Coluna 1015 4.março.2015 rnasser@autoentusiastas.com.br
Mostra anual, bem firmou-se no cenário destas ao focar pequenos construtores e buscar soluções tecnológicas. Para a imprensa é o melhor. Fácil de percorrer, num dia liquida-se a agenda. Noutro, pente fino para os pequenos expositores sem direito a agenda e lançamento oficiais. Dia de abertura, informados 10 mil jornalistas visitantes. Como no Brasil, muita gente sem sê-lo, e uma tropa de espiões chineses fotografando detalhes dos carros europeus. Um deles, com formulário à mão, respondia questões mandadas da China para análise pontual de cada veículo de interesse. Chineses são peculiares — sem o menor senso de noção. Muitas presenças, chefes de indústrias, mas Simonetta Sommaruga, presidente da Confederação Helvética, não foi, causando arrepio político.
Em tecnologia, a de maior impacto foi a da nanoflowcell. Corporificada em dois veículos, um Sport Limousine, quatro portas bem disfarçadas, baixa altura de esportivo, e outro, o QUANTiNO, tamanho de VW Fox, também baixo, quatro lugares. O esportivo tem 800 km de autonomia, o menor, mais de 1.000.
Não vendem produto, mas tecnologia. Elétricos, sem baterias de lítio, extremamente caras, de caótico e poluente processo produtivo, nem células de combustível, transformando hidrogênio. Faz coisa simples: dois tanques, um com líquido de carga positiva, outro negativa ao se encontrar reagem gerando energia, armazenada por baterias e transferidas às quatro rodas. O sistema é mais simples e o maior peso dos tanques é compensado pela potência superior e pela economia de partes no motor. Nunzio La Vecchia, chefe técnico, diz-se aberto a negociações. Revolucionária tecnologia é aplicável a veículos em geral. Lembrou a mudança operada pelo Solar Impulse, avião movido a energia solar.
Caminho inverso, em tempos de busca por alternativas energéticas e aplicação de conectividade aos veículos, Dieter Zetsche, da Mercedes, disse não se preocupar — ao contrário de outras indústrias —, com as ações da Google e da Apple para construir automóveis. Foi ao óbvio, dizendo ter tecnologia para fazer a parte rolante dos automóveis e fornecer aos industriais das telecomunicações. Automóvel tende a virar iPhone com rodas …
Em negócios, Sergio Marchionne, nº. 1 da FCA, anunciou estudar fusão com outra marca — exceto Volkswagen. Mercado acredita em Suzuki ou, em especial Honda, vivendo problemas facilitadores a negócios.
Maioria dos veículos se orgulha de consumos baixos — esportivo mais de 10 km/l, híbridos em torno de 50 km/l, poluindo pouco. Um dos caminhos é a redução de peso, e por isto Porsche se associou à sua fornecedora de fibra de carbono Capricorn Composite. Exibiu atração maior, o Cayman GT4, motor central-traseiro de seis cilindros contrapostos, 380 cv. É o Porsche de melhor comportamento.
Fonte da empresa confirmou informação da Coluna. Marca terá escritório no Brasil para importação e representação. Hoje importador é distribuidor.
Bentley, inglesa conduzida pela VW, terá SUV extra-luxuoso, o Bentayga, à venda em 2016, e fará superesportivo para concorrer no topo do mercado com Ferrari e Aston Martin. Fabricantes investem nos segmentos de maior demanda, como os utilitários esportivos, e em superesportivos, de larga rentabilidade. Para este, plataforma fornecida pela Porsche, também sob a árvore da VW.
Frustração, Christian, neto de Carl Borgward, industrial criador da marca, das maiores da Alemanha nos anos 1950, anunciou lançar veículo revivendo-a meio século pós-fechamento. Não o fez, apenas a logo, releitura da original e avisou ter o automóvel na mostra de Frankfurt, em setembro. Fruto do imponderável, a proposta de sedã pela Italdesign/Giugiaro não chegou ao Salão para ser exposto: amassou a traseira no transporte, foi reparado e chegou 24 horas atrasado.
Novo protótipo de utilitário esportivo Infiniti QX 30, com possível lançamento ao mesmo Salão de Frankfurt. Curioso é basear-se em plataforma Mercedes CLA/GLA e utilizar motor do sedã C 200, dois litros e turbo.
Brasil
Muitas novidades, poucas a migrar ao Brasil. De importados, o SsagnYong Tivoli, SAV pequeno, motor 1,6 de 126 cv, novo caminho da marca. Na Mitsubishi, novo picape L200 Triton. Honda exibiu o Civic Type R e reapresentou o esportivo NSX, a ser trazido ao Brasil. É evolução do original, de 1990, conceito sugerido por Ayrton Senna: carro forte, mas de reações adequadas ao motorista e prazer ao dirigir. Motor V-6, biturbo, longitudinal central-traseiro, e abusa da eletricidade — na propulsão, dois motores, um para cada roda dianteira, filtram tração e precisão na direção. É híbrido.
O Civic R emprega L-4 2,0 injetado e com turbo: faz 310 cv com tração dianteira.
De maior interesse, o alemão Opel Viva, motor 1,0 de três cilindros. Virá ao Brasil, motor será produzido em Joinville, SC. Desta turma é o mais avançado até o momento, com árvore contra-rotante dentro do bloco para anular as vibrações naturais do número ímpar de cilindros. É o Projeto Phoenix, substituto do Celta, a ser feito na Argentina. Praça natural seria São José dos Campos, SP, mas a seqüência de abrasões entre a fabricante e o sindicato dos metalúrgicos local, interrompendo produção, forçou o gradual sair do município.
RODA-A-RODA
Do Ano – Volkswagen Passat foi escolhido Carro do Ano para Europa, a láurea das mais desejadas pelos fabricantes.
Futuro – Também exibiu o Sport Coupé, releitura do CC. Elegante mescla de hatch, cupê e sedã. É conceito mas será produzido.
Reação – Providências de lançamento do Jeep Renegade, 4×4, e do Honda HR-V às 4×2, fez Renault correr a apresentar o Duster com mudanças na frente e grupo óptico. Ford, líder no setor, dotará EcoSport com grupo motor/transmissão do Fiesta.
Conjuntura – No cenário de queda de vendas, a VW cancelou o projeto do Taigun, o menor SAV da marca, a ser construído sobre a plataforma do up!.
Quanto – Nissan anuncia preços antes de lançar o veículo. Caso do Versa, três volumes sobre plataforma do March. De R$ 41.990 para 1,0 simplificado a R$ 54.990 a 1,6 equipado.
Retífica RN – Leitor Ricardo Lima alerta: Coluna passada se enganou. Em nota sobre mudança de chefe mundial. Takanobu Ito, saindo, e Takahiro Hachigo, assumindo, são da Honda.
Gente – Leandro Teixeira, 32, administrador pela FGV, mudança. OOOO Após Unilever, Pepsico e Ambev, diretor de marketing e RP na Volvo Cars. OOOO Pedreira. Sem fábrica ou projeto no Brasil, os carros Volvo pagam 35% de imposto de importação e IPI + 30 pontos. OOOO Suzana Vieira, jornalista, mesa nova. OOOO Deixou a da Volkswagen, agora senta na Mercedes, também assessoria de imprensa. OOOO Boa conquista. OOOO
E o automóvel começou por mãos femininas
Visões machistas separam os automóveis e a mulheres. Dizem-nas sem compromisso com o uso, desconhecedoras do funcionamento. Entretanto, e talvez pelo desconhecimento e inexistência de tal preconceito ao final do Século XIX, é bom lembrar nestes dias de comemoração às mulheres que, se Dona Berta Benz tão tivesse praticado, cometido, o ato de independência: fazer, dirigindo, a primeira viagem de automóvel, a história do objeto mais importante do Século XX teria sido diferente.
Foi assim. Dona Berta era casada com Karl Friedrich Benz, engenheiro, produtor de motores a gás, e tenaz perseguidor da idéia de fazer carruagens com motor. Conseguiu, patenteou, mas as reações da população, prefeitura e polícia de Mannheim contra o funcionar da máquina, assustando animais e pessoas com seu barulho e fumaça, proibiram-na de circular. O objeto do sonho e orgulho pela invenção foi imobilizado pela ignorância.
A invenção de Benz, o primeiro registro de patente para veículo a motor, poderia ter-se perdido por abandono na cocheira da família, não fosse Dona Berta, então aos 33 anos naquele nascer do amanhã em agosto de 1888. Difícil ver o sonho de toda a família e o produto de tanta dedicação encostado na cocheira. O Patent Motor Wagen estava ali, em semi-abandono, há quase três anos. Decidiu-se ir à casa de seus pais, em Pforzheim, a distantes 120 quilômetros, via Floresta Negra.
Ao nascer a manhã com dois de seus quatro filhos, Eugen, 15, e Richard, 13, tiraram o pioneiro veículo da cocheira e o empurraram a distância segura, evitando o ruído do funcionar do motor não acordasse o patriarca Benz. Os três puxaram com vigor a grande polia horizontal, fazendo o motor funcionar. Da. Berta e os pequenos Benz iniciaram a primeira viagem em veículo movido por motor de combustão interna. O efeito demonstração aos pais, sempre socorrendo a sobrevivência dos Benz, virou história.
A viagem
A charrete sem varais e sem cavalo, com uma roda dianteira comandada por haste metálica, leve, estrutura metálica e rodas raiadas como bicicletas, era equipada com pequeno motor monocilíndrico, 900 cm³ e 3 cv, pesando 96 kg. Em conta simples, deslocar seu peso acrescido de Dona Berta, Eugen e Richard equivaleria, a grosso modo, e para se manter na conseqüência desta viagem, mover um grande caminhão Mercedes com um motorzinho do Smart.
Embicaram a Pforzheim. A viagem, na linguagem popular seria um cala-boca, aos pais, financiadores sempre críticos, polícia e das pessoas contrárias ao transporte sem tração a sangue ou vapor. E mostrar, a invenção do engenheiro Benz daria autonomia superior a cavalos e charretes.
Na prática foi mais: teste e oportunidade a novos negócios e instituições. Descobriram, por exemplo, ser o motorzinho fraco. Nas subidas, após Heildelberg, com Richard ao comando da direção e da alavanca comandando a cinta de transmissão, Da. Berta e Richard empurravam. Outro desenvolvimento foi aumentar a capacidade do sistema de refrigeração. O Patent exigia completar água a cada 20 km. Idem para o sistema de freio, mecânico, por abrasão. Dona Berta pediu a um sapateiro para revesti-la em couro, melhorando a eficiência. Percebeu-se, também, a necessidade de lugares para vender o combustível Ligroin, um limpador doméstico vendido em farmácias – todo farmacêutico seria, em futuro próximo, o dono do posto de gasolina…
A corrente de bicicleta colocada como transmissora de movimento, mostrou-se fraca. Quebrada, exigiu caminhada dos meninos a um ferreiro refazer um elo. Era o primeiro mecânico de estrada, capaz de improvisar.
Outro tropeço, o motor morre e descobre-se não passar Ligroin pelo arremedo de carburador, permeando um ajuntamento de fibras. Dona Berta resolveu com o alfinete do chapéu, e logo usou uma liga das meias para a função de mola.
À noite, descendo o morro, a barulhenta novidade foi interceptada pela polícia, mas acompanhou-os ao Correio, aberto para passar um telegrama tranquilizador a Benz, e à casa da família. No total, ida e volta foram 194 km, e hoje a estrada, em reverência, se chama Berta Benz Memorial Route.
Depois
O efeito-demonstração obteve larga cobertura jornalística no percurso, e necessário resultado. Era um meio de transporte, fácil de conduzir — uma senhora poderia fazê-lo —, era útil, ia muito mais longe que cavalos e charretes.
Benz focou melhor o negócio e aproveitou as observações dos pilotos de teste. Um mês depois tinha pronto outro automóvel para a Exposição de Máquinas e Motores de Força e Trabalho, em Munique. Pela insólita invenção volta para casa com a Grande Medalha de Ouro e encomendas. Começou aí. O resto, você sabe. Ou, se quiser desprezar todas as conseqüências paralelas ao ato, incluindo o desenvolvimento tecnológico levando à criação do avião e das experiências interplanetárias, forçosamente chegará a outra via, óbvia e simplória: nada como somar uma mulher peituda, dois meninos em férias com a criação de um engenheiro brilhante e obter resultado nunca imaginado, a entrada em uma nova era.
RN
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