Lembro-me como se fosse semana passada, mas foi em 1984. Abro a recém-comprada Motor 3 e vou folheando-a rapidamente, e de repente paro em uma página com uma única foto de um esportivo verde-claro, absurdamente chamativo e com formas futuristas. Ramarro, nome de um réptil, e leio que se trata de um exercício de estilo sobre um Corvette real, não uma maquete.
O estúdio Bertone concebeu o carro funcional a partir de um C4, o Corvette que se parece originalmente com uma cunha magistralmente transformada em carro, para levá-lo visualmente ao futuro. Essa casa de estilo de Turim tem um nome reconhecido mundialmente, mas Nuccio Bertone não é o autor de tudo que lá saiu, e o Ramarro prova o caso. A maior parte do trabalho foi de um belga, Marc Deschamps, que trabalhou as formas geométricas básicas esculpindo-as para se combinarem em um modelo notável.
Nascido em 1944, trabalhou na Peugeot e Simca, e depois na Itália, primeiro na Ghia e depois Bertone, em seguida retornando à França para um trabalho importantíssimo na Renault, o 5 Turbo, talvez o mais clássico de todos os hatchbacks esportivos. De volta para a Bertone em 1979, para trabalhar em cerca de uma dúzia de conceitos e modelos que seriam produzidos, mas apenas como participante. E aí chegamos ao Ramarro.
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O Salão de Genebra de 1983 havia exposto o Corvette C4, e esse mesmo carro foi levado para a Bertone para que fosse usado como inspiração para algo mais mundial e/ou europeu, já que a GM sabia que seria maravilhoso aumentar suas vendas fora dos Estados Unidos, pois já planejava um motor mais avançado que apelasse mais ao comprador nao americano. Esse veio a ser o ZR-1, cuja história está aqui.
Deschamps liderou o trabalho, fazendo o Corvette de aparência tecno-muscular (imagine um androide fortão) ficar mais esguio. O para-brisa foi ainda mais inclinado para trás, entradas de ar para o radiador eliminadas, já que este passou para a traseira, trocando de lugar com o estepe temporário, e uma finalização traseira totalmente não Corvette, sem as tradicionais quatro lanternas.
Trabalhou-se em um desenho que permitisse fluxo de ar colado até o vidro traseiro, com as tomadas para o radiador logo após este. A cobertura do radiador abre e fecha de acordo com a temperatura do motor, e foram colocados três ventiladores para garantir o maior fluxo possível.
O comprimento diminuiu em relação a carroceria original do C4 em 330 mm, para um total de 4.150 mm, mas mantendo o mesmo entre-eixos de 2.440 mm.
Incríveis são as portas, projetadas pelo time do estúdio (que sempre precisa ter engenheiros). Elas pulam para fora e depois correm para frente, perfeitas para apertadas vagas europeias, mas ótimas em qualquer lugar do mundo real. Apenas isso já melhora a praticabilidade do carro enormemente, pois as portas originais são enormes. Como os trilhos são necessários, linhas vincadas foram adotadas na lateral, para camuflar ao máximo os elementos mecânicos que permitem o movimento.
A abertura para a frente ajuda a livrar espaço para bascular o banco e colocar bagagem atrás deste, já que a área de porta-malas original do Corvette foi prejudicada pela instalação do radiador.
Praticamente três décadas antes de se tornar moda, o Ramarro já tinha o teto em cor escura — que, lembro, pode ser visualmente agradável mas só atrapalha no calor interno — sendo mais uma prova de futurismo.
Por dentro, linhas simples integram o banco único e a área entre eles. O comando de distância do banco consiste em um grande botão giratório no centro, onde estaria o console. Aparentemente não há muito suporte lateral para o corpo. Se o Ramarro tivesse sido produzido para venda, seria certamente modificado nesse item. O painel de instrumentos também é bastante simplificado em forma, mas tem os instrumentos concentrados em uma prancha, que seria hoje uma tela grande. Voltado levemente para o motorista, concentra a maioria dos comandos e informações, sendo o mesmo famoso quadro de instrumentos do C4, com instrumentos digitais e um dos pontos principais do carro que chamou muita atenção no lançamento. Comando de câmbio também está nessa prancha. O espaço para bagagem fica atrás dos bancos.
As rodas — com desenho voltado para arrefecimento dos freios — são uma polegada maior em diâmetro, 17, com pneus 280/45VR17 atrás e 240/45VR17, na frente.
O nome Ramarro é o de um pacifico lagarto comum na região de Capri. Isso inspirou tanto os tons de verde como as texturas do interior. A apresentação do carro foi na Los Angeles Expo em junho de 1984, evento que aconteceu pouco antes dos Jogos Olímpicos na mesma cidade.
Houve estudos para produzir uma pequena série, mas não deram em nada, mesmo com o prêmio Car Design Award de 1985 da prestigiosa revista italiana Auto&Design.
O curto vídeo a seguir mostra o carro em vários ângulos, inclusive andando.
JJ