Os amortecedores fazem parte do sistema das suspensões do veículo e são, além do conforto, componentes responsáveis pela segurança da condução, tanto em manobras transientes como as da foto acima, quanto em frenagem. São os controladores de amortecimento do movimento das suspensões.
Vamos falar um pouco a respeito de como são definidos os amortecedores para um determinado veículo.
Em primeiro lugar, a engenharia define uma curva de tração e compressão para os amortecedores dianteiros e traseiros, referenciando as velocidades da haste versus as forças dinâmicas, curva esta calculada teoricamente com auxilio de software específico que leva em consideração todos os parâmetros que influenciam o conforto e a estabilidade do veículo ou seja, constante das molas, distribuição de peso por eixo, centro de gravidade, peso não suspenso (suspensões+rodas+eixos), altura sob carga etc.
Com este “chute inicial” ou seja, com a curva preliminar definida, o fabricante do amortecedor prepara uma amostra desmontável que pode ser alterada em todos os seus parâmetros, através de troca de válvulas, orifícios de progressão etc. Os “amortecedores abertos”, como são chamados, são então instalados no veículo para as mais diversas avaliações dinâmicas de conforto, estabilidade direcional e freios. Com o processo de tentativa e erro, os amortecedores são “afinados” até o melhor compromisso definido pela engenharia. Então são preparadas amostras em nível final para os testes severos de certificação, como, por exemplo manobras-limite de capotagem, frenagens de emergência em retas e curvas, desvio de obstáculos em velocidades elevadas etc. São submetidos também a durabilidade veicular para a verificação de robustez e da perda de carga por desgaste normal dos componentes em quilometragem.
O fabricante de amortecedores Tenneco (marca Monroe) tem um laboratório móvel instalado em um caminhão-baú para dar esta assistência em termos de desenvolvimento. Várias vezes fizemos (na Ford) juntos o tuning de amortecedores.
Veja o leitor que, para que a manutenção do compromisso de conforto e segurança ao longo da vida do veículo, se faz necessário que os amortecedores percam o menos possível de carga durante o acúmulo de quilômetros. No meu julgamento, com até 10% de perda de carga tanto em distensão quanto em compressão, os amortecedores estariam ainda em condições de cumprir bem a função.
Agora fica a pergunta: como saber quanto de carga o amortecedor perdeu ao longo do tempo e, mais do que isso, o veículo continua com sua capacidade de segurança em termos direcionais e de frenagem?
A única maneira que eu conheço para saber se os parâmetros das curvas de distensão e compressão dos amortecedores estão de acordo com a especificação inicial é medir em bancada com aparelho apropriado, similar àquele utilizado para o afinação dos amortecedores pelo fornecedor.
Especialistas em dinâmica veicular têm sensibilidade para praticamente entender se os amortecedores ainda estão funcionando bem, porém o consumidor normal dificilmente terá esta sensibilidade, a menos que haja um vazamento relevante e/ou um barulho associado.
A dificuldade maior é que o controle do amortecedor não está em um ponto somente e sim em uma curva de distensão e outra de compressão. Velocidades altas de haste normalmente são causadas por impactos em buracos, valetas e lombadas. Esta faixa é que deteriora fortemente o amortecedor, podendo até entortar a haste por calço hidráulico (bloqueio total). O corpo de válvulas pode se romper deixando o amortecedor não funcional e gerando forte ruído.
Velocidades baixas de haste definem o conforto primário das suspensões e as médias velocidades definem a faixa ampla de eventos singulares, estabilidade direcional e frenagem.
Vou dar um exemplo. suponhamos que um determinado veículo esteja com os amortecedores dianteiros com 20% de perda de carga de compressão. Se o motorista dirigir em velocidades baixas em tráfego de cidade ele poderá até gostar do conforto do veículo, pois com menor carga de compressão em baixas e médias velocidades de haste, a maciez de rodagem se faz presente. Então o mesmo motorista vai viajar e na estrada a 120 km/h, precisa desviar rapidamente de um obstáculo e/ou frear em emergência. Certamente com menos 20% de carga de compressão a estabilidade direcional do veículo já está em um nível inferior do que a engenharia arduamente projetou em termos de segurança. Será essa carga de compressão 20% menor suficiente para garantir a manobra?
Eu particularmente iniciei este estudo durante a minha passagem pela engenharia avançada da Ford. A idéia era avaliar o comportamento direcional e de freio de um determinado veículo variando progressivamente as perdas de carga dos amortecedores e comparando com testes de durabilidade/vida dos componentes. Infelizmente, por outras prioridades, tive que interromper este trabalho, a meu ver dos mais importantes, para estabelecer uma recomendação clara e com bases sólidas de quando substituir um amortecedor.
O fabricante do amortecedor tenta, através de ciclagem controlada em bancada, representar a vida real, ou seja, a perda de carga decorrente do desgaste normal dos seus componentes ao longo da vida do veículo. O necessário seria os fabricantes de veículos e os fabricantes de amortecedores juntarem as forças para um trabalho conjunto a este respeito para o bem do consumidor.
Na realidade, os amortecedores podem parecer em bom estado, macios, sem vazamentos e ruídos, porém podem deixar o consumidor na mão por perder capacidade de amortecimento em manobras radicais. É neste caso que mora o perigo!
Momento da troca
Por incrível que pareça, não existe um critério que diga quando os amortecedores devem ser substituídos no tocante ao seu funcionamento. Claro que um exame externo pode defini-lo, como sinais de vazamento do fluido hidráulico, deformações, amassados e outros sinais de que o amortecedor não está mais íntegro. Mas quanto à sua carga em si, não existe nada em termos de concessionária ou oficina independente que possa mostrar se ele se está utilizável (do ponto de vista de segurança) ou não.
Os fabricantes de automóveis não incluem troca preventiva dos amortecedores no seu plano de manutenção, ao contrário de, por exemplo, substituir correia dentada, polias e esticador a cada 80.000 km, com a faz a Renault. Por seu lado, fabricantes de amortecedores estabelecem essa quilometragem baseadas em suas análises e experiência, com os conhecidos “troque a cada “x” mil quilômetros, mas que não é o ideal, uma vez que a vida (segura) de um amortecedor depende de como e onde o veículo é utilizado. Essa quilometragem pode ser de 20 mil a 150 mil quilômetros, às vezes mais. Então, como fazer? Como pode o proprietário consciente saber quando deve trocar?
Aconselho duas maneiras para isso. Primeiro, ficar atento ao comportamento do seu carro, se ele “obedece” bem aos seu comando de direção, se ele não tem nenhum sinal de perda indevida de contato dos pneus com solo à menor irregularidade do piso e/ou se a suspensão não está indo ao batente (pancadas de fim de curso) fácil demais. Segundo, valer-se do aconselhamento de quem sabidamente tenha sensibilidade para determinar se o funcionamento do amortecedor está ou não dentro do normal. Pode ser um mecânico ou concessionária em que se confie, embora neste segundo caso possa eventualmente haver conflito de interesse (a concessionária querer amortecedor).
De qualquer maneira, o bom senso continua a valer.
Como sempre encerro a matéria com uma homenagem.
Esta vez é para a Citroën, que vem ao longo dos anos contribuindo com o aprimoramento da dinâmica de seus veículos, em termos de estabilidade direcional e segurança, mesmo em veículos bem simples como o 2 CV.
CM
Créditos: arquivo pessoal do autor, www.citroenet.org.uk, primeiramarcha.com.br, www.ams-mag.com