Oreste Berta é provavelmente um dos mais completos preparadores de carro de quem já ouvi falar ou sobre quem já li. Ele é mais autodidata, pois embora tenha começado a estudar Engenharia mais formalmente, preferiu investir numa bolsa de estudos nos Estados Unidos, para onde foi aos 20 anos e onde se especializou na preparação de motores de motos, sobretudo Ducati e Cucciolo. Isso, depois de ter se iniciado, aos 13 e por conta própria, na montagem de pequenos motores em bicicletas. Na volta à Argentina, perto dos 27 anos, prepara por conta própria um Renault Dauphine para uma prova de Turismo Carretera. Aumenta o motor de 845 cm³ para 998 cm³ e substitui partes da carroceria por outras feitas de compósito de fibra de vidro, para aliviar o peso do carro e melhorar a relação peso- potência. Com Eduardo Copello ao volante (sim, o bicampeão de Turismo Carretera e que, mais tarde, participaria da famosa Missão Argentina com os três Torinos e Juan Manuel Fangio chefiando o time) chegou a liderar por algumas voltas, até que um problema no motor tirou o carro da prova. Ao ver seu potencial, a IKA o contrata como diretor de sua equipe IKA de Turismo Carretera e começa a história de sucesso que já mencionei.
Em 1969, Oreste entra na equipe da “Missão Argentina” que participa da “Marathon de la Route”, a famosa 84 horas de Nürburgring. Oreste foi como diretor técnico e responsável pela preparação dos três Torinos que competiriam na duríssima prova, e uma equipe formada pelos melhores pilotos do país naquele momento (Foto miniatura). Por mais que goste de lembrar aquela prova, poupá-los-ei de repetir essa façanha. Mas quem quiser, pode reler a história aqui.
Mas a experiências internacional de Oreste não se limitou a Nürburgring.
Em 1975 um carro seu quase (e aí vai um spoiler, já estou estragando a história e contando o final) correu na Fórmula 1.
No início dos anos 1970, paralelamente a todos os desenvolvimentos que já mencionei, Oreste trabalhava na preparação e melhoria de carros de fórmula para a Fórmula 1 Mecánica Argentina, sobre a qual já falei aqui. No final de 1973, o milionário argentino Francisco Mir, que morava na Califórnia, pediu a Oreste que construísse um carro para competir na Fórmula 5000, uma categoria com carros semelhantes aos da F-1, mas com motores de 5 litros (os da F-1 eram de 3 litros ou 1,5 litro turbo). Mir assumiria as despesas de materiais, mão-de-obra e da compra de um motor Chevrolet-Boltof para treino.
Oreste então alugou um túnel de vento da Fábrica Militar de Aviões e teve a ajuda de uma pessoa que ele conhecia apenas como “Horten”. Quando o carro chegou à Califórnia chamou a atenção de alguém que, admirado pelo desenho aerodinâmico, perguntou a Berta quem era o responsável e ele disse que havia contado com a ajuda de “um tal Horten”. O curioso em questão era o vice-presidente do fabricante de aviões McDonnell Douglas que sabia quem era Horten – Reimar Horten, a pessoa que, junto com o próprio irmão havia desenhado, na Alemanha e durante a Segunda Guerra Mundial, um dos primeiros aviões a turbina do mundo.
Mas se quem entendia de aerodinâmica havia adorado o carro, o patrocinador Mir fez pouco caso e disse que ele apenas serviria para enfeitar um restaurante que estava inaugurando em Los Angeles, mas que dava tudo na mesma pois ele já havia comprado dois outros carros Eagle de Dan Gurney, ex-piloto e preparador de carros americano e que sua equipe usaria esses para participar das provas.
Oreste levou o carro e seu piloto, Néstor Jesús García Veiga testaram o carro no deserto, em Willow Springs, onde o carro ficou a 2,5 segundos do recorde de Mario Andretti. Depois, na primeira prova, o Berta BA3 e García Veiga terminaram em sexto lugar em Mosport, mas em Laguna Seca tiveram que abandonar, desta vez com Di Palma ao volante. Mas no dia seguinte, quando voltaram à oficina, o carro já não estava lá. A partir daí a história se enrosca, mas, resumindo, Mir não quis devolver o carro, demitiu toda a equipe e, apesar da insistência de Oreste, que quis devolver o dinheiro para ficar com o carro, apenas com a intervenção do consulado argentino é que ele conseguiu reaver o carro no final de 1974. Mesmo assim, totalmente desmontado, em frangalhos (foto abertura). Segundo Oreste, tempos depois eles se reencontraram e Mir teria reconhecido o erro. Tempos ainda mais tarde se reencontraram e Mir havia perdido todo seu dinheiro e era um funcionário numa concessionária Mercedes-Benz.
Já de volta à Argentina, Oreste quis que o carro participasse dos GPs de F-1 do Brasil e da Argentina. Modificaram o monoposto, adaptaram um motor Berta V-8 e rebatizaram o Fórmula 5000 como Berta LR F1. Embora o jornal La Razón não patrocinasse este carro, Oreste quis manter as letras em homenagem a seu ex-apoiador por considerar o motor um desenvolvimento do SP. Bacana, não?
Para atender ao regulamento da F-1 também foram mudadas as geometrias das suspensões para os pneus de 13 polegadas normais. Foram fabricadas rodas de alumínio pela argentina Ruedas Argentinas e a brasileira Italmagnésio fez um modelo de magnésio mais leve. Os testes feitos no autódromo de Buenos Aires mostraram que o carro chegava a pouco mais de 400 cv, mas segundo Oreste seriam necessários no mínimo mais 50 e encomendou, nos Estados Unidos um jogo de pistões que não produziram mais do que 360 cv. Oreste voltou aos pistões argentinos, mas o motor acabou quebrando.. Mesmo alterando óleo e outros componentes, o desastre acontecia e assim se perderam quatro motores.
Eis aí que entra a ajuda dos irmãos Fittipaldi. Emerson e Wilson Jr, que estreavam na Copersucar, oferecem a Oreste um motor Cosworth, um dos mais bem sucedidos da F-1, com a única condição de que fosse devolvido funcionando. Oreste pensou bem, fez as contas, agradeceu e desistiu pois chegou à conclusão que não teria dinheiro para repor o motor em caso de quebra, e voltou para Córdoba.
Mas o destino bateu à sua porta – não, esse é o nome do filme. Neste caso, o destino tocou o telefone. Era o empresário Arturo Scalise que mandou uma passagem aérea para Buenos Aires e disse que lhe daria de presente o dinheiro necessário para que comprasse um motor Cosworth. O motivo era até engraçado. Havia feito um acordo com a esposa e estipulado um valor bem alto em dinheiro. Ele queria dar o motor a Oreste. Ela concordou, mas gastaria a mesma soma no que ela quisesse.
Oreste então inscreveu seu carro e, novamente, a García Veiga como piloto para o GP da Argentina. Com muita gente já no circuito, foi até lá e conversou com Bernie Ecclestone, então dono da Brabham (equipe pela qual corria Reutemann), que se ofereceu para lhe enviar um motor desde a Inglaterra, mas novamente Oreste fez as contas: o motor chegaria na última hora, teria de adaptá-lo, o chassi apenas havia sido testado… Oreste conta que o mais difícil foi convencer Scalise a desistir, pois ele era o mais entusiasmado com a ideia. Quanto à esposa de Scalise, até hoje não consegui descobrir se ela gastou a parte do dinheiro que lhe cabia ou não, mas ainda estou curiosa por saber como terminou o acordo.
Acabou assim o sonho de colocar no grid da F-1 um carro competitivo e totalmente argentino que, por duas vezes, esteve muito perto de acontecer graças ao empenho e à garra de muita gente. Mas, na realidade, feitas as contas, talvez essa tenha sido uma das raríssimas categorias das quais Oreste não participou efetivamente. Mas nem por isso seu nome deixa de ser sinônimo de automobilismo. E é um belíssimo exemplo de patriotismo e amor ao automobilismo.
Mudando de assunto: discuto bastante com família e amigos sobre jornalismo. Não nego que há meios de comunicação que têm um certo viés político, seja de esquerda, seja de direita, mas sempre insisto em que a maioria dos erros e especialmente dos absurdos, são cometidos por total analfabetismo. Os coleguinhas deixam de lado uma determinada notícia ou dão ênfase demais a outra menos para prejudicar alguém do que por falta de cultura e de contexto. Acontece de propósito? Sim, mas na grande maioria das vezes é a mais pura burrice, falta de leitura e até mesmo de conhecimentos básicos, lamento dizer. Ou o que dizer disto? Não dá para fazer uma simples operação de somar ou subtrair de apenas três cifras? Que eu faço de cabeça, mas vamos supor que a criatura precise de papel e lápis. Ainda assim, não consegue? Ainda, não sabe usar o celular para fazer essa simples operação? Affe!
NG