Qual é o tempo de vida de um automóvel?
Esta é uma pergunta freqüente que me fazem os amigos, a família e o leitor do AUTOentusiastas.
Quantos quilômetros, quantas horas, esperam que eu responda.
Sendo simplista, cada fabricante estabelece uma expectativa de vida para os seu veículos, com base em suas aplicações e em um coeficiente de segurança particularmente determinado pela engenharia do produto. A tecnologia produz peças cada vez mais confiáveis e de maior duração, no entanto nada é infalível.
Para que o leitor entenda como a indústria automobilística, de maneira geral, determina a expectativa de vida de seus veículos, vou dar um exemplo hipotético para um automóvel urbano.
O primeiro passo é saber em qual mercado o veículo será comercializado. É fácil entender que cada mercado tem suas particularidades em termos climáticos e das condições de rodagem, buracos, estradas de terra, estradas de cascalho, pavimento quebrado, lombadas, valetas etc. Hoje em dia, com os veículos se tornando cada vez mais mundiais, o mercado mais severo tende a ser a base para o projeto, com ênfase à comunização de seus componentes com reduções de custo e de complexidade.
O início de tudo é estabelecer uma rota real que represente a utilização do veículo com índice de confiabilidade maior que 90%, representando os circuitos de cidade, rodovias, estradas secundárias, terra, pedrisco e todas as situações características do mercado. Um veículo de teste é então preparado para monitorar a rota em questão.
O veiculo de teste é totalmente instrumentado para leituras “just in time” das solicitações nas rodas, esforços no volante de direção, número de aplicações dos pedais do freio e embreagem e também todos os seus esforços operacionais, além do monitoramento das temperaturas de funcionamento do motor e transmissão, trocas de marcha, condições ambientais e carga do motor em termos de torque e potência, acelerações e desacelerações, tempo em marcha-lenta etc. Enfim, tudo é monitorado.
A rota padrão estabelecida é de normalmente 50.000 km, durante a qual, além do monitoramento descrito anteriormente, são feitas avaliações subjetivas de todo o veículo e também a sua manutenção, troca de óleo do motor, filtros e calibração da pressão dos pneus. A análise de desgaste das lonas e pastilhas do freio também é feita periodicamente. Inspeções mais rigorosas para identificar possíveis problemas de projeto e/ou de qualidade são feitas regularmente.
Após o término dos 50.000 km de rodagem e com toda a análise dos resultados concluída, a engenharia estabelece um coeficiente de segurança para a expectativa de vida do veículo em questão. Se, por exemplo, o coeficiente escolhido for 5, significa que a vida útil determinada será de 250.000 km. Sendo por exemplo, a velocidade média do circuito igual a 50 km/h, a expectativa de vida calculada será de 5.000 horas. Todo o projeto poderá então ser direcionado para estes valores. De maneira geral, quanto maior o coeficiente de segurança adotado, tanto maior será o custo do veículo. A escolha do ponto de equilíbrio entre durabilidade e custos é por definição responsabilidade do corpo diretivo da empresa.
É importante que se diga que os sistemas de segurança do veículo — suspensão, freio e direção — são tratados de maneira especial. Regra geral é que os componentes devem alertar quando alguma coisa vai mal.
O importante é que através de ruídos, vibrações, folgas e trepidações sentidas no volante de direção, instabilidade direcional, perda de eficiência, aumento de esforços operacionais etc, o motorista perceba o problema e procure uma oficina o mais rápido possível.
Outro ponto fundamental é que no caso de fortes impactos, em buracos por exemplo, não pode haver quebra fácil, por fragilidade, de nenhum componente que ponha em risco a segurança do veículo. Deformações são permitidas dentro de um nível estabelecido em testes específicos pela engenharia, como impacto em buraco de canto vivo com as rodas travadas, batidas contra guias e outros esforços anormais.
Então, a rodagem externa é correlacionada e transferida para dentro dos campos de provas e/ou para os laboratórios estruturais, que têm a vantagem de manter a repetibilidade dos testes e diminuir o tempo de certificação do veículo.
Os 250.000 km do exemplo são transformados para 60.000 km aproximadamente, através de correlações com as pistas de provas.
No Brasil, Ford, General Motors, Pirelli, Bridgestone, Goodyear e a TRW/Varga têm seus próprios campos de provas. Quando não têm, os testes são feitos nos campos de provas das matrizes, o que forçosamente eleva o custo de desenvolvimento.
A grande vantagem dos campos de provas é permitir a repetibilidade dos testes de modo a identificar possíveis anormalidades de projeto e de qualidade interna e dos fornecedores, comparativamente. Todos os sistemas mecânicos, elétricos e cosméticos de acabamento são testados e avaliados.
Também são feitos os testes e ensaios homologatórios exigidos por lei, como os de segurança em barreira de impacto e freios, e os ambientais de emissões de gases poluentes e ruído.
Peças de acabamento em plástico, tecido e pintura são submetidos a testes de exposição solar e raios ultravioleta.
Sistemas de embreagem são testados em partida em rampas e também em testes severos de impacto nas trocas de marcha rápidas.
Todo veículo é submetido também a testes de poeira.
Testes de corrosão em câmaras especiais com névoa salina determinam a vida da carroceria e dos componentes.
Os contatos elétricos também são avaliados, com atenção especial em termos de eficiência quanto a corrosão. Hoje em dia os projetos estão contemplando contatos de latão com acabamento em prata e até em ouro para evitar panes elétricas que podem afetar diretamente a segurança do veículo, por exemplo, o motor apagar durante uma ultrapassagem.
Interferências de tubulações de combustível, chicotes elétricos, tubulações de freio que possam desgastar e falhar são meticulosamente avaliados e testados.
Interferência eletromagnética sobre os equipamentos eletrônicos como o módulo de gerenciamento eletrônico dos motores, cada vez mais intensa hoje, é criteriosamente avaliada.
Riscos de incêndio são amplamente avaliados e testados em programas de modos de falha para garantir em 100% a integridade dos componentes e a segurança.
Outro ponto fundamental que nenhum processo virtual pode substituir é o processo de interação de todos os sistemas e componentes do veículo que é realizado por engenheiros especialistas, que avaliam e ponderam todas as variáveis para que o veículo seja coerente em todas as suas funções.
Continuando, cada fabricante tem um critério próprio para estabelecer a vida útil de seus veículo, porém todos são muito parecidos, correlacionando as rotas externas com os testes em laboratórios e campos de provas.
Com base no que vivenciei ao longo dos meus anos de engenharia, 250.000 km/5.000 horas de vida útil é uma boa média de maneira geral. Lembrando que quanto maior o coeficiente de segurança adotado, tanto maior o custo envolvido, requerendo a utilização de materiais mais nobres, sistemas de projeto mais sofisticados, manufatura com controles mais rigorosos de folgas e ajustes e outros cuidados. Cada caso é um caso e cada fábrica é uma fábrica.
Segue abaixo vida útil de alguns componentes que julgo tempo médio razoável:
– Pintura da carroceria, 10 anos
– Corrosão da carroceria, 10 anos
– Acabamento interno, plásticos e tecidos, 10 anos
– Amortecedores, 80.000 km
– Pneus, 50.000 km
– Disco e platô da embreagem, 80.000 km
– Pastilhas de freio, 50.000 km
– Discos de freio, 100.000 km
– Velas do motor, 50.000 km/1.000 h
– Motor, 250.000 km/5.000 h
– Transmissão, 250.000 km/5.000 h
– Silenciadores do escapamento, 100.000 km
Quanto ao catalisador, este não tem limite de uso e, portanto, não requer troca periódica. Entretanto, sua função precípua de converter gases nocivos aos seres vivos em inofensivos tem de ser mantida por, no mínimo e de maneira garantida, por 80.000 km. Em caso de mau funcionamento cabe ao fabricante do veículo substituí-lo sem custo para o cliente, desde que o carro tenha sido submetido à manutenção preconizada e não haja sinal de avaria por agente externo.
Obviamente, os valores citados são valores médios que podem ser maiores ou menores dependendo da maneira de dirigir do condutor, do cumprimento da manutenção periódica recomendada pelo fabricante e das condições ambientais como uso no litoral, montanha e em outras.
Por exemplo, dirigir com o pé apoiado no pedal da embreagem pode reduzir drasticamente a vida do disco e platô. Acelerar e frear com agressividade em curtos espaços, em vez de manter uma velocidade constante compatível com o tráfego, além de gastar mais combustível causa desgaste prematuro das pastilhas, e assim por diante.
Gostaria que o leitor interagisse bastante contando suas experiências pessoais para embasar o assunto em questão.
CM
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