Blackpool é uma cidade inglesa litorânea na costa oeste, onde está localizada a TVR. Não produz nada há uns bons sete ou oito anos.
Blackpool pode ser traduzido como “charco negro”, e no caso desse modelo Speed 12, a fábrica incorporou a lagoa do clássico filme “O Monstro da Lagoa Negra” (“Creature from the Black Lagoon”, de 1954, que tem a curiosidade de se passar na Amazônia brasileira), já que de dentro dela surgiu um dos carros mais assustadores de todos os tempos, e não apenas em aparência. Entendam assustador como chocante, feio, diferente, exótico, como quiserem. Para mim, o carro é tão extremo que se torna lindo.
Dia desses, nosso amigo Hans Jartoft falou sobre um modelo de TVR que ele possuiu por alguns anos, um 350i, e contou resumidamente a história da empresa.
Sempre que essa marca é mencionada, me lembro que o Speed 12 é o modelo que eu mais gostaria que tivesse sido produzido em bom número, e agora que notícias dão conta que a marca pode voltar em breve, precisamos fazer nossas preces para Nossa Senhora da Combustão Interna (copyright, J.R. Mahar) para que os novos administradores utilizem o projeto desse carro e o ressuscitem.
A TVR fazia seus próprios motores, normalmente de seis cilindros, depois de usar V-8s Ford e Chevrolet no longo passado histórico, iniciado logo após a Segunda Guerra Mundial.
Fabricar motores é algo que sem dúvida aumenta o respeito de qualquer fábrica pequena, e para isso, contaram com um dos maiores engenheiros de motores de todos os tempos, Al Melling que, sempre inteligente, trabalhava como um prestador de serviços para várias marcas, equipes de construção de carros de corrida e fabricantes de veículos especiais. Melling foi o responsável pelo AJP8, o V-8 que foi o primeiro motor feito na TVR.
O 12 do nome do Speed vem do salto mais alto e difícil que eles conseguiram, fazer um V-12. Só se sabe de cinco exemplares construídos desse motor.
Nascido em 1996 para ser um carro de corrida para competir em Le Mans, em 1998 estava quase pronto para a corrida do mesmo ano. Não deu tempo, mas no campeonato mundial da FIA para carros GT conseguiram andar em algumas provas com cerca de 660 bhp (669 cv), potência menor do que viria a ter o carro intencionado para uso em ruas, que foi sendo desenvolvido paralelamente. Mas alterações em regulamento o tornaram não competitivo, já que a categoria GT1, onde participava, foi extinta.
Após algumas participações no mundial, a entrada no campeonato britânico de GT mostraram um razoável sucesso, com algumas vitórias.
Tinha relação peso-potência três vezes melhor que o Ferrari 355. Só o McLaren F1 chegava perto disso, mas era ainda 20% pior que esse TVR. Essa potência é conseguida com os restritores de admissão de ar dentro do regulamento da FIA para a categoria GT1, mas poderia chegar facilmente a 800 cv segundo a fábrica. De novo, o F1 era a meta, e as acelerações estariam no mesmo nível, bem como os 340 km/h de máxima.
O projetista-chefe desse motor foi John Ravenscroft, pupilo de Al Melling.
É um V-12 a 90 °, de 7.712 cm³, de onde vinha o nome de projeto, 7/12, com bloco em aço, algo extremamente raro, e mais raro ainda, usinado a partir de um blank, ou bloco bruto, algo caríssimo. Jaguar e Ferrari já fizeram isso em passados diversos, mas sempre em escalas reduzidas devido ao custo. A vantagem principal é incluir rapidamente modificações quando necessário, alterando os caminhos de ferramentas de usinagem durante a fabricação.
Os cabeçotes são os mesmos do Speed Six, em liga de alumínio, o que já mostra uma economia de recursos enorme. São quatro árvores de comando acionadas por correia dentada, quatro válvulas por cilindro, injeção eletrônica de gasolina e calibração para ampla faixa de torque para minimizar a dificuldade de potências altas aparecendo só depois de muitos giros.
A força passa às rodas por uma caixa também da TVR, desenvolvida junto com Ken Costello, o sujeito que fez o MGB V-8. Apenas cinco marchas, mas parruda ao extremo para agüentar a tortura de toda a potência. Mais adiante, para as corridas, contava com caixa de seis marchas.
No desenvolvimento, ocorreu a quebra do dinamômetro que, segundo o fabricante, aguentaria até 1.000 bhp (1.013,9 cv) de força de entrada. Para isso, o motor estava sendo rodado sem os restritores de admissão de ar, e uma estimativa mostrava que ele poderia passar dos 1.000 bhp, apesar do número exato nunca ter sido verificado de verdade.
O chassis, um spaceframe (estrutura espacial) projetado por Neill Anderson, era composto por uma tubulação monstruosa, visando amarrar bem firme todos os componentes, e não tinha vergonha de não ser feito de compósito de fibra de carbono como os rivais mais modernos da época. Peter Wheeler, (1944-2009) o dono da TVR antes dela ser vendida a um russo não muito normal e cair em desgraça, definiu o carro para ser homologado pela FIA e correr o mundial de carros de rua, o GT Championship.
Resistência torcional muito grande, 54.000 N·m por grau, e peso total do carro muito ajudado por isso, cerca de 1.000 kg apenas. Não há uma espinha dorsal, como no Cerbera de corrida, o que fez o 12 kg mais leve já no conceito inicial. São elementos basicamente formando triângulos, e desenhado ao redor da mecânica, embrulhando-a. Há algumas partes parafusadas, que precisam ser retiradas para se remover elementos como diferencial traseiro, motor e câmbio.
As suspensões são de braços triangulares duplos nas quatro rodas, com molas e amortecedores em posição horizontal na dianteira, muito parecida com F-1, ancoradas bem no centro do carro. Freios de seis pistões em cada pinça, da AP Racing, direção de pinhão e cremalheira com assistência hidráulica, feita também em casa pela TVR. Rodas Speedline ou OZ, fabricante de componentes para diversas categorias de automobilismo profissional. Junto delas os freios com discos de 378 mm de diâmetro na dianteira e 273 mm, na traseira, extremamente potentes.
Apesar de ser projetado como um carro para uso normal de rua, com tampas normais e não painéis removíveis, o preço seria de apenas 188.000 libras esterlinas, uma barbada verdadeira pela potência e construção artesanal , apesar de ser o mais caro TVR de todos os tempos.
O estilo foi feito por dois desenhistas da casa, nada de ajuda externa, baseados nas idéias de Peter Wheeler. É o que se chama de ultrajante, apoplético, um soco no estômago, ou quaisquer outros adjetivos que definam algo monstruosamente legal. O linguajar de supercarro de verdade, sem precisar explicar nem se valer de modas para ser chamativo, é simplesmente chocante.
Usava o mesmo entreeixos do Cerbera, e praticamente o mesmo chassis com a traseira mais curta para praticidade nas ruas. Túnel de vento foi usado para ajustes do projeto, mas sem perder a forma original.
Havia impraticidades, como um tubo de chassis atrapalhando a passagem dos ocupantes, fazendo-a um pouco apertada, a pequena altura que faz o carro raspar no solo na parte da frente, spoiler, os bancos com pouca absorção por espuma, a largura da caixa lateral, onde se espreme a alavanca de freio de estacionamento e o largo espaço entre os bancos, onde se aloja a parte de trás da caixa de mudança e o cardã, além do cinto de cinco pontos.
Como o Speed 12 foi vítima da FIA e suas incríveis e chatíssimas trocas de regulamentos, o carro ficou apenas sendo usado em corridas em solo britânico, e os modelos de rua que existiam de posse da fábrica e na fase de construção foram sendo canibalizados para suprir peças para os carros de pista. Alguns compradores haviam dado sinal para a compra e os valores foram devolvidos.
Conta-se que além dos percalços de não poder mais usar o carro em Le Mans, outro motivo para o carro ser cancelado para vendas de usuários normais é que Peter Wheeler usou o carro diversas vezes nas ruas e o julgou extremamente perigoso devido à potência excessiva.
Mas pelo menos algo foi feito, com um Cerbera de produção tendo sido alterado para receber o motor V-12, magnífico demais para desaparecer. Isso ocorreu em 2000, quando o carro foi feito, mal passava de 1.000 kg, mantendo uma relação peso-potência absolutamente ótima, por volta de 1 kg/cv, com velocidade máxima declarada de mais de 240 mph, equivalente a 390 km/h.
Em 2003 foi vendido a um particular, e em maio de 2005 apareceu na revista Evo, recebendo grandes elogios pelo desempenho e comportamento dinâmico, mesmo com a potência restrita em 880 bhp (892 cv) . A aceleração de zero a 100 km/h foi conseguida em 3 segundos, para se ter uma idéia, número que agora, por volta de 2010 começaram a aparecer em carros de rua, como 911 Turbo e Nissan GT-R, entre outros.
Mesmo sobrevivendo no Cerbera Speed Twelve, o motor de doze cilindros da TVR deveria ter sido perpetuado no Speed 12, o máximo de monstro que já saiu da empresa de Peter Wheeler.
Estamos pensando positivamente para que voltem a produzir de verdade, apesar de sabermos ser um desafio enorme.
JJ