Para quem acompanha minhas divagações há mais tempo, talvez se lembrem de eu querer comprar um carro novo, mas está difícil.
Quando escrevi aquele texto, pensei muito e expressei minha insatisfação com o fato de além de pagarmos super caro, não podíamos escolher dentro do leque de opções oferecidas em outros países pelos fabricantes o que realmente desejávamos. Muito mais que papo vazio, era uma forma de mostrar que tem ainda um ou outro eventual possível comprador de carro que não faz parte da massa e que pensa e quer algo diferente.
Talvez por eu não ter que esquentar muito a cabeça com carro novo, nem ter necessidade de mais carros, novos ou antigos, nem me emocionar muito com a imensa maioria das ofertas automobilísticas atuais, isso é algo que vou empurrando preguiçosamente com a barriga.
Ano passado, num momento perdulário, resolvi que ia gastar algum em carro. Poderia ser um carro novo ou um carro velho, ou até mesmo alguns carros usados, modernos ou não.
Claro que tudo o que pus naquele texto, eu quero comprar etc. se fez presente. Não vi nada que realmente, a um preço minimamente aceitável, me estimulasse a uma compra. E o pior, o que estimulava não era bem o que eu queria, além de custar uma pequena fortuna. Lamento, mas do mesmo modo que eu não acho engraçado pagar, digamos, 200 mil num carro e não poder escolher o tipo de transmissão ou mesmo a cor dele, também acho triste pensar em pagar o mesmo valor num carro antigo, com, digamos, 40 anos de uso, que sabemos bem que não vale nem 20% do que se pede ser oferecido por valor similar ao de um bom e moderno muscle car.
Já que eu queria comprar mesmo e não tinha bem o que queria, resolvi me aventurar por outras águas e comprei uns carrinhos diferentes só pra ver como é que eram de verdade numa relação mais longa de propriedade.
Antes de qualquer outro, negociei o semente estragada com o dono. O carro precisa de atenção e carinho, tempo, alguma grana e mais carinho. O dono não tinha como fazer, eu curti tanto fazer o carro que não queria que acabasse em qualquer oficina com qualquer um mexendo e com a clara possibilidade de se desmanchar o projetinho e o carro virar fumaça. Foi a primeira aquisição.
Com ele aqui de novo, comecei a zerar tudo o que tinha de ser acertado, freios, novo radiador, instrumentos mecânicos de pressão de óleo e temperatura da água e um conta-giros. Motor saiu fora para uma revisão, já que ao pegar ele de novo me empolguei e sai com ele meio a moda e não tinha óleo, só que a vareta do óleo não me disse isso assim da forma mais fácil. Mole, só um pequeno contratempo. Um virabrequim novo, uma biela nova e fomos para a guerra novamente. Novos bancos, mais detalhes de acabamento, conectores e mais uma coisa ou outra. No fim, um jogo de polias torneadas de alumínio, mais tampas de válvulas de alumínio polido da Edelbrock e um console de época, de courvin preto, para completar o interior.
Por fora, consegui um jogo de rodas Limbra, modelo Cruz de Malta, que consegui novas, peças de estoque novas, com um cara que sempre considerei um sujeito seriamente legal, o Afonso da Pronto Rodas, aro 13 mesmo, como tinha que ser, duas 6″ e duas 7″, pneus novos e fim de jogo. O carro está delicioso de andar e mais legal ainda de olhar. Minha filha, que curte carro um monte, saiu e fez alguns passeios rápidos com ele e saiu bem satisfeita com a bagunça. O torque do V-6 num carro ridiculamente leve e com relação bem curta deixa ele no mínimo muito divertido de guiar.
Com isso, agora além da Caravan V-8 que eu tanto gosto, tem outro brinquedo Chevy nacional na garagem com o mesmo desvio de conduta e o mesmo jeito deliciosamente legal de se dirigir. Paralelo a isso, a coceira de carro mais moderno e diferente do comum, do mundano do mesmo continuava firme e forte. E sempre tem um carro ou outro que mexem com nossas fantasias autombilísticas. Um desses carros no meu grande horizonte do automóvel era o Alfa 156. Beleza, pintou um, bem legal, íntegro, bem conservado e comprei. Claro, para ter alguma emoção, por acaso o motor quebrado. Mal tinha comprado, me aparece num classificado local um outro Alfa, 145 Quadrifoglio Verde, num estimulante rosso Alfa, muito legal mas também com motor quebrado.
Nem tentei argumentar, a pergunta foi quanto é mesmo isso aí e boa, ‘tava comprado. Veio mais um Bravo, aquele que não faz tchkloink e outro Alfa, desta vez um 155 Elegance bem inteiro mas claramente necessitado de alguma atenção. Bom eu pensava em um, acabei com mais quatro e com coisas a fazer, mas, tudo bem. Tudo, claro por culpa de um outro Marea 2001 2,4 que temos em casa e que por uma série de detalhes muito legais me fez dele gostar muito, mas tanto a ponto de embarcar nessa dos Alfas e do Bravo. Na verdade, o Bravo foi até meio achado, o que eu buscava mesmo era um Brava HGT, mas isso é só um detalhe, que por acaso acabei nem comprando — ainda, pelo menos.
Passado um tempo desde a fúria aquisitiva, pude constatar algumas coisas muito legais.
Primeiro, que deixar a zona de conforto e se aventurar por outros mares é sempre algo muito legal de se fazer.No caso, uma dupla aventura, porque foi o Chevette V-6 que saiu da fórmula mágica de meter V-8 em tudo e depois os Alfas, Bravos etc….
Segundo, que por mais que digam que não, que a indústria automobilística em geral tente até disfarçar, o entusiasmo não morreu. Pode estar meio demodé, meio cafona, mas existe e ainda vende alguns carros.
Terceiro, que independente do número de cilindros, de qual ponta do carro tem a tração e como ele se mexe, sempre se pode ter algo imensamente legal e divertido.
Quarto, desde moleque eu tinha sacado que diversão e paixão não são sinônimos de muito dinheiro empatado em algo. Ou seja, o gosto, o prazer são coisas pessoais que têm nada a ver com visibilidade social, status e coisas no gênero.
Comprei um monte de carros velhos, mercadologicamente desprezíveis e me diverti como não me divertia há muito tempo.
Ou seja, o gosto de futucar nos carros, de modificar uma coisa ou outra por menor que seja, o gosto de fazer alterações planejadas que tornam o carro mais agradável, mais com a cara do dono possível, fácil e até simples mesmo nos carros modernos que eu vejo muitos reclamarem e não aceitarem como possível ou, pior, sequer divertido e prazeroso.
Ter que voltar a freqüentar ferros-velhos, catar peças diversas, exercer a memória visual para no meio de tanta imundice, achar algo útil é legal demais. Quando concluímos a obra e podemos sair com o carro, usar ele de forma bem intensa e ver que tudo ficou bom e as eventuais modificações atenderam o plano inicial, é algo impagável. Não me importa muito se um MiTo zero-km é melhor que um 145 velho, não me interessa nem um pouco se todas as opções de conectividade presentes nos novos são muito práticas aos jovens que querem Bluetooth e GPS, muito menos ainda o quão mais competentes os novos são mais que os velhos. Tudo isso, e muito mais coisas que se ofertam como sendo imprescindíveis me parecem apenas um exercício do supérfluo, do não essencial, do necessário.
Para que eu posso querer um carro com um dispositivo Connect para smartphone se eu uso um celular comum, que só é um mero e reles telefone que eu não uso quando dirigindo porque não consigo fazer duas coisas ao mesmo tempo, falar ao celular e dirigir, por exemplo?
E de quebra “tô nem aí” se o 145 e o Bravo 1ª geração são feitos sobre a mesma plataforma do Tipo.
Fico vendo que em breve teremos eventualmente o Toyota GT86 e o novo Honda Civic Si duas-portas. São carros feitos e dedicados e pessoas que realmente curtem automóveis, desempenho, prazer de guiar. Carro para autoentusiasta.
Fico feliz de ver isso. Fico mais feliz ainda com o fato de a GM continuar a trazer Camaros e agora vem com Corvette. Fico mais feliz ainda com a notícia de que teremos Mustangs e Challengers aqui com importação oficial. Tudo imensamente legal, imensamente entusiástico e desejável.
Várias coisas tomam minha mente de assalto e começo a pensar em coisas desconexas como o que seria mais legal, pelos preços praticados e rumores especulativos, se gastar 230 mil em um único Camaro ou em um Si mais um GT86? No fim, vai ter 8 cilindros mesmo…mas o que seria mais legal, os dois carrinhos japas vermelhos ou um Camaro amarelo? Ou um Camaro usado, digamos 2010 e um Challenger igualmente usado?
Me parece tudo muito confuso agora depois dos Alfas. Quando a gente pára e pensa que com o valor do GT86 por exemplo, que seria algo como 130 mil, se compra, por exemplo, um Alfa Spider V-6 mais um Alfa 147 bem mais novo que os antigos 145/155/156 e ainda sobra grana? Qual o real peso que tem o novo para ser tão relativamente mais competente que o antigo, ou quanto financeiramente falando isso faz diferença?
É possível precificar felicidade e entusiasmo?
O prazer de mexer e modificar um carro, seja ele qual for, independe dele ser novo ou usado.
Fazer um hot rod é muito mais uma questão de espírito que de marca ou mesmo da idade do veiculo. Se eu sei, quero e posso, por que não pegar um GT86 e pôr nele um motor maior e mais forte de um WRX por exemplo, mesmo que seja apenas instalando o turbocompressor? E se eu tiver um flat six de um Subaru SVX e quiser pôr nele só pela bagunça? Qual a diferença disso para por um V-6 num Chevette ou o V-8 no Opala, por exemplo, ou mesmo um V-6 da 164 num 155? Ou, pior ainda, por um C20XE num Celta 1,0?
Engraçado que isto tudo me parece tão normal e natural que me pergunto por que mais pessoas não fazem. Dia desses tive a satisfação de visitar um pessoal muito entusiasmado por Fiat, que tem um Brava com V-6 do 164. Impossível não curtir e achar isso o máximo, ainda mais porque são caras jovens, que conhecem coisas novas, não um velho horroroso que faz isso como se fosse a coisa mais normal do mundo. Será que ainda tem outros que pensam que tudo isso é normal, possível e desejável? Ou eu perdi o resto do senso e pirei de vez?
AG
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