Resolvi escrever esta matéria de tanto vivenciar situações perigosas. Viajo muito pela rodovia Castello Branco de Tatuí para São Paulo e vice-versa e posso garantir ao leitor que me sinto perdido no meio de tantos motoristas malucos dirigindo carros e, principalmente, caminhões. Veículos colados um com os outros, ultrapassagens pela direita, costuram o trafego como se estivessem sozinhos na estrada, tanto em tempo seco como com chuva. São totalmente desgovernados, fora o fato de também desrespeitarem a velocidade máxima permitida. Conheço algumas pessoas, inclusive alguns amigos, que são tranquilos no dia a dia e se transformam totalmente dirigindo um automóvel. Ficam destemidos, agressivos e acham que está tudo certo. “Meu carro tem ABS, EBD, controle de estabilidade, controle de tração etc, me sinto seguro,” dizem eles.
Falando um pouco do sistema de freios, não podemos esquecer nunca que a Física é implacável. A desaceleração que os freios impõe ao veículo depende diretamente do coeficiente de atrito do pneu com o solo. Por exemplo, em asfalto e/ou concreto seco com coeficiente de atrito 0,8 a máxima desaceleração possível é 0,8 multiplicado pela aceleração da gravidade. Ou seja, o veículo pode ter um freio de um avião Boeing que a desaceleração máxima que o solo permite não ultrapassará 7,8 m/s² (0,8 x 9,81 m/s²). Da mesma forma em piso molhado, com coeficiente de atrito 0,4, por exemplo, a desaceleração possível do veículo será no máximo de 3,9 m/s² (0,4 x 9,81).
Veja o leitor que freando a 100 km/h em piso seco o veiculo irá percorrer aproximadamente 46 metros até a sua imobilidade. Isto sem considerar o tempo de reação do motorista de ver o perigo e pisar no freio. Sendo otimista e considerando este tempo igual a 0,5 segundo, o veículo vai percorrer um adicional de 14 metros, resultando um espaço de frenagem total de 60 metros. Fazendo as contas para piso molhado, teremos a distância total de parada de aproximadamente 110 metros.
Olhando para estes números, será que alguém continuaria a dirigir com o veículo”colado” na traseira do outro? Creio que não, principalmente porque estes cálculos consideram freios com eficiência de 100%. No mundo real as distâncias de parada serão ainda maiores!
Proponho revermos alguns conceitos básicos para conceituar a matéria:
Os freios dissipam a energia cinética do veículo através do torque de atrito resultante no contacto das pastilhas com os discos e/ou das lonas com os tambores, gerando calor.
O travamento das rodas durante as frenagens é condição indesejável. A energia dissipada no escorregamento dos pneus com o solo é bem menor do que a dissipada nos freios, ocorrendo perda significativa de eficiência. Além disso, o travamento das rodas pode provocar instabilidade direcional do veículo. Assim, se as rodas dianteiras travam, o veículo se mantém na trajetória que estava antes, não possibilitando correções através do volante de direção. Quando as rodas traseiras travam, o veículo tende ao desequilíbrio e pode rodar em torno de seu centro de massa, resultando no famigerado “cavalo de pau”.
Essa tendência ao desequilíbrio aumenta quanto maior for o caimento da via. Toda via tem caimento para evitar o empoçamento da água da chuva. Há trechos na marginal do Tietê, em São Paulo, em que esse caimento é absurdamente acentuado até nas retas e, havendo travamento das rodas traseiras, o carro rodará inapelavelmente.
O projeto de um sistema de freios
Como projetar um sistema de freios ? Vamos falar um pouco a respeito. Em primeiro lugar vem o seu balanceamento, ou em outras palavras, a escolha do tamanho do freio dianteiro e traseiro, definindo a sua capacidade de torque/força de frenagem
Para cada veículo existe uma configuração ideal que depende de sua distância entre eixos, da altura de seu centro de gravidade e da distância do centro de gravidade ao eixo dianteiro, resultante da distribuição de carga vertical por eixo.
A tabela “A” acima mostra o exemplo de um veículo hipotético de 1.200 kg, distribuídos em 800 kg no eixo dianteiro e 400 kg no eixo traseiro. Distância entre eixos de 2,5 metros , altura do centro de gravidade igual a 0,4 m e distância do centro de gravidade ao eixo dianteiro de 0,8 m.
Veja o leitor que para cada coeficiente de atrito do pneu com o solo existe teoricamente uma distribuição ideal de frenagem. Para atrito 0,8 resulta 79% dianteiro e 21% traseiro. Para atrito 0,4 temos 73% dianteiro e 27% traseiro. Que bom seria um sistema que identificasse o coeficiente de atrito pneu/solo e escolhesse automaticamente a distribuição ideal de frenagem por eixo. Resultaria uma eficiência de frenagem de 100% para qualquer situação.
Isto é facilmente explicável. Quanto maior for o coeficiente de atrito pneu-solo tanto maior será a transferência de carga para o eixo dianteiro, aliviando a carga no eixo traseiro. Por outro lado, quanto menor o coeficiente de atrito pneu-solo, menor a transferência de carga para o eixo dianteiro e mais freio traseiro poderá ser disponibilizado.
O balanceamento do sistema de freio, utiliza como segurança, uma válvula de corte de pressão do sistema hidráulico para limitar a atuação do freio traseiro em piso de alto atrito (0,7 e maiores), evitando o indesejável travamento das rodas traseiras com o veiculo descarregado. A válvula reguladora de pressão pode ser de corte fixo ou variável. Esta última, variável sensível a carga, aumenta a participação do freio traseiro a medida que o veículo é mais carregado, aumentando a eficiência de frenagem. O Arnaldo Keller mencionou isso no recente teste ‘no uso’ da picape Toyota Hilux.
Nos sistemas de freio com ABS (Anti-Lock Brake System, sistema de freio antitravamento), sensores de rotação nas rodas identificam a sua iminência de travamento pela diminuição de rotação e enviam o sinal para um conjunto controlador, que reduz a pressão hidráulica no circuito correspondente o suficiente para manter a roda girando apesar de freada, cada roda particularmente monitorada. A grande vantagem do sistema ABS é permitir ao condutor do veículo tanto poder desviar de um obstáculo durante a frenagem, mantendo o seu controle direcional, quanto diminuir a distância de parada. Um duplo benefício, portanto.
Na realidade, o que o ABS faz é proporcionar a máxima frenagem possível sem que haja o bloqueio das rodas.
Os freios com EBD (Electronic Brake-force Distribution) possuem válvula sensível à carga do veiculo, identificando a sua atitude e aumentando a participação do freio traseiro adequadamente, ajustando a relação das forças de frenagem por eixo. O sistema EBD funciona sempre em conjunto com o ABS.
Como curiosidade, o sistema sem ABS tem maior eficiência em frenagens no gelo/neve e também em pedregulhos/pedriscos. A explicação é que as rodas travadas escavam o solo aumentando a força de atrito pneu-solo e parando o veículo mais rapidamente. Os sistemas modernos ABS “entendem” estas situações particulares, liberando o travamento das rodas progressivamente.
Os projetos de freio estão cada vez mais adotando a eletrônica embarcada para ajudar o motorista a se safar de situações perigosas. A Ford e a Volvo projetaram sistemas para diminuir o risco de colisões traseiras.
O “Active City Stop” (freada de cidade ativa) da Ford, diminui o risco de colisão traseira em velocidades de até 50 km/h. Sensores de proximidade, monitorando o movimento na freqüência de 50 vezes por segundo, atua se o motorista não reage a tempo de qualquer freada ou parada brusca. Os freios são acionados, o torque do motor é reduzido e o pisca-alerta é ligado, tudo automaticamente, evitando a colisão.
A Volvo, também com o seu sistema “City Safety,” inclusive para caminhões, freia automaticamente caso o motorista falhe em reagir a tempo de pisar no freio, quando o veículo à frente desacelere repentinamente ou pare totalmente.
Na verdade, nada substitui o bom senso do motorista em dirigir com segurança, observando o meio ambiente, as velocidades compatíveis, a condição do piso e a condição do tráfego.
Minha homenagem de hoje é para o Físico e Matemático francês Blaise Pascal (1623–1662), autor da “Lei de Pascal”, pois sem ela os freios hidráulicos não seriam inventados.
“A alteração de pressão produzida em um fluido incompressível em equilíbrio transmite-se integralmente a todos os pontos do mesmo e ás paredes do recipiente que o contém.”
CM