Décadas atrás era gritante a diferença de comportamento entre os carros oferecidos pelo mercado brasileiro. Já hoje, nem tanto. Por exemplo, eram grandes as diferenças de comportamento entre o Chevrolet Opala, o Ford Corcel I e o VW Fusca, isso lá pelo final dos anos 1960. Hoje a maioria dos carros têm motor transversal e tração dianteiros, e mesmo os que têm configuração diferente, salvo raras exceções, foram acertados para ter comportamento semelhante. Se você souber direito como pilotar um, terá facilidade em se adaptar a outro. Tempos atrás não era bem assim. Cada um era cada um.
O Opala tem motor dianteiro e tração traseira. No caso dos Opala 6-cilindros a maior parte do seu peso se concentra sobre o eixo dianteiro, já que o longo e pesado motor está sobre o eixo e boa parte dele fica adiante dele. Com o carro vazio, só com o motorista — é assim que se toca rápido, quando sozinho —, sua traseira era leve em relação à dianteira. Não consegui dados de sua exata distribuição de peso, mas calculo que era ao redor de 60 % na dianteira e 40 % na traseira. No caso dos Opala de 4-cilindrros havia melhor equilíbrio, mesmo assim ele também concentrava maior peso na dianteira.
O Corcel I (o Corcel II, que chegou em 1977, era a mesma coisa que o Corcel I) tem motor e tração dianteiros, sendo que o motor, longitudinal, vai totalmente adiante do eixo dianteiro; sobre o eixo vai o transeixo. O motor, portanto, vai “pendurado” adiante do eixo dianteiro. Seu peso recai totalmente sobre esse eixo e, além disso, como numa balança, alivia o eixo traseiro. Calculo que sua distribuição de peso seja ao redor de 65% na dianteira e 35% na traseira, por aí (o Carlos Meccia na certa sabe com exatidão).
O Fusca é o contrário do Corcel I. Seu motor vai pendurado atrás do eixo traseiro, sendo que seu peso recai todo sobre esse eixo e também alivia, como uma balança, o eixo dianteiro. O Fusca tem ao redor de 40% na dianteira e 60% na traseira.
E vá você mandar a lenha nesses carros… Cada um se comporta de um jeito e cada um deve ser pilotado de um jeito particular. Comparando-os aos carros atuais vê-se o quanto o automóvel evoluiu em matéria de (bom) comportamento. Hoje, praticamente todos nos avisam com boa antecedência sobre suas tendências e sobre os seus limites de aderência, e o mais comum é que as coisas se resolvam com a instintiva tirada de pé do acelerador. Já antigamente essa mesma reação instintiva poderia ser o estopim para o desastre.
Num Opala, por exemplo, apesar dele na entrada da curva tender a sair de frente, se acelerarmos forte demais na saída da curva ele tenderá a desgarrar a traseira, especialmente o 6-cilindros. Se com essa saída de traseira nós abruptamente tirarmos o pé do acelerador, pronto!, está feita a besteira, já era!, pois o efeito frenante do motor agirá sobre as rodas motrizes traseiras, mantendo a complicação com a consequência sendo a traseira te passando ao lado e iniciando uma bela rodada. Contraesterçar, virar o volante para o lado em que a traseira está saindo, é a tentativa de solução, mas dependendo do caso ela não resolve.
A pilotada do Corcel I já se assemelha à da maioria dos carros atuais, só que sua tendência a sair de frente é bem mais pronunciada
A do Fusca é uma arte à parte. Ele é inerentemente sobre-esterçante sempre, exige bastante cuidado na entrada da curva. Para andar rápido com um é preciso ter dotes de piloto, pois entrar-se em dificuldades é bastante fácil. Se a traseira começar a escapar, junto com o contraesterço é preciso aliviar o acelerador, e não levantar o pé completamente, que pode piorar as coisas. Se for necessário virar mais o volante, fazê-lo com a maior delicadeza possível para não provocar ainda mais a saída de traseira. Nos Porsche 356 usa-se a mesma técnica, basicamente.
O Fusca tinha a agravante da suspensão traseira por semieixos oscilantes, que por sua concepção levava a traseira a levantar nas curvas — o chamado “efeito-macaco” — e com isso aumentando o câmber positivo atrás e reduzindo ainda mais a aderência do pneu externo à curva.
E não nos esqueçamos que a direção era muito mais lenta que os atuais (exceto no Fusca), já que raramente havia carro com direção assistida. Então, para que o volante não ficasse muito pesado era preciso desmultiplicá-la; era preciso várias voltas para ir de batente a batente. Sendo assim, corrigir erros, contraesterçar etc. era uma manobra um tanto lenta e que muitas vezes provocava atrapalhações; quando você conseguia colocar as rodas na posição desejada, já era tarde, pois já era para elas estarem apontando para o outro lado. Daí, toca você a virar e virar rápido o volante para buscar o outro lado.
Poucos anos atrás eu, desacostumado, logo na primeira volta com um Sting Ray 1967 (o das fotos é 1969) em Interlagos fui pego de surpresa ao acelerá-lo mais forte na saída do Pinheirinho. O motorzão V-8 tinha uma saúde infernal e o acelerei um pouco além da conta, imaginando que se ele soltasse a traseira eu, contraesterçando, logo a traria certinho para ficar quieta atrás de mim. Até aí, tudo bem, só que a direção era das lentas (havia várias caixas de direção oferecidas, umas mais lentas e outras mais rápidas) e demorou além do imaginado para que eu fosse obedecido. Daí que por pouco o carro não entrou em pêndulo. Foi só um sustinho. Daí para frente não houve mais surpresas.
E isso para não falar dos pneus, que, a meu ver, foi o item cuja tremenda evolução foi, de longe, a que mais trouxe benefícios em termos de comportamento. O crítico Fusca foi o que mais se beneficiou, mas com os radiais instalados após a venda, pois nenhum saiu de fábrica com eles, exceto o renascido “Itamar” em 1993.
Na época em questão, os pneus de linha eram os diagonais, que com pouco esforço já dobravam nas curvas, o que os tornava lentos até de reação, além de tenderem a fazer o carro oscilar quando trocávamos de apoio, como numa sequência de curvas em S, por exemplo, ou numa mudança rápida de faixa. Até me lembro de quando o Émerson Fittipaldi foi testar um Ford Galaxie em Interlagos e logo na primeira volta já saltaram as calotas, isso porque os pneus dobraram a ponto de as calotas — que eram grandes, do tamanho da roda — encontrarem o chão. E como eram caras as calotas do Galaxie!
Freios? Eram todos a tambor, com a exceção do Corcel I, que já saiu com discos na dianteira. Os a tambor nas quatro até que freavam medianamente bem, mas isso nas primeiras freadas fortes, porque em seguida iam perdendo eficiência, o pedal ficando pastoso, afundando, fora que com tambor na dianteira era comum haver diferença de atuação entre os lados. Então era comum eles fazerem o carro puxar para um lado. Sendo assim, nunca havia a absoluta certeza de obtermos boas, eficientes e equilibradas freadas, daí que a gente tinha mesmo que ajudá-los usando o freio-motor.
A eficácia do freio-motor estava basicamente ligada a dois fatores: peso do carro e cilindrada do motor. Carro leve com motor de grande cilindrada, tipo os Corvette da época — motor com mais de 5 ou 6 litros e peso ao redor de 1.300 kg —, até que o freio-motor ajudava bem, mas motor de baixa cilindrada em carro pesado, tipo DKW-Vemag Fissore, que por ter grande área envidraçada era pesado (vidro pesa) e que além do mais tinha motor de 1 litro a 2 tempos – este tem pouco freio-motor quando comparado aos 4-tempos –, era uma desgraça anunciada.
Mandar a lenha, portanto, era, além de planejar o traçado, a freada, a marcha, a dose de aceleração na saída da curva, era também submeter tudo isso a uma reserva de segurança para encarar um comportamento do carro que tendia para o errático.
E também, comparado com hoje, havia maiores diferenças entre dois carros iguais. Por exemplo, você tinha um Fusca seminovo e ia guiar o Fusca igualzinho, seminovo, de um amigo. Pode estar certo que as diferenças eram bem maiores que num exemplo similar com os carros de hoje. Sendo assim, você tinha que conhecer bem aquele carro que tinha nas mãos. Não bastava só estar habituado com o modelo. Ajudava muito, mas não bastava.
Bom, tendo esses exemplos do passado — passado até que recente em termos de história do automóvel —, podemos ver o quanto essa indústria evoluiu. Uma parte dessa evolução, acredito, se deveu aos bons avaliadores da imprensa; aos bons, embasados, responsáveis e persistentes pilotos/jornalistas, tais como o nosso amigo e mestre Bob Sharp e outros profissionais da imprensa automobilística valorosos como José Luiz Vieira, Expedito Marazzi, Emilio Camanzi e Douglas Mendonça.
AK