Para os que eventualmente ainda não saibam, vários carros, em particular esportivos, foram desenhados levando em conta formas femininas. Verdade!
Sem entrar no mérito das épocas em que isso ocorreu, ou o que pensavam os artistas e suas musas, muito menos o sentido do politicamente correto ou incorreto, o fato é que isto não é requisito, ou certeza, de que as curvas das formas levem à um bom contorno de curvas; estas, as que encontramos no dia a dia e normalmente após uma reta. É destas que trataremos.
Alguns pilotos de competição frisam que importantes mesmo são as curvas de alta velocidade por nelas estarem as grande diferenças no tempo de volta; a forte razão para que o equilíbrio nelas seja fundamental. Já outros levam mais em conta andar bem nos circuitos travados; mas, nestes o equilíbrio também é mandatório. Então, o que “separa os homens dos meninos” lá nas pistas e cá no mundo de ruas e avenidas?
Acredito que, além da capacidade dinâmica do veículo, seja a capacidade de interpretar, abordar e contornar a situação e dela tirar o maior proveito e eficácia possíveis. E não necessariamente em altas velocidades incompatíveis com o local e o veículo. Rua não é pista, mas bom rendimento é útil em qualquer lugar.
Ficou conhecida e famosa a ocasião em que a equipe do então iniciante Nélson Piquet viajava pelo país numa Kombi rebocando uma carreta com o Fórmula Super Vê e o motor da “velha senhora” pifou. Não tiveram dúvidas; tiraram o motor do monoposto e colocaram nela. Pergunta: será que a Kombi conseguiu contornar curvas melhor que antes por ter motor mais potente? Não creio; o “chão” (acerto de chassis) dela continuou o mesmo. Mas que eles devem ter se divertido bastante no restante da viagem, ah, isso eu imagino que sim.
Ou seja, há muito mais envolvido no fenômeno de abordar, contornar bem e sair (inteiro) de uma curva.
Elementar. meu caro Newton
Os três princípios fundamentais da Dinâmica Clássica dos Corpos creditados ao físico inglês Isaac Newton (1642-1727) são essenciais na compreensão desse fenômeno.
No primeiro deles voltamos ao tema da inércia (leia mais aqui). A tendência de um corpo é manter seu estado e movimento, mesmo que seja de velocidade nula. Aqui é interessante relembrar que quanto mais massa um corpo tiver, mais difícil mudar sua velocidade e estado de equilíbrio. Basta comparar um carro, um caminhão e um trem seja para acelerar, contornar curvas ou frear. Mais, é necessária grande força para alterar a inércia de corpo de grande massa. Mais massa, mais força para alterar a situação vigente num dado instante.
O segundo princípio trata forças como sendo agentes que produzem variações na velocidade de um corpo através da interação deste com outro corpo; e se há variação de velocidade é porque uma aceleração foi provocada por uma força, ou resultante de várias forças.
A talvez mais famosa força que conhecemos é fruto da atração gravitacional da Terra; é o peso, o nosso peso, por exemplo, ou o de um veículo. Só lembrando, P = mg onde m é a massa e g é a aceleração da gravidade igual a 9,80665 m/s², normalmente arredondada para 9,81 ou até mesmo 10 m/s².
Assim sendo, não se deve confundir massa e peso: massa é quantidade de matéria, peso é força.
Já o terceiro princípio afirma que sempre que dois corpos interagem, as forças são mútuas, com mesma intensidade e mesma direção, mas sentidos opostos. A conhecida lei da ação e reação.
Um veículo percorrendo uma trajetória curvilínea interage com o piso através dos pneus. A força de atrito de escorregamento lateral é gerada como reação ao esforço (ação) imposto pelo sistema de direção.
Aqui já estamos nos aproximando mais do nosso tema. E os três princípios estarão sempre presentes.
Centrípeta e centrífuga, ou qual delas?
Primeiro, vamos recordar o esporte olímpico do arremesso de martelo.
O sujeito gira, gira, gira e solta o cabo onde está presa uma bola de massa padronizada. Nesse instante, a bola possuía uma velocidade com valor, direção e sentido. Ela segue o que se costuma chamar de “sair pela tangente”, literalmente, e com a velocidade no valor, direção e sentido desse instante.
Durante o gira-gira, só foi possível manter o movimento circular porque o esportista age com uma força de tração (através do cabo) e a reação na bola é a chamada força centrípeta (este nome porque ela sempre aponta para o centro). É ela que produz a aceleração centrípeta e com ela a variação ponto-a-ponto ao menos da direção da velocidade, mesmo que não houvesse variação do valor da velocidade. Por isso a trajetória circular, mesmo que o valor da velocidade fosse constante.
Por analogia, observemos de fora um veículo em movimento curvilíneo num piso plano e sem inclinação. Ele terá na força de atrito de escorregamento lateral, proveniente da interação pneus e piso, a força centrípeta (tração) necessária para manter uma certa velocidade máxima antes de derrapar porque o atrito foi a zero (força centrífuga zero) e sair pela tangente.
Curvas de pequeno raio e/ou baixos coeficientes de atrito implicam em velocidades mais baixas; o oposto vale. Entretanto, se houver inclinação lateral da pista (ou superelevação, como preferem alguns), neste caso o peso do veículo contribui para aumentar a força centrípeta e assim atingir velocidades mais altas mesmo com menores coeficientes de atrito.
Mudando completamente de referência, observemos uma lavadora de roupas durante o ciclo de centrifugação. O que as roupas molhadas “sentem” é uma força que as espreme contra a parede do tambor e ficam ali “grudadas”. É exatamente isso que sentimos contra o banco e o cinto de segurança numa curva, pois estamos no veículo e não mais observando de fora o movimento circular. É a chamada força centrífuga, que é uma pseudoforça ou força inercial, pois o que está ocorrendo com os ocupantes que, assim como o veículo, também estão sob esse efeito, é na verdade a lei da inércia. A aceleração sentida é chamada centrífuga, também conhecida como aceleração lateral. É aquela sensação de que estamos sendo empurrados para fora do veículo, para a lateral.
Importante, observe que as forças e acelerações centrípeta e centrífuga ocorrem em relação à referenciais distintos e não são ação e reação uma da outra.
Nos detalhes, a precisão e os resultados
Lembremos que no movimento em linha reta, em que não há força centrípeta para alterar a direção (reta) da velocidade, não há também aceleração centrípeta, nem centrífuga, e por isto a velocidade pode ser maior do que se tivéssemos ali uma trajetória curvilínea.
Aqui o primeiro e óbvio detalhe, mas nem sempre simples de aplicar: para mais eficácia e, se necessário, mais velocidade, a curva deve ser a mais “reta” que se consiga. É o tal tangenciar a curva.
No ponto de abordagem é importante focar onde será a saída da curva e procurar a trajetória mais direta possível entre esses dois pontos. E manter sem movimentos o sistema de direção, evitando esforços laterais e as consequentes variações de acelerações. É o chamado steady-state (posição estática, em tradução livre) do volante desde a entrada até a saída da curva. Bons veículos que se prezem foram bem calibrados no sistema de direção para esse tipo de manobra.
Isto nos leva ao fato de que trajetória descrita e trajeto não precisam ser exatamente idênticos. A antiga curva do Sol em Interlagos, por exemplo, tinha um desenho, mas dois pontos de tangência para contorná-la com a direção em posição fixa assumida na entrada.
Mas, claro, isto não é mundo real de ruas, avenidas e estradas, principalmente as de mão dupla. Aqui, o máximo que se pode fazer é evitar muitos movimentos de volante, obtendo assim aderência constante, menor desgaste de pneus e menor consumo de combustível.
Outro detalhe nos remete à lei da inércia. Os veículos de maior massa precisam de mais aceleração centrípeta para alterar a trajetória de linear para curvilínea. Em compensação, essa maior massa ajuda (e muito) exigindo menos de motor e transmissão nas retas. Em geral, motoristas de caminhão e ônibus conseguem melhores resultados em economia de combustível justamente por usarem a maior inércia da massa a seu favor em subidas e descidas e contornar curvas com raio mais longo possível.
Falando em transmissão, os veículos esportivos com tração nas quatro rodas levam vantagem sobre os similares com tração apenas em duas. A aceleração centrípeta é maior e com isto a capacidade de contornar curvas. Basta observar os carros de rali.
Além disso, há o (bom) efeito colateral da tração integral que é o torque ser distribuído por quatro pontos de contato com o solo, retardando ou até evitando a perda de aderência nas acelerações fortes.
Voltando à maior capacidade de contornar curvas, é importante quantificar a aceleração lateral a que o veículo, e quem está dentro, é submetido antes de derrapar. E é isto que é feito nos projetos e testes.
É feito com o veículo executando um círculo de raio padrão (30,48 m) enquanto um acelerômetro calibrado mede os valores obtidos. A unidade no sistema métrico é o metro por segundo por segundo (m/s²), mas é mais comum o valor em múltiplos de g, onde g é igual à aceleração da gravidade. Quanto maior o valor de g, maior a capacidade do veículo em contornar curvas em maiores velocidades.
Aqui é interessante ressaltar que os acelerômetros disponíveis nos sistemas de controle de estabilidade, além de monitorarem os valores de aceleração lateral, informam à ECU que toma providências, se necessário. Pode, por exemplo, ser na aplicação dos freios de forma distinta nas rodas ou mesmo na potência do motor.
Por fim, um detalhe muito interessante é que o que é bom em linha reta quase nunca é bom para curvas; a geometria de direção, por exemplo, tem posturas bem antagônicas.
Para citar apenas um fator, lembremos da divergência das rodas dianteiras. Entre outras influências, ajuda nas curvas, mas causa arrasto dos pneus em retas.
Não por acaso, a equipe Mercedes da Fórmula 1 trabalhou nesse mínimo detalhe e criou o DAS – Double Axle System (Direção de Eixo Duplo, em tradução livre). Através de um movimento similar ao do ajuste de distância do volante de direção, ao entrar numa reta, o piloto pode puxar o volante para si e com isto “zera” a convergência original das rodas dianteiras. O giro dos pneus é mais livre, sem o tradicional arrasto e aquecimento, além de absorver menos potência do motor. Ao abordar uma curva, o piloto empurra o volante contra o painel e a divergência volta à configuração mais adequada a contornar curvas.
O princípio da solução é um verdadeiro Ovo de Colombo: o movimento axial do volante (e da árvore de direção) leva a uma mudança de posição da caixa de direção em relação aos braços de direção. Com isso, o impõe-se alteração do ângulo entre cada extremidade da cremalheira da caixa e cada braço de direção. Questão de simples trigonometria: se a barra de direção não faz ângulo com o braço de direção, ao passar a ter é como se barra ficasse mais curta. Por exemplo, uma barra de 300 mm com ângulo de 10º passa a representar uma barra de 295 mm (o cosseno de 10º é 0,984). Lembre-se, o ajuste de convergência de todo automóvel é feito justamente variando o comprimento da barra de direção por meio de uma rosca em algum ponto dela.
Sou capaz de apostar que a pessoa que bolou essa solução teve a ideia ao ajustar a distância do volante do seu carro…
Um conceito simples e inteligente. Talvez não demore muito para chegar aos veículos topo de linha.
MP