Sei que tudo se encaminha para que Max Verstappen conquiste seu terceiro titulo mundial e acho que se ele conseguir será merecido. Ele não erra nunca — ou quase nunca — e quando o faz ainda tira sarro dele mesmo, como foi o caso no Canadá quando ao passar numa zebra perdeu momentaneamente o controle do carro e quase acabou contra o muro. Reação dele? “Uau, desta vez eu quase me botei para fora naquela zebra”, acompanhado de uma gostosa gargalhada a, sei lá, uns 300 km/h.
Quem lê com frequência minhas escrevinhações neste espaço sabe que fui muito crítica do neerlandês no início da carreira. Ele batia demais, errava muito e fazia manobras no mínimo questionáveis do ponto de vista da idoneidade. Mas, assim como ele mudou a forma de dirigir, eu também mudei de ideia e hoje torço com entusiasmo por ele.
O motivo é bem simples: sou daquelas que assistem Fórmula 1 não apenas para saber quem ganha, mas para ver a prova em si, tanto é que costumo ver umas duas vezes, no mínimo, as reprises das provas.
E pergunto: se alguém só assiste algo esperando ser surpreendido com o resultado, como ver um filme sobre Jesus Cristo? Ou sobre o imperador Julio César? Ninguém leria um livro sobre Napoleão Bonaparte esperando apenas chegar à última página. Afinal, todos sabemos como eles acabaram e bastante de como foi a vida desses três personagens. Por isso é que o resultado final não é tão importante para o verdadeiro fã, mas sim a prova como um todo.
Quantos se lembram de quem venceu a prova de Dijon, na França, em 1979? Certamente, bem poucos, mas quem não se lembra da eletrizante disputa pelo segundo lugar entre Gilles Villeneuve e René Arnoux? Ah, e só para constar, o vencedor foi Jean-Pierre Jabouille. Este é mais um belo exemplo de que há muitas coisas interessantes numa prova e não apenas saber quem sobe mais alto no pódio.
A corrida do último domingo em Zandvoort está aí para confirmar minha teoria: tudo levava a crer que Max ganharia. Ele se sai muito bem nesse circuito (das três vezes que correu lá, ganhou três, incluindo a deste ano), tinha toda a incrível e animadíssima torcida do lado dele e corre com o melhor carro do grid. Aconteceu exatamente isso: vitória do neerlandês. Mas quem deixou de ver a prova apenas porque já previa o resultado perdeu uma das melhores corridas do ano, com muitas variações (e algumas poucas na liderança da prova): chuva, tempo seco, chuva de novo, tempo seco de novo, bandeira amarela, bandeira vermelha, safety car, carros saindo da pista, ótimas e péssimas trocas de pneus, estratégias que variavam o tempo todo. Ou seja, a receita completa de uma bela corrida. Pessoalmente, curti muito a prova, pois para mim o que importa não é apenas o destino, mas a viagem em si.
Isso posto, ultimamente tenho argumentado muito sobre o assunto com pessoas de diversas áreas de conhecimento.
Um amigo que adora futebol me disse que não assiste mais as corridas de Fórmula 1 porque já se sabe quem vai ganhar. Então, perguntei a ele porque assistia o replay de um jogo do seu time do coração se já sabia antecipadamente o resultado. Não soube me responder, claro.
Há anos ouço “deixei de ver F-1 quando o Senna morreu”. OK, entendo, mas, por óbvio, essa pessoa era fã de Ayrton Senna, não da Fórmula 1. Ou algum de vocês, meus caros leitores, conhece alguém que tenha deixado de ver futebol quando Pelé se aposentou? Algum são-paulino deixou de ir ao estádio quando Rogério Ceni deixou os gramados?
É claro que todos nós temos nossos favoritos em cada esporte, mas isso não significa não ver uma partida, mesmo que o melhor time do campeonato vá enfrentar o pior e há zero chances de dar zebra.
Também faço questão de lembrar que um único piloto conquitou sete campeonatos do mundo — Lewis Hamilton — e pouquíssimos eram os que reclamavam da dominância da Mercedes depois do início da era híbrida, em 2014. Puxando pela memória, no ano de 1988 de um total de 16 provas, as McLarens de Ayrton Senna e Alain Prost venceram 15 provas. Para registro, a única que foi vencida por outra escuderia foi o grande prêmio da Itália, quando Gerhard Berger cruzou a linha de chegada em primeiro lugar com sua Ferrari, mas apenas porque Senna foi atingido por um retardatário.
A Fórmula 1 é assim mesmo, cíclica. Sempre durante algum período um piloto e uma equipe dominam a temporada, às vezes mais de uma. Na verdade, podemos ver isso em praticamente todos os esportes e em todas as ligas. Basta prestar atenção. Mas nem por isso o público deixa de assistir por muito tempo.
É claro que torcedor é chamado de fã por algum motivo. Acompanho várias páginas e perfis de F-1 de vários países, mas continuo vendo que os mexicanos são os mais fanáticos. É impressionante como a memória de muitos desses torcedores é completamente seletiva. Já abordei o assunto neste espaço, mas continua sendo notável a quantidade de teorias da conspiração que surgem nessas bolhas do ciberespaço. Obviamente, sempre há um plano interplanetário contra Sergio Pérez, que poderia ser um Jim Clark, Ayrton Senna ou Juan Manuel Fangio se não fosse tão injustiçado.
Ultimamente os ingleses andam um pouco menos viscerais. Pode ser que seja porque se resignaram que Lewis Hamilton pode beliscar alguma posição melhor no ranking de pilotos, mas não mais do que isso, ou talvez porque já não haja disputa direta com Verstappen. Lando Norris vem conquistando os corações de muitos britânicos e George Russell começa a ocupar o lugar de Hamilton no quesito reclamações/justificativas.
Mudando de assunto: para não variar, mais uma piada infame sobre carros, meu assunto favorito.
NG
A coluna “Visão feminina” é de exclusiva responsabilidade de sua autora.