Há alguns anos passei uma semana na capital francesa, minha primeira viagem internacional. Autoentusiasta de carteirinha, evidentemente não poderia deixar de incluir alguma atividade ligada a automobilismo no passeio.
Fiquei sabendo então, através desse nosso querido espaço, da exposição dos principais carros da coleção do estilista Ralph Lauren no museu de artes decorativas anexo ao Museu do Louvre. Automaticamente essa se tornou a principal atração de minha viagem. Não vou me estender muito na descrição desse passeio fantástico, já que não era permitido fotografar de perto a coleção. Mas vocês não podem imaginar a minha felicidade ao me incluir entre aqueles que já puderam ver de perto um Ferrari 250 GTO e outro carro ainda mais raro, para mim o mais bonito entre todos já idealizados: o Bugatti type 57 SC Atlantic.
Digna de nota a presença de um McLaren F1, único carro da era moderna em exposição. Uma sala da exposição tinha um sistema de áudio muito bem planejado, com o som dos motores de cada um dos carros em exposição. Nada como ouvir ao vivo, mas ainda assim de causar arrepios. Dentro do museu apenas dois cliques foram possíveis: um na chegada, do interior desse Bugatti fantástico e único, claramente inspirado nos aviões contemporâneos ao modelo, e outro dos três Ferraris, vistos de cima, quando eu passava por outra área do museu.
Evidentemente, minha vivência automobilística não se resumiu a essa visita. Os olhos e ouvidos estavam sempre atentos nas ruas aos veículos, suas semelhanças e diferenças em relação aos nossos, além de observar a dinâmica do trânsito e dos meios de transporte de uma maneira geral.
O que mais me chamou a atenção foi a quantidade absurda de veículos a diesel nas ruas de Paris: acredito que entre os modelos mais novos chegue a 50% o número de veículos com esse tipo de motorização, provavelmente em razão do menor custo por quilômetro rodado. Mas por mais que se diga que esses motores estão evoluídos, em marcha-lenta chega a incomodar o nível de ruído e vibração, além do estranhamento que esses veículos causam a um brasileiro: às vezes em ruas estreitas ficava com medo de alguma van tipo Sprinter me atropelar, e me assustava ao me virar e me deparar com um prosaico Peugeot 206, ou Mini Cooper. Levei dias para me acostumar! Além disso, acho que um ruído de caminhão tiraria boa parte do prazer de andar de carro. Nunca teria um desses.
Outro ponto interessante é a quantidade de carros pequenos e motos nas ruas, já que Paris é uma cidade muito antiga, com a maioria das ruas e imóveis construídas antes da invenção do automóvel. O número de residências com garagem é pequeno, e as ruas são estreitas demais. E a ausência dessas barcas chamadas SUV dá uma certa leveza ao trânsito que há muito não se vê por aqui. A grande maioria dos carros têm arranhões e amassados, provavelmente por estarem sempre na rua. Pára-choques estão sempre arranhados, por causa das vagas apertadas. Os parisienses não parecem se incomodar muito com esses pequenos defeitos em seus carros. Versões especiais e esportivas de alguns modelos conhecidos nossos são mais abundantes em variedade e número. Esportivos puros também dão as caras mais facilmente. E toda essa diversidade convive muito bem nas ruas, sem a violência do trânsito brasileiro. O pedestre é respeitado, apesar da pouca fiscalização de autoridades de trânsito, mostrando um perfil de motorista mais consciente.
Entre as motos, chama atenção a preferência por scooters, presentes em grande número e variedade, muito adequados a um ambiente urbano, pois a maioria os usa apenas nos limites da cidade. Um desses scooters tem a estranha configuração de duas rodas na frente e uma atrás, com um engenhoso sistema de suspensão dianteira permitindo a inclinação do veículo mantendo as duas rodas em contato com o solo. Com o benefício ainda de dispensar o descanso.
Com relação ao trânsito, fica a impressão de fluidez. Acredito que o metrô exemplar e bem integrado ao restante do transporte público seja o grande responsável, levando o indivíduo a preferir deixar o carro em casa (ou em frente de casa, para os que não têm garagem). São 300 estações apenas na região central, sem contar o sistema de trens suburbanos. A distância média entre estações é de 500 metros, o que significa que dificilmente o usuário andará mais de 300 metros a pé até o metrô. O trânsito de Belo Horizonte, onde moro, cidade muito menos populosa, por exemplo, é infinitamente mais carregado.
Obviamente porque praticamente TODAS as pessoas que precisam se deslocar precisam ocupar as ruas, seja de ônibus, carro ou moto, já que a cidade conta com apenas uma linha de metrô que apenas tangencia a região central da cidade. Me perguntei quando teremos um trânsito assim. Acredito que não vou viver para ver isso acontecer, principalmente quando descobri que a primeira linha do metrô de lá foi inaugurada em 1900. Fica então para a nossa e as próximas gerações reverter nosso incompreensível sistema de transporte baseado em estradas em um país de dimensões continentais, com sucateamento do sistema ferroviário já implantado até a década de 1960… como diria um velho professor de História, abaixo da linha do equador as coisas acontecem ao avesso.
Abraço a todos.