Um dos carros mais conhecidos do mundo, e mais copiados, é o BMW M3. Este é a referência absoluta quando se fala de um cupê esportivo de alto desempenho. A suspensão e o comportamento dinâmico são mundialmente reconhecidos como os melhores do segmento.
Não é de hoje que o M3 é a base de comparação da indústria. Desde seu lançamento em 1986, na geração E30 do BMW Série 3, este modelo ganhou fama. E esta fama vem também dos bons motores que equiparam este modelo.
O M3 nasceu com um motor quatro-cilindros de aspiração natural 2,3-litros de 195 cv, uma pequena obra de arte da Bavária, e evoluiu para um 2,5-litros na versão Sport Evolution, com 238 cv. Na geração seguinte (E36), o motor passou a ser um seis-cilindros em linha de 3 litros e 286 cv, depois chegou a 3,2 litros e teve versões de até 320 cv. Na geração seguinte do carro (E46), o motor manteve-se um seis-cilindros que chegou a 365 cv na versão M3 CSL. Apenas em 2007 o motor do M3 passou a ser um V-8 de 4 litros e 420 cv, com versões que tinham 450 cv, sempre aspirados.
Então veio uma reestruturação dos modelos da BMW em 2013/2014, e o M3 cupê passou para o grupo da Série 4, que eram os Série 3 de duas portas fechado e conversível. Apenas o M3 sedã manteve o nome M3. Agora o cupê hardcore da BMW seria o M4. Muitos comentários e críticas vieram quando o novo BMW M4 abriu o capô pela primeira vez, pois o V-8 saiu fora e o lendário seis-em-linha voltou a equipar um M. Até aí, tudo certo, mas muitos torceram o nariz quando olharam do lado do bloco do motor S55B30 e lá viam dois turbocompressores.
Um pecado!
Isto não se faz em um M3 (ou M4)!
BMW M não pode ser turbo!
Entre outras tantas exclamações, o fato do motor não ser mais aspirado de alta potência específica gerou certa polêmica entre muitos puristas. Mesmo com os números jogando a favor do novo motor (436 cv em um motor mais econômico e menos poluente), ainda ouviam-se reclamações que um verdadeiro M não podia ter motor turbo da mesma forma que um Porsche 911 só pode ter motor boxer.
Entretanto, os motores BMW turbo também são famosos e de tempos remotos. Quem não se lembra do BMW turbo que equipava o Brabham BT52 de Nélson Piquet? Falamos um pouco da história deste motor aqui no Ae anteriormente. Além do mais, primeiro carro de produção fabricado na Europa com motor turbo foi um BMW. E que BMW!
O modelo 2002 Turbo foi fabricado entre 1973 e 1974. O pequeno motor de 2 litros produzia 173 cv. Era basicamente o motor do 2002 tii, já equipado com injeção de combustível, porém com o uso de um turbocompressor KKK e outros pequenos ajustes. Apenas 1.672 carros foram fabricados com este motor.
Estamos falando de um carro que nasceu 13 anos antes do primeiro M3. Apenas para se ter uma noção do que o pequeno 2002 representava, em 1973 um Porsche 911 E com motor seis-cilindros de 2,4 litros tinha 167 cv e o 911 S, 193 cv. O 2002 Turbo acelerava meio segundo mais rápido que o 911 até os 100 km/h e quase dois segundos mais rápido que o Alfa Romeo 2000 GTV, um dos maiores concorrentes do 2002 ti na época.
Por ser o primeiro turbo, não era exatamente um primor de acerto. O turbo lag era excessivo, coisa de segundos de diferença entre o comando no acelerador e o tempo de resposta do motor, e a transição era brusca e pegava muitos de surpresa ao dirigir o carro esportivamente pelas primeiras vezes.
Na era dos campeonatos de carros de turismo na Alemanha dos anos 1970 e 1980, os BMW sempre foram dominantes e o 2002 Turbo do Grupo 5 foi um dos destaques do campeonato conhecido como DRM (Deutsche Rennsport Meisterschaft, ou Campeonato Alemão de Corrida). Inscrito pela equipe Schnitzer, o pequeno 2002 recebeu diversas modificações de carroceria, um motor 1,4-litro turbo e quase 500 cv de potência.
Era 1,4-litro para poder competir na classe até 2 litros, dado que o coeficiente de equivalência para motores superalimentados era 1,4 (1,4-litro x 1,4 = 1,96 litro), exceto na Fórmula 1, em que esse coeficiente era 2 (1,5-l superalimentado, 3-l de aspiração atmosférica). Atualmente para todas as categorias o coeficiente é 1,7, mostrando como a tecnologia do turbocompressor evoluiu. Para competir na classe até 2 litros, hoje um motor turbo tem de deslocar até 2/1,7 = 1,176 litro.
Vendo o contexto em que o 2002 Turbo nasceu, podemos dizer que este foi o verdadeiro patriarca da dinastia M. Não podemos tirar o mérito do M3 E30 em momento algum, é um carro extremamente importante para a história automobilística, assim como foi o 2002.
Vendo com mais detalhes o motor do M4, a tecnologia envolvida nesta unidade é de se respeitar. Dois pequenos turbos entram em ação em rotações intermediárias, e devido às suas características construtivas, possuem pouca inércia e ganham rotação rapidamente, evitando o famoso lag, a “preguiça” quando aceleramos. Antes da transição, o motor trabalha como se fosse o antigo seis cilindros aspirado do E46, e depois da transição e ganho de pressão dos turbos, é como o motor do 335i, preparado para o efeito da superalimentação. O segredo é como unir estas duas características e uma faixa de transição suave em um único motor com uma única calibração.
O M4 atual resgatou a origem dos BMW de alto desempenho, lá dos tempos do Turbo, com a mesma solução técnica utilizada no passado, a superalimentação. É de certa forma injustiça com o 2002 criticar o uso superalimentação no M4, uma vez que ele ajudou a popularizar o uso dos turbos nos carros de produção e levou a BMW a vencer corridas mundialmente importantes.
Entendo que a BMW só tem a ganhar com este motor no M4. A experiência deles com o motor biturbo de seis cilindros é digna de muitos elogios. O 335i que usa esta configuração de seis-em-linha superalimentado é um excelente carro, rápido e suave, entregando potência e torque de forma linear e bem progressiva desde as mais baixas rotações. Os antigos M3 E46, também seis-em-linha porém de aspiração natural, eram rápidos mas o motor não era dos mais espertos em baixas rotações e com o câmbio robotizado era ruim de andar na cidade em situação de trânsito mais intenso. Unindo os dois, ou seja, a esportividade do M3 E46 com o motor girando alto e a tecnologia e eficiência do 335i, o M4 tem tudo para ser pelo menos um ótimo carro.
Curiosamente, assim como o 2002 Turbo, o atual M4 é um carro que faz frente aos 911, com números de aceleração muito próximos, sendo o M4 mais rápido que o 911 Carrera normal e igual ao Carrera S, na casa dos quatro segundos de zero a 100 km/h, e perdendo por pouco para o Carrera GTS. Na prática, é tudo a mesma coisa, pois um décimo de segundo na vida real não quer dizer nada.
Independente de ser considerado heresia ou não, o motor biturbo e o comportamento dinâmico do M4 continuam sendo a referência da indústria para os modelos esportivos. Os criadores do 2002 Turbo devem estar orgulhosos de seu legado.
MB