Vira e mexe pego da prateleira uma revista especializada em automóveis antiga e revejo testes e conceitos de projetos relevantes da época.
A revista alemã Auto Motor und Sport é sabidamente focada em testes de automóveis, com artigos bem elaborados a respeito de desempenho e consumo de combustível, além de excelentes detalhes técnicos dos veículos abordados. Aliás, a revista Carro, da qual o Bob Sharp é editor técnico e colunista, é publicada pela Motor Press Brasil, filial da Motor Press Stuttgart, que é quem edita a Auto Motor und Sport.
E foi na edição de 12 de janeiro de 1983 que me encantei com os testes do Audi 80 Quattro e do BMW 320i.
O Audi 80 Quattro com sua tração permanente nas quatro rodas e seu motor de 5 cilindros em linha de 2.144 cm³, 136 cv a 5.900 rpm e 17,9 m·kgf a 4.500 rpm, era gerenciado pelo sistema de injeção analógica Bosch K-Jetronic. Atingia a velocidade máxima de 196 km/h a 6.000 rpm em 5ª marcha, bem ao meu gosto, praticamente em cima da rotação de potência máxima do motor. Era um verdadeiro cinco-marchas que dava gosto cambiar. Acelerava de 0 a 100 km/h em 10,4 segundos, porém o seu consumo de combustível não era dos melhores, 9,1 litros/100 km (11,1 km/l) a 120 km/h em quinta marcha. Mas pela alegria que o veículo dava ao motorista em termos de tocada esportiva, poderia até gastar um pouco mais de combustível (gasolina premium) que ninguém se importaria. A potência específica deste motor de 5 cilindros era de 63 cv/litro. O veículo era bem pesadinho com 1.215 kg em ordem de marcha e seu coeficiente de arrasto aerodinâmico era 0,40 cm 1,86 m² de área frontal, que dava uma área frontal corrigida (Cx x A) elevada, 0,744 m².
O BMW 320i com seu motor 6-cilindros em linha de 1990 cm³ e potência de 125 cv era mais rápido que o Audi 80 Quattro, acelerando de 0-100 km/h em 9,8 segundos, devido ao seu menor peso em ordem de marcha, 1.084 kg. Tinha a mesma área frontal do Audi e seu coeficiente aerodinâmico era um pouco menor, 0,39, atingindo a velocidade máxima de 200 km/h a 6.400 rpm em quarta marcha, ficando a 5ª para economizar combustível, portanto um arranjo 4+E. Consumia 8,1 litros de gasolina para cada 100 km, ou seja, 12,3 km/l. A potência específica do motor também era de de 63 cv por litro, gerenciada pelo sistema de injeção eletrônica analógica Bosch LE-Jetronic .
Chamo a atenção do leitor para o fato de que foi este mesmo sistema Bosch LE-Jetronic que equipou o VW Gol GTi em 1988, o primeiro veículo nacional com injeção eletrônica.
O GTI com seu motor AP 2000 a gasolina de 120 cv a 5.600 rpm acelerava de 0 a 100 km/h em 10 segundos, atingindo a marca de 175 km/h de velocidade máxima em 5ª marcha a 5.900 rpm. Era bem gastador, fazendo 8,8 km/l a 120 km/h, também em 5ª marcha. A potência específica do motor era de 60 cv/litro.
Note o leitor que no inicio da década de 1980 os motores modernos movidos a gasolina geravam entre 60 e 65 cv/litro. Hoje em dia os motores são muito mais eficientes. Dou como exemplo o Focus 2-L gasolina, que gera 89 cv/litro, embora com álcool e tendo injeção direta.
A VW no Brasil pregava que a injeção eletrônica LE-Jetronic era um sistema “estado da arte” e que dava amplo equilíbrio de funcionamento do motor, através de um rígido controle da mistura ar combustível em qualquer regime de trabalho, com as vantagens melhor desempenho, menor consumo de combustível, facilidade de partida a frio, melhor dirigibilidade, e menor emissão de poluentes, antecipando-se à Fase 2 do Programa de Controle de Emissões por Veículos Automotores (Proconve) que vigoraria a partir de 1/01/1992
A injeção analógica, embora com componentes de alta qualidade, não permitia a identificação das falhas com o registro do setor problemático como são os modernos sistemas digitais de hoje em dia. Em vista disso, muitos problemas foram agravados devido à pouca experiência dos mecânicos, utilizando o método de tentativa e erro para a resolução das falhas do sistema. A regra geral era substituir determinado componente por outro novo e ver se dava certo. Muitas vezes ocorria danos no processo de remoção e instalação de peças, principalmente nos conectores elétricos. Na realidade era realmente muito difícil encontrar um problema analisando os circuitos com multímetro e osciloscópio.
Os modernos sistemas digitais de hoje em dia, graças aos mmicroprocessadores, registram as falhas identificando o local específico do problema. O microprocessador, popularmente chamado de processador, é um circuito integrado que realiza as funções de cálculo e tomada de decisão de um computador. Um microprocessador incorpora as funções de uma unidade central de computador (CPU) em um único circuito integrado, ou no máximo alguns circuitos integrados. É um dispositivo multifuncional programável que aceita dados digitais como entrada, processa de acordo com as instruções armazenadas em sua memória, e fornece resultados como saída. Microprocessadores operam com números e símbolos representados no sistema binário.
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Vale a pena rever com o leitor o conceito do processo de queima do combustível. A unidade de medição da vazão/temperatura do ar era fundamental para que os bicos injetores dosassem a quantidade correta de combustível por tempo, garantindo a estequiometria (relação ar-combustível ideal) da mistura.
Mistura é a composição de ar e combustível em determinada proporção. Para a queima completa de 1 kg de gasolina, são necessários 14 kg de ar. Neste caso, temos uma proporção 1:14, estabelecendo-se a mistura estequiométrica ideal ou referencialmente lambda = 1 (lambda é letra grega que é utilizada para a indicação referencial da mistura ar-combustível)
Quando a proporção limite inferior é de 1:16, a mistura é considerada pobre e lambda é maior que 1.
Quando a proporção limite superior é 1:13, a mistura é considerada rica e lambda é menor que 1.
Os motores a gasolina alcançam a máxima potência com lambda entre 0,9 e 0,95 e o menor consumo com lambda entre 1,0 e 1,1.
Os limites de funcionamento estão entre lambda = o,7 e lambda = 1,3 ou seja, fora destes limites a mistura ar combustível não queima.
Nos modernos sistemas de injeções digitais, existe a sonda lambda instalada no coletor de escapamento do motor, que identifica o nível de queima da mistura ar/combustível e a corrige para a estequiométrica continuamente, com base no nível de CO (monóxido de carbono), CO2 (dióxido de carbono) e NOx (óxidos de nitrogênio, o NO e o NO2) emitidos. Na realidade, são levadas em consideração as moléculas de oxigênio envolvidas no processo da queima, reagindo com o elemento comparador interno da sonda.
Na realidade sem a sonda lambda não seria possível o advento dos motores flex como os conhecemos.
Estou pensando em elaborar uma matéria mais completa mostrando todas as etapas de desenvolvimento da calibração do motor, desde as medições estáticas em dinamômetro até as dinâmicas no veículo.
Como curiosidade, veja o leitor um Escort XR3 1985, motor 1,6 CHT, com injeção eletrônica analógica similar à que foi lançada em 1988 no Gol GTi, porém, a álcool! A Ford tinha tudo para ser a pioneira nos sistemas de injeção eletrônica no Brasil, bastaria contar com a tecnologia Ford mundial e querer investir.
Termino a matéria com uma merecida homenagem à Bosch pelos seus trabalhos ao longo dos anos em sistemas completos de gerenciamento de motores.
CM