor que pesa meia tonelada, mesmo a direção sendo uma “manteiga”, o simples dirigir a picape faz com que o motorista, mesmo o mais inexperiente, perceba o significativo peso da dianteira.
Freios
- Minha Ford Ranger possuía, para o meu gosto, pedal de freio pesado, A força necessária para uma frenagem de emergência era grande e a sensação de “freios subdimensionados” era patente, embora se saiba que isso não corresponda à realidade. O mesmo não pode ser dito da Ford F-1000 cuja enorme câmara de vácuo produz uma assistência bastante grande.
- A Ford F-250 apresenta o sistema “hidrobooster”. Quando o conjunto fica desgastado, o pedal do freio trepida mesmo com o veiculo parado e sob influência dos movimentos da direção.
Ergonomia
- Banco mole e que não “abraça” o motorista não transmite segurança. Ande em um carro dos anos 70 (o Fusca mesmo, até 1983) cujos bancos são de molas e veja a sensação estranha que é.
- Volantes enviesados são cansativos. O Chevette talvez seja o melhor exemplo de volante “torto”, embora a linha Gol de motorização longitudinal até o G4 também apresente essa característica. Embora não chegue a comprometer, esse deslocamento, bastante pronunciado na geração 2 e subsequentes cansa um pouco.
- A Ford, com inveja da Volkswagen, fez a mesma coisa com a versão anterior à atual do Ford Ranger. O sistema de ar-condicionado tinha uma borboleta que controlava a velocidade do ventilador, outra para a temperatura e o terceiro, com 7 (sete) opções diferentes de ventilação e ar condicionado.
DA