O Ford 1933 cupê três-janelas é um dos ícones do design, e chama atenção principalmente pelo desenho da grade do radiador, muito provavelmente a mais bela de todas dessas décadas iniciais do século XX, e que só foi feita exatamente assim nesse ano. Em 1934 o contorno permaneceria o mesmo, mas a parte inferior levemente curvada para cima, como uma pá, passou a ser reta numa vista lateral. Oficialmente era o Model B com motor 4-cilindros, e Model 18 com o V-8, designações usadas apenas pelos especialistas, sendo muito mais normalmente chamados pelos anos, e pelo número de janelas e tipo de carroceria.
Foi usado em grande número para gerar hot rods de todos os tipos, e verdadeiras obras-primas nasceram desse carro que entrou para a história como um V-8 de Henry Ford. O motor foi lançado no ano de 1932, mas com um modelo A revisado. O 1933 veio com estilo completamente novo e mais moderno, e muitas diferenças mecânicas, se afastando do carro que deu rodas ao mundo, o Ford Modelo T.
Mas há um 33 especial no mundo de quem gosta de carros e de rock and roll básico, e esse é o Eliminator, que aparece em diversos vídeos de músicas do grupo texano ZZ Top, banda que já conta com quarenta e seis anos de estrada, literalmente.
O cantor, guitarrista e barbudo William Frederick Gibbons é o feliz dono da idéia de fazer um carro para ser utilizado em vídeos das músicas da banda, no período em que a estação de televisão MTV — Music Television — era novidade e se tornara uma febre nos Estados Unidos. Ter bons vídeos e aparecer nesse canal era garantia quase absoluta de fazer sucesso comercial, e Gibbons tinha certeza que o tipo de fã do ZZ Top era justamente quem mais poderia gostar do carro, e somar a fome com a vontade de comer.
A gênese do Ford batizado de Eliminator (eliminador) aconteceu após Billy assistir ao filme intitulado “California Kid”, o mesmo nome do Ford cupê modificado para andar como um carro moderno. Na película, o cupê rouba a cena do ator principal do filme, Martin Sheen, que vai investigar a morte de seu irmão, e descobre um policial que fazia seus próprios julgamentos e sentenciava criminosos do trânsito. O filme é ótimo e mostra dualidades entre certo e errado que valem hoje, mais do que nunca, quando qualquer pessoa que goste de acelerar um pouco mais que a lerdíssima maioria é tido como um fora-da-lei.
O carro que deu origem ao Eliminator foi comprado em Tucson, no estado do Arizona, de uma senhora que adquiriu o carro zero-milhas, usou pouco e com muito cuidado. Vendeu o carro para Billy Gibbons em fins da década de 1970 em condições excelentes, e cinco anos de trabalho trouxeram ao mundo um dos mais famosos carros da música de todos os tempos até agora, e muito provavelmente de sempre, já que carros estão se transformando em vilões e os que sobrarem, serão heróis.
Pete Chapouris era o dono do Ford California Kid, e Gibbons o contatou para ir trocando idéias a respeito do que fazer com seu imaculado 33, após conhecê-lo e saber que ele era sócio na empresa chamada Pete and Jake’s Hot Rod Repair, onde o principal artista do metal se chama Don Thelan. O trabalho foi iniciado nessa empresa, mas Thelan saiu e formou a Buffalo Motor Cars. Foi ele que fez a maior parte do trabalho no carro, por isso algumas fontes dizem que foi na sua empresa que nasceu o Eliminator, mas não é 100% verdade.
O carro ficou pronto em 1983, e aparece na capa do álbum lançado a seguir com o mesmo nome do carro.
O primeiro vídeo em que o carro apareceu foi na música Gimme All Your Lovin. A foto abaixo é de divulgação desse saboroso e marcante vídeo.
Gibbons fez questão que para a viagem de gravação do vÍdeo dessa música, a primeira em que o carro aparece, tanto Pete Chapouris quanto Jake Jacobs participassem do passeio. Pete seguiu com o California Kid, e Jake com um outro cupê, esse um 34 amarelo imaculado.
Após o trabalho, foram para o centro artístico de Los Angeles, a Sunset Boulevard, onde causaram alvoroço, sendo parados pela multidão e até mesmo pela polícia, tudo antes de chegarem ao Spago, o restaurante para onde se dirigiam para um jantar comemorativo.
O carro combina perfeitamente com a banda. Rock básico provindo do blues, de guitarra (Gibbons), bateria (Frank Beard) e contrabaixo (Dusty Hill), som pesado e melódico, como o ronco do V-8.
O trabalho foi extenso, e o Eliminator tem um chassis próprio, com suspensões muito superiores às primitivas originais, quatro barras na frente e na traseira o eixo rígido mais robusto de todos que a própria Ford fabricava, o popularmente (lá), conhecido como Nine Inch, devido ao diâmetro de nove polegadas da coroa. Hoje há outros fornecedores que reproduzem esse eixo sob licença.
A carroceria teve as colunas das janelas cortadas em cerca de 12 cm, baixando o teto, numa moda antiga e ainda hoje empregada em hot rods com capota. É chamada de chopped top, teto fatiado.
Outro artista do metal da oficina, Steve Davis, fez a tampa do motor com tomadas de ar laterais, e Kenny Youngblood desenhou pela primeira vez, os gráficos “ZZ” que se tornaram um emblema da banda desde então. Ou seja, a decoração do carro passou a ser a marca visual da banda. Só faltam os pêlos das barbas.
As lanternas traseiras são mais modernas, de um modelo 1939, e os faróis de um 1934, montados mais baixos. A tampa do porta-malas foi alterada para a placa ficar embutida e o conjunto todo ficou ótimo, mostrando que bastante conversa, planejamento e tempo trazem bons resultados.
O motor não é Ford, mas sim um small block Chevrolet, 350 polegadas cúbicas (5,7 litros) mas com comando do Camaro Z-28, dutos de admissão polidos, carburador quadrijet, acoplado a um câmbio Turbo Hydramatic 350. Para dar um toque de capricho, as tampas de válvulas tem o emblema ZZ usinadas, trabalho de Eric Vaughn.
Após o uso nos vídeos, o carro passou a ser usado em viagens de promoção e numa travessia de Los Angeles a Nova York em 1989, dirigido por Billy e acompanhado por Kimberly Herrin, uma das três garotas que ocupam o Eliminator nas músicas, surgindo para resolver situações problemáticas, ajudando rapazes e garotas vítimas de cafajestes de ambos os sexos, tipo de gente sempre combatida e humilhada nesses vídeos.
Depois disso, o Eliminator foi entregue ao Museu e Hall da Fama do Rock and Roll, que fica em Cleveland, estado de Ohio, e lá está exposto. Tem sua importância por ajudar na repopularização da cultura hot rod, que estava com influência diminuída na década de 1980, e cujas palavras de Tony Thacker, que foi o diretor da 6ª reunião da NHRA explicam claramente a importância: “Este é o carro que expôs os hot rods a uma nova geração e reacendeu o sonho para tantos outros”.
Veja também as fotos que nosso editor Milton Belli tirou do Eliminator e de outro carro de Gibbons, o Cadzilla, nesta matéria.
As solicitações de aparições para o Eliminator foram tantas que um outro carro igual foi construído, dessa vez pela California Street Rods, e esse carro é o que Gibbons tem em sua garagem, já que o original está em empréstimo permanente.
Como ele mesmo disse certa vez, ” melhor ter e não precisar do que precisar e não ter “. Sábias palavras desse vegetariano do Texas, a terra do barbecue!
No vídeo abaixo, um pouco do Eliminator e muito som !
JJ